trinta e três

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Tiro, porrada, bomba.

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Lauren quase não teve um momento de descanso pós alta, pois logo precisou se apresentar na delegacia e me pegou de jeito ao se desesperar e agir de modo que acreditassem que estava sob minha proteção e precisava de mim ali.

Ela não desgrudou de mim um minuto sequer, e eu não sabia como faria quando tivesse de ir para o trabalho.

Não queria deixá-la, mas precisava.

Está pensando nela como se fosse criança.

Não acho.

— Muito bem - começou o delegado, que Ally disse ser um substituto depois que foi entregue a participação do antigo. Eu não sabia sobre nada que estava acontecendo – pode nos contar o que aconteceu?

Pela primeira vez, vi os olhos de Lauren se encherem de lágrimas ao tocar no ocorrido. Duas gotas abriram caminho para as outras ao escorrer por seu rosto.

— Peter sempre me levava lá na clínica – começou a contar, chorando – nesse dia foi diferente, ele trocou de carro no caminho e encontrei por sorte as mamonas, que reconheci por ter visto em um livro por coincidência que as sementes matavam.

Fez uma pausa chorosa.

— Eu peguei porque não aguentava mais – continuou – eram para mim, mas não me deram tempo lá dentro porque tinha muita gente... dormi e acordei algumas vezes e eles não paravam de chegar e entrar. Quando acabou, perceberam que estava grávida quando me senti mal e... e me levaram para tirar.

Ela fungou, e me senti tão estranha com a segurança de suas palavras que percebi que sabia que deveria fazer, falar e como soar.

Há quanto tempo se preparava para isso?

— Ele me disse que dessa vez seria diferente, e que me comportasse porque minhas amigas estariam em perigo – suspirou e se permitiu chorar um pouco – quando chegamos no aeroporto fiquei com medo e peguei as sementes que tinha tirado das frutas ainda na clínica. Ia comer, mas ele as tomou dizendo "quem te deu balas?" e comeu no meu lugar antes que eu conseguisse falar algo. E...

Começou a chorar ainda mais.

— E ele morreu! – exclamou – caiu em cima mim e morreu! Não pude fazer nada...

O questionário continuou por mais um tempo e em todo o momento Lauren parecia aterrorizada pelo que aconteceu, mas firme em suas respostas.

Não disse mais nada no caminho para casa, seu corpo demonstrando exaustão e seu pranto ausente.

Foi direto para a cama quando chegamos e apenas deixei que tivesse um momento de paz, mas minha mente estava perturbada.

Foi desespero, ou dissimulação?

Se foi teatro, ela era mesmo muito boa nisso.

Parece que sim, já que não tinha demonstrado que se sentia daquela forma ou mesmo chorado tanto sobre o assunto.

Uma mentirosa muito boa.

Parece que sim.

Sobre o que mais ela mentia?

Não vamos pensar assim. Lauren é uma boa pessoa e sincera em seus sentimentos. Aquilo foi sobrevivência.

Não podia ir presa.

Não sei se acreditamos nisso.

Precisamos acreditar.

— Eu me sinto segura – a voz baixinha de Lauren me assustou e a vi no corredor encarando meu silêncio – com você.

LIVRO 1 - estranhamenteWhere stories live. Discover now