Capítulo 51

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Enquanto Elain mantinha vigília sobre a noite sem luar, as gêmeas meio-espectro retornavam para Velaris em um silêncio sepulcral.

Nuala sabia que a irmã ainda tentava processar os acontecimentos do dia, em especial o fato de Lucien, um macho nascido na Corte mais perversa dos últimos tempos, havia se posto em frente à Elain para protegê-la de qualquer potencial perigo que Eris pudesse representar. Não ousara perguntar a Cerridwen o que passava em sua cabeça, especialmente não quando estavam a dois minutos de se encontrarem com Azriel para o relatório diário que ele fazia questão que elas dessem. Mas, mesmo sem perguntar, sabia o que passava na cabeça da irmã gêmea. Era o mesmo que passava na dela.

A lembrança de tantos séculos atrás que ainda estava viva em suas almas.

A lembrança da única vez que Cerridwen se entregara de corpo, mente e alma a alguém, e essa pessoa a machucou de formas inenarráveis.

Adrian, segundo filho de Beron, o Grão-Senhor da Corte Outonal, descobrira as irmãs em uma reunião entre os Grão-Senhores. A rivalidade entre os irmãos já era extremamente violenta. Assim que descobriu Cerridwen espionando os membros da Corte - a pedido de Azriel -, Adrian se mostrou cortês, fingindo que todo aquele jogo de intrigas e manipulação o deixava emocionalmente abalado. O macho era lindo, tal qual seus irmãos, e a atenção que virara para Cerridwen a deixara em êxtase. Cerri deixou-se enganar por aqueles olhos cor de cobre derretido. Quando, a pedido de Adrian, Cerri mostrou sua forma totalmente física, ele a prendera com um feitiço maligno, que a manteve naquela forma. Nuala ficou desesperada por semanas, tentando localizar a irmã - semanas em que Adrian a manteve presa, a estuprando e a torturando tanto física quanto mentalmente, tentando arrancar alguma informação sobre a Corte Noturna. Cerridwen, para imenso orgulho de Azriel, não disse uma única palavra ou soltou um único grito. Ela aguentou todas as torturas com o queixo erguido. De alguma forma, nem mesmo as sombras de Azriel conseguiram localizá-la, e Cerridwen apenas conseguiu fugir quando, em uma noite sem luar - exatamente igual aquela que Elain tanto vigiava -, Adrian foi chamado para conhecer o sexto irmão que acabava de nascer: Nathanael. Ter mais um na luta pelo trono deixara o possível herdeiro tão transtornado que ele esquecera de fechar uma das correntes, e foi suficiente para que Cerridwen se esgueirasse para a forma espectral e voltasse para casa. Ela contara a história apenas uma vez, para Nuala, e a fez jurar que jamais repetiria aquilo para ninguém.

Nuala cumpriu a promessa. E desde então Cerridwen amaldiçoa cada macho da Corte Outonal em que põe os olhos ou que ouve falar.

Então não era surpresa para Nuala que a irmã estivesse tão calada, tão imersa em si mesma. Presenciar Lucien pôr a própria vida em risco para salvar Elain de um perigo que ele nem mesmo sabia se era real fora desestabilizador.

Agora, no entanto, enquanto observava Azriel entrar na cozinha da Casa da Cidade - onde passaram a se encontrar desde que Mor voltara para o Solstício -, as irmãs mudaram a postura e adotaram o tom profissional.

- Relatório. - Disse o Mestre das sombras simplesmente, entrando no espaço e cruzando os braços, carrancudo.

Nuala abriu a boca para contar os acontecimentos do dia, porém Cerridwen foi mais rápida ao declarar.

- Nada de especial. Eles seguem brincando de casinha na Corte Primaveril. Nenhum sinal de Tamlin ou de qualquer ameaça.

Cerridwen permaneceu impassível, torcendo para que sua irmã entrasse na história. Lorde Azriel virou os olhos cor de avelã para Nuala que, graças ao Caldeirão, assentiu em concordância. As sombras se ajeitaram mais em torno do Encantador, como se tentassem confortá-lo.

- Ela está... - Ele limpou a garganta, visivelmente desconfortável. - Está feliz lá?

Como nenhuma das irmãs respondeu de imediato, Azriel levantou os olhos para encará-las.

Corte de Flores FlamejantesWhere stories live. Discover now