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   Primeiro Epílogo

         Yao

Yao

Brookhaven — Geórgia

Dois anos depois

Atiro uma pedrinha no lago e observo a água se espalhar em círculos.

Atualmente, eu prefiro esse efeito do que o da placidez estática.

Movimento e transformação.

O amanhã prometendo novidades.

Não me leve a mal. Isso não tem nada a ver com desgostar da rotina, mas de saber que

algumas vezes as mudanças ocorrerão de qualquer jeito, independente da nossa vontade.

Quando nos casamos e finalmente minha vida normal teve início, eu me agarrava à rotina pela segurança que ela me trazia. A minha famosa lista mental do que fazer foi incorporada ao dia a dia.

Aquilo se encaixou bem em Haiukan.

Ele adora ordem e regras.

O problema foi que descobri que essa pessoa regrada não era o meu eu real, mas quem precisei ser na época em que vivi em cativeiro.

Agora, eu já consigo relaxar. Tomar café da manhã na cama e pular um dia de exercício. Às vezes, até convenço meu marido a me acompanhar em minhas anarquias programadas.

A terapia não me curou, mas me ensinou a arriscar e sair da minha zona de conforto.

Não há nada de errado em seguir uma rotina, desde que ela não se transforme em uma prisão e a minha estava se tornando uma espécie de cárcere mental voluntário.

Há alguns meses, a psicóloga me deu alta das sessões semanais de terapia e agora só me consulto duas vezes ao mês. Mas quando as lembranças voltam, não me envergonho em pegar o telefone e pedir a ela uma sessão extra.

Nunca contei a Haiukan tudo o que aconteceu quando estive em poder dos albaneses e perguntei à terapeuta se isso poderia ser um problema para nós dois no futuro. Guardar alguns segredos, quero dizer.

Ela respondeu que não. Todos nós temos assuntos dos quais não nos sentimos confortáveis para tratar. Não é como se eu estivesse em negação ou empurrando um problema para o fundo do armário, mas algo que eu voluntariamente vinha trabalhando dentro de mim e que somente não queria ou estava pronto para compartilhar com ele.

Então, finalmente aceitei que o meu passado sempre faria parte de quem eu sou, mas não era a parte determinante.

Por muito tempo, minha vida foi composta de “e se”. .

E se eu nunca tivesse saído para caminhar naquela madrugada em que fiz dezesseis anos.

E se não tivesse trocado de lugar com Zanjin.

E se eu nunca tivesse encontrado Haiukan, meu herói mafioso.

Depois, eu resolvi adotar o “apesar”.

Apesar do que me fizeram, eu sobrevivi porque sou forte.

Apesar de não ter uma mãe para dividir as pequenas — ou grandes — vitórias da minha vida, tenho amigos que me amam.

Apesar de talvez nunca esquecer o que eu passei, eu sou feliz.

Mas então, finalmente decidi deixar os “e se”  e os “apesar”  para trás e escolhi somente viver.

Olho o céu sem uma nuvem sequer e aspiro o cheiro das folhas espalhadas pelo chão.

Estou deitado em um cobertor, com a cabeça no colo do meu marido, em nossa casa dos sonhos.

Ele parece concentrado em meu rosto.

Haiukan gosta de brincar de adivinhar minhas expressões faciais e pensamentos.

O que posso dizer? Desconfio que sua ambição é se tornar um especialista em mim.

Levanto o braço e acaricio o maxilar másculo. Eu adoro esse rosto .

— Feliz? — Pergunta.

— Não sei se feliz, mas com a sensação de dever cumprido.

Hoje foram as minhas últimas provas do curso de segundo grau que fiz online. Quase aos
vinte e três anos, finalmente concluí meus estudos.

— Estou pronto para o segundo passo. — Digo.

Como se estivessem querendo se incluir nos planos para o futuro, nossos dois labradores, Cookie e Cream, vêm correndo e começam a seção de lambeijos vespertinos.

— Hey, rapazes, esse senhor já tem dono. — Brinca, tentando afastar os cachorros.

Depois de alguns minutos, eles se distraem com uns gravetos no chão.

— O segundo passo seria a faculdade de veterinária? — Ele pergunta, se referindo ao curso superior que pretendo fazer.

— Esse é um dos próximos passos sim.

— Um dos?  Pode ser mais claro, baby? Não aprendeu ainda que seu marido é um maníaco por controle? Informações vagas são a minha ideia de inferno.

Eu sacudo a cabeça.

— Há especialistas que ajudam nesse tipo de problema. Eles se chamam psicólogos — falo rindo e em seguida monto em seu colo.

— Nah, ser um maníaco controlador faz parte do meu charme.

— Não posso negar.

— Está dizendo que gosta quando controlo você? — Ele me provoca.

— Estou dizendo que eu gosto quando você tenta me controlar, alfa. .

— Se não é a faculdade o próximo passo, qual seria?

Puxo sua cabeça para mim e beijo o rosto que eu tanto amo.

— Estou pronto para ter uma família.

Ele chega um pouco para trás, para poder me observar. Os olhos, me analisando.

— Tem certeza disso?

— Tenho sim. Não foi uma decisão impulsiva.

Eu sei que ele quer bebês. Vejo a maneira como olha para a filha de Yibo e Xiao Zhan.

No começo, eu pensei que não seria uma boa ideia, porque achava que não tinha competência para ser mamã, mas há alguns meses cheguei à conclusão de que ser um bom mamã é como ser um bom esposo ou bom amigo.

Não existe um manual de instrução ou curso especializado no assunto, basta que se tenha amor e tempo para dedicar aos filhos.

Ele leva alguns segundos para processar a informação, mas em seguida volta ao seu modo normal.

— Quando? Quantos?

Precisamos de uma casa maior?

Posso ver as engrenagens do cérebro dele funcionando.

A essa altura, Haiukan já deve estar planejando lá na frente. Provavelmente a formatura dos nossos filhos.

— Devagar, alfa. Que tal começarmos com um por vez?

Daí podemos ter uma noção se conseguiremos gerenciar mais.

— Um me parece um bom número. — Sorri.

— Em relação ao quando,  eu não me oporia ao início imediato dos treinos.

No momento seguinte ele está de pé, andando comigo em seus braços para nossa casa.

— Não sou eu aquele que vai se negar a atender seus desejos, esposo.

(.....)

𝕺 𝖒𝖆𝖋𝖎𝖔𝖘𝖔 𝖊 𝖘𝖚𝖆 𝖔𝖇𝖘𝖊𝖘𝖘ã𝖔Onde histórias criam vida. Descubra agora