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Capítulo 8

Zanjin

Horas mais tarde

— O que você pensa que está fazendo? — a voz de Haiukan soa atrás de mim.

Antes de me virar, procuro me controlar para que ele não perceba o quanto me deixou nervoso. Vasculhar sua biblioteca, principalmente as gavetas, não foi uma jogada inteligente. Apesar disso, não estou arrependido. Só não consegui acessar o notebook porque é protegido por senha.

Conto até cinco, pensando o que ele fará comigo. No castelo, eu seria punido, mas não acho que Haiukan me machucaria fisicamente.

— Procurando pistas — respondo, cansado daquele jogo de adivinhação e me voltando para enfrentá-lo.

— Não encontrará nada aí.

A frieza em sua voz continua a mesma, mas ao menos ele não me encara mais como se eu fosse uma parede.

O estranho é que desde que fui sequestrado, sempre mantenho o olhar no meu interlocutor porque não confio em ninguém, mas quando estou perto dele, não consigo encará-lo por muito tempo.

A verdade é que, quando nos olhamos, uma sensação desconhecida se espalha dentro de mim.

Sem que eu permita, a lembrança de como, mesmo sem me tocar, ele ficou comigo durante a noite, dominou minha mente hoje.

Até agora, foi o único momento em que não brigamos.

— Tudo bem, então talvez você possa me dar algumas respostas — falo, tentando afastar os pensamentos perigosos. Não quero me tornar dependente da atenção dele.

— Disse que é chinês e que eu e Xiao Zhan estamos seguros agora. Quem diabos pensaria em nós, quando todos nos esqueceram?

— A mãe dele — responde.

Abro e fecho a boca, em espanto.

Por tudo que Xiao Zhan me contou de sua família, não esperava que a mãe fosse pedir ajuda aos chineses.

Sem que ele me diga, sei que Haiukan não faz parte do time dos mocinhos. Desconfio que seja membro de uma máfia também, assim como os albaneses. Já ouvi conversas de Gjergj e sei que ele está sempre em guerra contra as máfias chinesa,russa  e a italiana.

Há também as tatuagens. Ele não parece do tipo que gosta delas, então talvez tenha precisado fazê-las. Não foram uma escolha.

Sei, pelas conversas que ouvia, que elas são uma espécie de rito de passagem em cada organização criminosa.

Mas se eu estiver certo em minhas conclusões, por que mafiosos chineses ajudariam simples ilhéus como os pais do meu amigo?

Pensar nele e em seus pais me enche de remorso. Mesmo depois que descobri, há cerca de dois meses, que o pai de Xiao Zhan não o vendeu como Aleksander o fez acreditar, eu mantive isso em segredo porque fiquei com medo de que se ele soubesse da verdade — que não havia sido traído

pela família — aquilo de alguma maneira o enfraquecesse.

Aprendi ao longo dos últimos anos, que o ódio é um motivador muito mais forte do que o amor.

— Mas vocês não são os heróis — digo, voltando ao presente.

— Heróis não existem, Zanjin . Já deveria saber disso.

Concordo com a cabeça.

Por mais duro que Haiukan seja às vezes, eu prefiro seu jeito brutalmente honesto do que se ele tentasse dourar a pílula. Ele é cru, mas me diz a verdade, sem se importar em me poupar. Sua franqueza faz com que eu me sinta seguro porque sei onde estou pisando.

— O que achava que iria conseguir encontrar aqui? — Pergunta, os olhos percorrendo meu rosto.

— Algo indicando que você pretendia me vender novamente.

— E se fosse o caso, faria o que, fugiria a nado? — Ele não fala aquilo com deboche, mas parecendo curioso.

Ando para a porta sem olhar para trás. Essa é a resposta mais fácil do mundo.

— Não. Eu me mataria antes. Nem mesmo para garantir a segurança de Xiao Zhan eu conseguiria passar por tudo novamente.

Naquela madrugada

Dessa vez, quando acordo do pesadelo com o som da voz dele, meu coração desacelera em poucos segundos.

Ele repete que eu estou seguro e isso faz com que minha respiração aos poucos volte ao normal, os arrepios de medo desaparecendo conforme me deixo engolfar pela aura de proteção que ele me traz. É como se Haiukan criasse um escudo à minha volta.

Quando acho que ele está indo embora, eu peço para que continue repetindo sua promessa.

Não tenho certeza se o que diz é verdade, mas preciso ouvir aquilo como um viciado necessita de sua próxima dose.

— Não é uma promessa vazia que estou lhe fazendo — fala, como se pudesse adivinhar meus pensamentos.

— Eu não me importo. Só não pare de falar. Eu preciso acreditar nisso.

Consigo adivinhar o formato do seu corpo e sei que ele está perto, mas de pé. Ontem, ele se sentou na cama, mas respeitou meu espaço pessoal.

E então eu me dou conta de algo.

Eu confio nele. Talvez, nunca seja capaz de admitir isso em voz alta, mas eu confio em Haiukan para me proteger.

Essa certeza não é agradável. Não quero precisar de alguém.

Ao mesmo tempo é reconfortante saber que no meio de tantos monstros no mundo, há um homem bom.

— Ninguém vai machucá-lo novamente — ele confirma nosso pacto que, dentro de mim, já atua como uma espécie de oração.

— Nem os seus homens?

— Muito menos eles. Eu nunca permitiria, Zanjin . Você está seguro comigo.

Fecho os olhos. Eles estão pesados. Nunca pensei que conseguiria relaxar tendo outro ser humano tão próximo, mas sem qualquer aviso, o sono me abraça.

(....)

𝕺 𝖒𝖆𝖋𝖎𝖔𝖘𝖔 𝖊 𝖘𝖚𝖆 𝖔𝖇𝖘𝖊𝖘𝖘ã𝖔Onde histórias criam vida. Descubra agora