Um herói cotidiano

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Autor: Vinícius Gomes


Não era lá bem um herói. Um garoto de 19 anos de mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans, suspirando medo por ter feito a burrice de concordar com uma proposta suicida não pode de maneira alguma levar o nome de herói. Era no máximo um idiota amedrontado com uma cognição incrível e uma memória eidética que nem lá era gabaritada para ser classificada como superpoder. Um talento absurdo sim, mas nada além daquilo. E, se fosse mesmo herói, seria um herói capenga, porque além de estar tremendo de medo, era bem egoísta e só aceitava a ideia de lutar contra o crime pensando nas vantagens que isso iria lhe trazer.  Na verdade, Jean estava mesmo era precisando de dinheiro para fazer o reteste na prova de volante pra tirar sua carteira de motorista, então cobrar por serviços de super-herói poderia lhe render uma boa grana.

Só que dar errado é justamente o que acontece quando se acha que pode subestimar todo mundo, mas acaba encontrando alguém que é mais esperto do que se pensava que era: Jean foi pego numa armadilha de sua própria prepotência. Alguns textos na internet disseram a Jean que ele podia deixar de ser um nerd tímido para ser um conquistador e ele acreditou. E só bastava que ele acreditasse e lesse pelo menos uma vez para por em prática seus novos conhecimentos em psicologia aplicada à sedução em parceria com neurolinguística hipnótica.

― E não é que funciona mesmo? ― se maravilhou quando na terceira tentativa após dois fracassos sua vítima deu-lhe o número de telefone. Fracassos estes que aconteciam em função de sua falta de coragem em iniciar conversa com estranhos (estranhas, nesse caso).

A partir de então não parou mais.

Agora Jean era descolado. Usava com muita freqüência seus óculos escuros, boina da Cavallera, calça jeans colada, blazer preto e camiseta branca na intenção de chamar atenção. Na opinião dele agora só faltava o carro que ele também compraria com o dinheiro ganhado como super-herói de aluguel. 

Uma pessoa com as ferramentas certas pode fazer tudo o que quiser, era o que sempre dizia Jean quando era perguntado sobre seus sucessos em (agora) praticamente todas as áreas de sua vida. Falava isso por que pra ele era fácil, claro. Podia ler uma bula de remédio apenas uma vez só e já tinha tudo gravado fotograficamente em sua mente. Podia apenas ler um tutorial num fórum de Hacker's que já estava apto a invadir sistemas web medianos. Podia assistir a um filme do Jackie Chan que sabia como os braços e pernas deveriam se movimentar de forma a serem usadas como armas. Só que neste último caso, não era tão simples assim, pois também precisaria de anos de treino para alongamento do corpo e desenvolvimento de reflexos. Ou seja, sua mente viajava a mil, mas seu corpo só a cem.

E como é que Jean se meteu na maior enrascada da vida dele? Quando uma pessoa tira notas apenas de 9 a 10, tem uma lábia certeira pra conseguir praticamente a garota que quiser, sabe de coisas que vão do profundo do mar até o alto dos céus e se dá bem em praticamente tudo o que executa, cria-se uma confiança exagerada achando que se pode fazer tudo o que faz um super-herói. Jean tinha até um bom coração e ajudava quando podia, mas eram apenas coisas pequenas do ponto de vista heroico. Coisas como salvar gatos de árvores, arrecadar dinheiro para ajudar algum amigo que tinha sofrido algum acidente. Esse tipo de coisa que qualquer um pode fazer.

Jaqueline era uma loirinha com rostinho de anjo que tinha se tornado um desafio pra ele. Ela ligou às exatas onze horas da noite lhe pedindo uma ajuda para enfrentar o ex-namorado dela que a vivia ameaçando. Tinha feito isso por causa de momento de devaneio em que cego por sua prepotência, Jean disse a ela que "por ele conseguir fazer tudo o que quisesse, não havia desafio que ele não pudesse superar". São coisas do mundo: uns usam psicologia pra conseguir o que querem, outros usam o lindo rosto e o corpo perfeito. Ontem Jean era um nerd descolado movido a Nirvana, Coca-cola e World of Warcraft; hoje, era um babaca que caiu na realidade e descobriu que não tinha cacife suficiente para ser super-herói. 

Antologia: Clube de Autores de FantasiaWhere stories live. Discover now