Capítulo 14

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Eu não tinha 17 anos e muito menos 15. E mesmo nessa idade eu já era bastante desenvolta na arte da sedução. Então, por que – por tudo que é mais sagrado e sensato –, ao auge dos meus 27, eu estava corando e de coração acelerado como se fosse uma adolescente apaixonada pela primeira vez?

Demorou apenas meio segundo e eu quase pude ouvir o som da ficha caindo em câmera lenta – ting. Meus olhos se arregalaram e meus lábios se separaram em total surpresa, enquanto eu colava as costas na porta do quarto e levava minhas mãos até a boca.

Por todos os deuses e deusas que existem, essa era a primeira vez que eu me apaixonava. O inferno realmente tinha congelado, e o diabo andava sobre a terra: eu estava apaixonada por Benício Eaton.

Perceber aquilo já era um soco no estômago, admitir provavelmente me nocautearia.

Encostada na porta, comecei a deslizar para o chão e agarrei os cabelos pela raiz, tentando arrancar esse novo sentimento idiota – bem dramática, eu sei, mas, se isso fosse ajudar minimamente, eu precisava tentar. Coração burro e miserável, foi querer se enamorar logo por alguém que se pudesse, na primeira oportunidade, me mandaria de volta no tempo direto para uma fogueira durante a inquisição.

— Vamos jantar. — Kate bateu na porta e eu quase tive um treco.

Me levantei rápido e tentei me recompor o máximo que pude. Eu não podia surtar assim – e nem aqui. Digerir aquela nova verdade custaria tempo e a única solução era esquecer, enterrar, deixar pra lá. Mandar o Cupido se ferrar, e torcer para que tudo passasse logo – mesmo que fosse por cima de mim.

Abri a porta apenas um pouco. Entre ficar sozinha e acompanhar o casal do ano, eu não sabia qual seria a pior escolha da vez.

— Ainda não me sinto confortável em ficar a mesa com vocês. — Escolhi a primeira opção. Eu poderia ficar cantando músicas aleatórias até pegar no sono, e conter o impulso de pensar, e pensar, e pensar...

— Mark saiu com Ben — Kate anunciou. Aquilo deveria me reconfortar, mas algo revirou no meu estômago – muito provável que era fome. — Vem! Vamos comer enquanto assistimos um filme.

Só daquela vez eu podia fingir que não era uma péssima irmã, então segui Kate e me sentei com ela no sofá.

Depois de devorarmos o macarrão com queijo mais maravilhoso existente na Terra – e sigo sem lembrar o maldito ditado que diz que com fome tudo fica mais gostoso –, Kate colocou para rodar um filme que se passava no espaço. Tinha espadas com lasers, muitos alienígenas e a trilha sonora baseada em tan tan tan tan. Eu já tinha desistido de entender o desenrolar da história. Nem Kate estava mais prestando atenção na TV, embora ela ficava repetindo as falas enquanto mexia no computador. Quantas vezes ela já tinha assistido aquilo, nem Deus sabia.

Antes mesmo de o filme acabar, eu já estava esparramada no sofá, pesquisando coisas aleatórias no google.

Foi quando eu me lembrei. Não que eu tivesse parado de pensar em Ben na última hora – um monte de jedis e contrabandistas não me fariam esquecer, até porque isso só me fazia recordar do quanto eu o achava nerd no colégio. Comecei a recapitular todos os nossos momentos desde a boate, suas várias expressões e reações. Com raiva e indignado na maioria das vezes, debochado também. Os únicos momentos diferentes foram quando o chamei pelo nome, onde ele demonstrou surpresa, e quando ele me disse aquela palavra – na qual eu nem pude inferir seu sentimento ao dizer.

Qual era mesmo a palavra? Matraki? Metraki? Maraki?

Eu podia ter prestado mais atenção, ou o desgramado – sim, xingar ele provavelmente não resolveria o problema, mas era bastante satisfatório – poderia simplesmente ter me dito o que significava.

Meraki!

Digitei na barra de pesquisa e recebi mais de 20 mil resultados, os primeiros só faziam alusão a marcas e companhias. Refiz a busca, dessa vez com "significado" ao lado da palavra e finalmente poderia ter a resposta para saciar minha curiosidade. Só que ao invés de uma explicação, mil e uma perguntas surgiram em seguida.

— O que isso quer dizer? — exclamei em voz alta, atordoada demais para não externar minha confusão.

— O quê? — Kate desviou a atenção de sei lá o que ela estava fazendo naquele computador para mim.

— Aqui! — Ergui o celular para ela. Não era de todo mal pedir ajuda aos universitários, eu já tinha jogado meu orgulho no penhasco mesmo. E cá entre nós eu não era a melhor pessoa para lidar com assuntos do coração. — Ele me disse isso e virou as costas!

— Quem? Ben? Ele sempre faz isso — ela declamou casualmente enquanto checava a definição da palavra.

— Isso o quê? — Não estava claro o que ele fazia "sempre". Se fosse confundir as pessoas, nesse caso, sim, ele me confundia o tempo inteiro.

— Desde que eu o conheci, ele tem esse hábito de falar palavras de outros idiomas com significados bonitos.

Refleti sobre o que eu acabara de ler e juntei com o comentário de Kate. Minha cabeça me colocou em um labirinto sem saída, perdida e desnorteada. E não era Ben que me salvaria daquelas paredes de emoções emaranhadas, já que ele que fez questão de criar aquela bagunça toda.

— Ele não deveria dizer algo ruim? Afinal sou eu, Kaila!? — Afundei mais ainda no sofá, abdicando do que me restava de sanidade – e dignidade.

— Meraki é uma palavra de origem grega que significa fazer algo com a alma, colocar parte de si em algo, fazer com amor e com o coração — Kate recitou o que estava escrito no site. Dito em voz alta, tornava tudo ainda mais controverso, exatamente como Ben me elogiando no carro e em seguida sendo arrogante. — É o que você faz quando toca ou canta.

— Você acha? — Eu não costumava questionar cada elogio que eu recebia no passado, em parte porque eu sabia que a maioria deles era pura falsidade. No entanto, nesses novos tempos, as pessoas que me cercavam me detestavam, o que abria um leque de possibilidades quando havia algum tipo de exaltação ao meu talento – ou, em casos raríssimos, a minha pessoa. Kate confirmou rapidamente a sua análise e voltou a ler o artigo do site. — Obrigada.

— Deveria agradecer a ele também — Kate sugeriu quando entregou meu celular de volta.

Eu deveria agradecer a Ben por muitas coisas, mas ficava difícil quando o comportamento dele se resumia a me ajudar e depois me humilhar. Talvez eu só estivesse exagerando.

Há alguns anos eu nunca tinha tido ninguém que não beijasse os meus sapatos se pedisse. Se eu quisesse um cara, ou mesmo uma garota, bastava jogar o cabelo de lado e irradiar meu charme que facilmente ganhava atenção. Agora, além de não ter certeza de que realmente o queria – certo que não o merecia –, tentação no mundo faria Ben se jogar aos meus pés.

Bem que vovó prometia que se a minha arrogância sobressaísse a minha confiança, um dia eu encontraria alguém que me faria cair de joelhos e implorar por um centavo de afeto. Eu costumava pensar que essa pessoa não fosse um interesse amoroso. Porque havia mais do que romance no mundo, havia a realidade, e parte da minha real história era sombria, e eu queria mesmo me ajoelhar por afeto, só que mais fraternal do que qualquer coisa – e terapia começava a parecer minha única salvação.

Singularidades de um Amor (sem cerimônias) ✔Donde viven las historias. Descúbrelo ahora