Extra

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Sempre pensei que Kaila Collard fosse um tipo de bruxa. Uma bem bonita e ao mesmo tempo asquerosa.

Aos treze anos, eu começava a olhar as garotas de um jeito diferente. Começava a perceber que elas pareciam interessantes quando passavam mechas de cabelo por detrás da orelha e davam sorrisos e olhares tímidos para garotos, sabendo que isso nos deixava levemente tontos.

Mas Kaila de tímida não tinha nada.

Ela sabia o quanto era bonita, mesmo no início da adolescência quando a maioria de nós começava a ter espinhas e pelos demais.

Ela nunca abaixava a cabeça, nunca parecia menos do que extremamente confiante, mesmo que grande parte dos adolescentes apenas queriam se esconder do mundo para entender o que estava acontecendo com o próprio corpo.

E quando sorria...

Bem, era por isso que eu achava que ela era uma bruxa. Seu sorriso era deslumbrante, como de uma deusa perversa que encanta, te induz ao caminho de um precipício e depois faz você pular, com um sorriso largo e satisfeito no rosto. Estonteante.

Talvez eu só estivesse lendo fantasias demais, mas era em Kaila que eu pensava quando imaginava uma deusa – ou uma bruxa. Nem todos os deuses eram bons e certo que uns tinham uma beleza fenomenal. E ela cumpria bem os requisitos.

— Olha por onde anda, quatro olhos idiota — ela esbravejou contra um garoto que esbarrara nela sem querer.

O menino saiu correndo depois de pedir desculpas. Kaila jogou os cabelos por sobre os ombros e depois encarou a blusa azul, agora manchada com sorvete de creme.

Nós dois tínhamos a mesma idade, e, naquele momento de nossas vidas, ela era um pouco mais alta que eu. Mamãe dizia que eu cresceria logo, me tornaria forte e alto, mas por enquanto era apenas baixinho, com olhos considerados esquisitos em excesso e gordo o suficiente para ser chamado de fofinho e receber apenas os apelidos mais brandos na pirâmide do bullying.

Kaila deu um passo para fora do pátio e ficou sob a luz do sol, e por um segundo pensei que ela estivesse realmente brilhando. Ela respirou fundo e fitou a blusa de novo, parecendo inconformada e ligeiramente aflita.

Existe uma palavra, hypophrenia, que descreve um sentimento vago de tristeza sem causa aparente. E outra, agathokakological, que indicava a composição do bem e do mal simultaneamente. Se eu pudesse descrever Kaila, eu usaria essas duas palavras.

Sabia que ano passado a avó dela tinha falecido, e ela tinha saído da escola por um tempo. Quando ela voltou parecia ainda mais malvada e esnobe, mas eu ainda conseguia me lembrar de vagos momentos em que Kaila Collard tinha sido outra pessoa.

Estudávamos juntos desde crianças, embora eu tenha certeza que ela nunca tinha me notado e talvez nem soubesse meu nome. Ela era de uma família rica, cujo o pai foi um magnata do ramo da economia e comércio internacional, mas ele também tinha morrido anos antes. Tinha dois irmãos mais novos, bem diferentes dela, e uma mãe que parecia exigir demais de crianças da idade dos filhos.

Algumas vezes, peguei Kaila chorando escondida em algum canto solitário da escola. Logo depois de o pai já não estar mais aqui e novamente ano passado depois de perder a avó. Ela nunca me viu e eu não devia observá-la em momentos tão íntimos e sofridos, mas eu ficava abismado com o quão ela parecia vulnerável, encolhida, abraçando as próprias pernas e clamando pelo nome da vó, e depois enxugava as lágrimas e parecia outra vez inabalável.

Kaila caminhou até um bebedouro na área externa bem próximo de onde estávamos. Acompanhei ela com o olhar. Eu estava sentado na mureta do pátio com um livro na mão. Não havia mais ninguém além de nós ali. Ela nem tinha olhado na minha direção, provando que eu era mesmo insignificante a ponto de nem ser percebido, mesmo sendo grande o suficiente para isso.

Singularidades de um Amor (sem cerimônias) ✔Onde as histórias ganham vida. Descobre agora