I m p a l a 6 7

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— Sim... não. — gaguejei — Quer dizer, um pouco.

     O grandão me colocou no banco de trás com cuidado. Como ele conseguia ficar perto daquele Dean?

— Não sei porquê, mas sinto como se te conhecesse. — aquilo não era um flerte.

— Engraçado. — riu encarando o chão — Tenho a mesma sensação.

— Qual o seu nome mesmo? — indaguei.

— Samuel.

     Eu queria me lembrar onde ouvi aquele nome. Samuel. Mas não vinha nada em mente. Tudo que eu me lembrava ao olhar para o meu passado eram as pessoas ruins, os acontecimentos ruins, os lugares ruins. Não conseguia enxergar nada tão bom quanto Samuel parecia ser.

— Aonde pensam que vão sem mim? — Dean apareceu e entrou no carro. Virou-se para trás com o humor repentinamente transformado, levantando em mim suspeitas sobre aquilo.

— "Vá ao oeste, jovem homem". — repeti a frase de Horance Greeley. Referências, eu adorava referências.

— Quê? — ele perguntou sem entender; talvez por falta de aulas de História.

— Greeley, Colorado. — Samuel explicou, assim que se sentou no banco do carona e fechou a porta.

      A verdade era que eu morava em Denver há quase dois anos, num apartamento de classe média no centro da cidade, não em Greeley. Eu precisava daquela carona para voltar para a casa de Bridgit e esclarecer muitas coisas com ela, como por exemplo, por que ela estava me ligando ontem à noite pouco antes do ataque, por que não veio me visitar no hospital — não que eu esperasse isso dela, afinal, eu a odiava —, e principalmente, por quê parecia que tudo que ela me fez acreditar a vida toda era mentira?

     Á partir daquele momento iniciei minhas análises. Dean cantarolava uma música do Led Zeppelin enquanto Samuel tirava um lap top preto do porta-luvas. Eu gostaria de perguntar a razão daquilo, mas sabia que seria em vão.

***

     Já fazia algumas horas que estávamos rodando. A única parada foi para comprar alguns lanches num bar de estrada — o mesmo bar cujo banheiro me traumatizou. Dean me emprestou sua jaqueta verde musgo para que a roupa do hospital não ficasse tão evidente. Entretanto, minha cara de quem havia tomado várias doses de sedativo, meu cabelo desgrenhado, e a falta de sapatos em meus pés, não ajudaram muito. Pensei em fugir naquele instante, pedir ajuda à algum dos caras bêbados sentados no balcão, ou à atendente, mas no fundo, me questionei se valeria a pena.

     Eu não estava mais presa, isso deveria significar que eu poderia confiar neles.

     O contraste do Sol se pondo no fim de tarde reluzia uma iluminação alaranjada que atravessava o vidro do carro, e deixava o horário explícito; seis da tarde. Eles não conversaram muito, talvez para evitar que eu pudesse fazer alguma suposição sobre quem eram, e até onde eu pude saber, Jane Watson era órfã assim como eu. O "demônio" que a matou certamente foi o mesmo que tentou me matar, o modus operandi foi muito semelhante. No entanto, não encontraram nenhuma ligação entre ela e eu. Talvez porque eles acham que eu me chamo Mitchie Monroe, mas quem se importava?

— Falta quanto tempo pra gente chegar em Greeley? — perguntei apoiando os cotovelos em ambos os bancos da frente.

— Relaxa, não estamos com pressa. — Dean falou calmo, me olhando pelo retrovisor.

— Posso fazer uma ligação? — arrisquei a pergunta.

— Não. — respondeu seco.

— Deus, como você é chato! — franzi o cenho com uma voz de indignação, por mais que eu já soubesse que a resposta seria negativa.

— Pode sim, Mitchie. — Samuel me entregou seu celular e encarou Dean com um olhar fuzilante.

       Simulei que discava o número, entretanto, verifiquei a torre e liguei o GPS. Não estávamos indo para Greeley, e onde quer que estivéssemos indo, era tão afastado que não tinha sinal algum.

— Não tem sinal aqui. — falei desconfiada.

— Estamos cortando caminho. — disse Dean.

— Achei que não estivesse com pressa. — o ar parecia ter se tornado pesado, e meus pensamentos não conseguiam ser positivos.

      O carro freou bruscamente na metade do caminho. Meu coração voltou a acelera, e a sensação da morte foi inevitável.

— Não! Me larga! — comecei à me debater enquanto ele me puxava pelo braço com força, na tentativa de me tirar do Impala.

     Já fora do carro, Dean me prensou contra uma das árvores, enquanto Sam atrás dele mirava uma arma em minha cabeça.

QUEM É VOCÊ? — ele gritou

— Mitchie! Mitchie Monroe! — respondi depressa.

— Então como me explica isso?

      Ele mostrou um registro na web constando que Mitchie Monroe morreu em 1984. Engoli em seco. Ou eu contava a verdade, ou antecipava a minha morte.

— Tudo bem, tudo bem. — tentei afastá-lo de mim — Meu nome é Katherine. E eu não sou... completamente humana.

       Sam abaixou a arma devagar me encarando ainda perplexo, e Dean se afastou de mim com o mesmo olhar de Sam.

— Nefilim. — suspirei, me senti mais segura contando a verdade — Eu cresci num orfanato desde bebê. Fui adotada aos 14 anos pela minha tia, Bridgit. Ela me revelou muita coisa que eu não sabia sobre mim, entre elas, o fato de eu ser filha de um anjo. Eu não acreditei no início, mas, os livros, os documentos, e todas as evidências... — fiquei cabisbaixa — Eles vieram atrás de mim, entende?

— Eles? Eles quem? — Sam indagou.

— Os anjos. Nefilins devem ser extintos da Terra, acho que está na bíblia.

      Eles se entreolharam como se pudessem conversar por telepatia.

— E sabe qual é o nosso trabalho? — Dean tinha uma frieza no olhar — Matar demônios. Por que acha que te deixaríamos ir embora?

— Porque eu ainda não sou um demônio.

      O silêncio nos rodeou. Ambos suspiraram e cruzavam o olhar novamente. Tudo que estava na minha cabeça conspirava em torno do fato de que muitas pessoas me queriam morta.

— Vamos te levar pra casa. — Dean finalmente falou — Mas antes... — tirou o rolo de fita do bolso.

— Ei... — Sam me segurou pelos braços — eu achei que éramos ami... — Dean colou a fita em meus lábios.

Que porra.

If I Had Wings (Hiato)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora