Capítulo 13

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Soneca da tarde, sobrinhos cansados, despedida animada. E voltamos a ser Mark, Kate e eu outra vez. O que não era muito animador. Com as crianças, as coisas chegaram a ficar menos tensas e descontraídas, mas isso era apenas um momento, uma pausa, um respiro. Tirando elas da equação, a sensação de intrusão se revelou ainda mais forte.

Era quase meia noite quando eu fui até a cozinha buscar um copo d'água, depois de ter passado todas as horas, que seguiram a saída de Millie e Dennis, enfurnada no quarto. Esperei até ficar mais tarde para não ter que esbarrar com o casal – eles já tinham tido o suficiente da minha presença por uma década.

O maldito hábito de ouvir atrás de portas nem sempre era uma escolha minha, ironicamente as vezes acontecia de modo bastante espontâneo e oportuno, como se o Destino soubesse que eu precisava ouvir certas coisas.

Mark e Kate conversavam no quarto deles, que ficava bem ali ao lado da sala de jantar. A porta estava há apenas cinco passos de distância, e eu jamais teria me aproximado se não tivesse escutado meu nome.

— Kaila foi ótima hoje — Kate disse, a voz demonstrando empolgação. — Millie a adorou.

— É — Mark se restringiu a esse comentário, parecendo dar de ombros. A princípio eu poderia dizer que havia somente desinteresse ali, mas, conhecendo ele e o contexto, uma pitada de raiva sempre estava à espreita.

— Eu sei que a gente concordou em não contar pra Melissa, mas... — Kate estava usando um tom delicado, provavelmente para que as coisas se mantivessem calmas.

— Não contar era a decisão correta, Kate. Ela vai ficar uma fera! — Mark exclamou, e em seguida um som abafado indicou que havia fechado um livro com força. — Quando ela descobrir, e ela vai, nós dois estaremos no olho do furacão.

Arame farpado se incrustou ao redor do meu coração. Mark estava certo. Eu nem tinha parado para pensar naquilo. Millicent e Dennis implorando para brincar comigo e eu nem sequer lembrei que a mãe e o pai deles me odiavam ferozmente. E Mark não tinha contado para própria irmã que eu estava ali, e que tinha cuidado dos filhos dela. Até eu ficaria uma fera se descobrisse.

— Melissa é como se fosse a minha irmã, você sabe. Mas Kaila também é. — A queixa de Kate era quase uma súplica. Eu percebia que ela queria se justificar para o marido, mas continuava a interceder por mim.

Eu nunca entenderia porque Kate estava fazendo tudo aquilo. À primeira vista, poderia considerar bondade, mas agora ela estava indo longe demais. Eu era inconveniente, isso era um fato não uma hipótese. Mas se ela realmente acreditava que eu podia mudar...

Me afastei da porta e voltei para o quarto.

Os pensamentos a mil por hora me impediram de ter um sono decente. Nenhuma música do mundo poderia me deixar menos tensa – sei que havia algumas que cumpririam essa tarefa, mas isso só traria outro tipo de dor à tona. Culpa e receio, eu estava cheia disso. Quando eu me livraria dessas emoções, eu não podia dizer. Talvez nunca. E tudo começou a tanto tempo, porém, eu decidi ignorar e esconder até que não podia mais.

De manhã, eu quis arrumar as minhas coisas e ir embora, mas eu não fazia ideia de para onde ir. Eu estava tão à mercê dos outros, que quase me senti aprisionada, dentro da minha própria casca, construída para me matar, sufocada lentamente.

Meus sentimentos se acalmaram pouco a pouco. Cheguei à conclusão de que pensar demais era um erro, mas fazia parte. E eu não podia fugir dessa vez. Tinha que ficar e enfrentar as consequências que me cabiam.

Implorei mentalmente para que Kate e Mark me aguentassem só um pouquinho mais. Um plano, era disso que eu precisava. Um para me tirar da casa da minha irmã, e outro para não me jogar direto na sarjeta.

Singularidades de um Amor (sem cerimônias) ✔Där berättelser lever. Upptäck nu