Demônio Sagrado

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Autor: Diego Victor


Ela foi enterrada pelo irmão. Sim, e foi a própria quem pediu. Não aguentava mais aquela danação que corrompia sua alma e destroçava seu corpo. Cada feita era pior, toda vez que acontecia. Quanto maior era aquela a dor, mais fome ela precisava controlar. Era um apetite que a deixava com anseios perversos. Estes sentimentos lhe faziam pensar em coisas ainda incompreensíveis.

Entretanto, o pior de tudo era não conseguir desvendar o motivo dela ter voltado do mundo dos mortos. Tampouco não ter seguido este curso novamente. A mensagem que lhe fora dita quando estava decaindo nas brunas do além não foram suficientemente decifráveis. Então a única coisa que lhe fazia sentido era o desejo de proteger sua família, ou o que restou dela, pois a crueldade de um monstro lhe deixara marcas para sempre... E até depois do sempre.


Mataram meu pai no instante depois que ele me viu morrer pela primeira vez. Minha mãe já havia me abandonado quando nasci. Apenas meu querido irmão sobreviveu e foi ele quem esteve comigo nos momentos mais difíceis, até mesmo na minha segunda morte. Ele conseguia ouvir e sentir minha presença graças a sua inocência de criança, mesmo sendo já quase um adulto.

Eu era a caçula, mas precisava sempre agir como o irmão mais velho que defende seu irmãozinho nas piores situações. Eu lhe prometi isso e talvez seja essa a força que me trouxe de volta pela primeira vez. Eu só não entendo o motivo de estar ainda viva, já que esvaeci em fraqueza por não ter cedido à fome do pecado. Tento não abrir os olhos e nem sair deste túmulo. Estou me esforçando para permanecer deitada, com esperança de que minha partida ainda vai chegar. Não quero passar por tudo aquilo de novo... Acho que não resistiria.


† † †

― E aí, noviço rebelde, está pronto pra entrar pra gangue?

― Cara, eu já pedi pra tu não me chamar assim... ― explicou após saltar o muro.

― Já está amarelando? ― imitou uma galinha a cacarejar.

― Não estou com medo! É que eu nunca tinha entrado aqui, só isso...

― A galera vem sempre pra cá. Você tem até sorte, sabia? Se o pessoal não tivesse aceitado tu fazer esse batismo só comigo, você não estaria tão de boa como agora.

― Sorte, né? Sei não heim... Cada vez mais acho que nada disso faz parte do teste... Tu deve ta é só me enrolando pra sacanear...

― Você é um medroso! É por isso que eu fui convidado pra entrar pro grupo e você não.

― Como assim "eu não"? Você me disse que...

― Sim, cara, sim... ― tentou se explicar impaciente ― Eu quis dizer que eles me convidaram. Já contigo está sendo diferente, por que tipo, eles não confiam ainda em você por isso tem que ter um teste pra entrar na turma deles, saca?

― Conversa fiada... ― deu de ombros ― Fale sério, conte a verdade... O que tu ta aprontando comigo?

― Continue andando, seu medroso. Vamos por aqui que é mais perto.

Os dois jovens continuaram caminhando. Um bastante desconfiado do destino e outro excessivamente convicto do que queria fazer.

― Putz, tem um monte de garrafas quebradas por aqui, quase pisei em um caco. Uns maços de maconha ali, seringas descartáveis... que caminho é esse?

― Vê se cala a matraca aí... Tu quer participar ou não? Venha me ajudar aqui a pegar umas ferramentas...

― Ferramenta pra quê? O que tem aí embaixo dessa lona?

Antologia: Clube de Autores de FantasiaOù les histoires vivent. Découvrez maintenant