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Capítulo 7

Zanjin

No dia seguinte

Quando desci, ele estava me olhando enquanto eu me movimentava pela cozinha. Sei a razão.

Haiukan  esteve em meu quarto ontem e de algum modo, conseguiu me arrancar dos pesadelos.

Eles  são  meus  companheiros  por  todos  esses  anos  e  agora  quando  não  os  tenho,  eu  estranho.  São memórias do que vivi. Cenas que, acho, ficarão gravadas para sempre em mim.

Quando desperto, a sensação de impotência, de ser uma vítima, ao invés de me abater, me dá raiva.

No castelo, não havia nada que eu pudesse fazer a respeito disso, então eu inventava maneiras de colocá-la para fora.

Não eram muitas as opções, mas qualquer coisa que esgotasse meu corpo e me impedisse de pensar,  servia.  Já  cheguei  a  subir  e  descer  os  lances  de  escada  do  castelo  cem  vezes.  A  dor  da exaustão era melhor do que a mental.

Também passei a praticar atividades como se eu tivesse uma  lista do que fazer para cumprir, riscando cada item que fosse concluído.

Às vezes, essas atividades eram reais. Quando o monstro viajava por muitos dias e eu podia ir  até  a  cozinha  do  castelo  auxiliar  as  cozinheiras  ou  para  fora  de  casa  ajudar  o  jardineiro  —  é, aquele mesmo que achou que eu fugiria com ele.

Sempre havia um dos homens do monstro por perto, mas era melhor do que ficar trancado no quarto.

Na  maior  parte  do  tempo,  no  entanto,  essas  ações  da  minha   lista  só  aconteciam  em  minha imaginação.

No meu mundo de faz de conta, eu me exercitava pela manhã, contando as repetições na minha cabeça.  Depois  comia  e  ia  para  a  faculdade.  Claro,  eu  nem  cheguei  a  cursar  o  segundo  grau,  mas eram meus sonhos e neles, eu poderia ser quem eu quisesse.

Até então, tudo o que fiz desde que cheguei na ilha que agora eu sei que pertence a Haiukan , foi ficar observando o mar.

Eu não ia a uma praia desde que fui levado da China e, apenas quando me sentei na areia e ouvi o barulho das ondas, foi que percebi como senti falta daquilo.

Então, agora pela manhã, decido testar uma rotina normal na prática e ver se Haiukan  irá me impedir.

Vou  até  o  armário  que  está  cheio  de  roupas  e  sapatos  que  acho  que  foram  comprados  para mim. Visto uma regata e shorts e saio para correr descalça na areia, como o vi fazer todos os dias. Ele se exercita muito.

Enquanto me alongo antes de iniciar a corrida, acho que ele me observa de dentro da casa, mas não olho para trás.

A  sensação  da  brisa  do  mar  tocando  meu  corpo  e  o  calor  do  sol  em  minha  pele  é indescritível.

Só se pode valorizar a liberdade quando ela já lhe foi tirada.

Além  de  tudo  o  que  passei,  coisas  simples  que  as  pessoas  acham  rotineiras,  como  querer ficar sozinho, por exemplo, para mim eram um artigo de luxo. Eu não tinha desejos ou escolhas.

Com a possibilidade de poder experimentar um passeio pela primeira vez em anos, sem ter alguém mandando em mim, acabo me empolgando e me afasto muito da casa.

No que eu calculo que tenha sido o primeiro quilômetro, ainda acredito que estou bem, afinal, é apenas uma simples corrida.

Mas depois de mais alguns minutos, tenho certeza de que vou morrer.

𝕺 𝖒𝖆𝖋𝖎𝖔𝖘𝖔 𝖊 𝖘𝖚𝖆 𝖔𝖇𝖘𝖊𝖘𝖘ã𝖔Onde histórias criam vida. Descubra agora