capítulo 2°- "ele"

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Liana.

Terminei de me aprontar, acrescentando só o perfume,amo andar cheirosa,é um dos elogios que mais gosto. Prevendo isso, percebo que meu perfume já está quase acabando, juntamente a quase tudo aqui,até mesmo o que restou da minha sanidade mental.

Desço pela a pequena escadinha de cimento, de uns seis degraus que dava do andar de baixo para o de cima. Como a maioria das casas aqui, a de titio seguia o mesmo percurso de construção, todas umas encima das outras . Tio Pedro reformou a nossa quando ele ainda trabalhava e ganhava melhor. Agora ela está rebocada e tem mais um banheiro e um quarto. Ele construiu um para mim. A nossa casa é dividida em dois quartos e um banheiro na parte de cima. Na parte de baixo a sala e a cozinha e outro banheiro um pouco menor. Esse era exclusive de titio.

Quando cheguei a casa ainda não era rebocada e não tinha cor. Também não tinha o meu quarto e nem esse pequeno banheiro na parte de baixo. Agora a nossa casinha simples e comum contém um verde desbotado e janelas cor cinza, também apagado,devido ao tempo. Ainda continua lindinha ao meu ver, mas quando recém pintada estava ainda mais aconchegante e delicada.

Aqui os materiais construtivos das casas devem obedecer três critérios principais: baixo custo, leves o suficientes para serem carregados nas costas dos pedreiros e pequeno o bastante para passar pelas vielas da favela. Como resultado, todas as casas são construídas com tijolos, pilares de concreto compõem a estrutura, as lajes são de vigotas e blocos cerâmicos e a cobertura quase sempre em telhas de amianto. No entanto, os espaços internos tendem a ser um pouco escuros: os modelos típicos de janelas, feitas de policarbonato com esquadrias em alumínio, são pequenas. Isso se deve ao custo, mas também para proteger os interiores do sol e chuva intensos do clima tropical do Rio de Janeiro.

À primeira vista, quando cheguei aqui eu não tive tempo de observar, ainda estava muito debilitada para ter ânimo para qualquer outra coisa . Mas assim que comecei a me recuperar e reparar em como tudo por aqui era, eu confesso que fiquei atraída pela arquitetura das casas e afins. - para mim - eram uma massa caótica impressionante: ondas de casas que invadiam cada espaço livre. No entanto, eu estava enxergando com olhos acostumados a ver ruas delineadas, espaços abertos e organizações formais. Tive que me adaptar a um novo mundo, um mundo de ruas estreitas, vielas e escadarias inclinadas, de janelas pequenas voltadas para becos escuros onde fios elétricos se entrelaçam.

Uma vez adaptada, pude ver como a favela segue suas próprias regras, sua própria lógica e seus próprios códigos.
Tio Pedro estava sentado na mesa da cozinha, observando o que se passava na televisão que ficava na sala. Como os cômodos cozinha e sala ficam do lado um do outro ,dá para se ter perfeita visão da sala quando se está na cozinha, e vice-versa. Hoje ele não trabalhava,logo só quando ocorre jogos sérios.
Liana: você quer tomar café? __questionei titio.
Já que ele estava me chamado justamente para isso. Basicamente é assim que passou a ser agora ,ele além de se estressar com qualquer "a" que saía da minha boca,ainda me trata como funcionária particular dele.
Pedro: quero,claro! __roborou mal-humorado.
Vasculhei algumas gavetas e portas do armário, buscando achar algum biscoito perdido. O que não ocorreu ,já que era impossível ter passado despercebido,dado que constantemente eu venho aqui procurar por algo ,mesmo sabendo que estamos zerados. Fiz o café e servi a titio e a mim. Ele me olhou com as sobrancelhas arqueadas,como quem interroga algo. O olhei esperando que ele formule alguma coisa.
Pedro: onde está o biscoito ,pão, qualquer coisa ?__ pediu normal, sem rispidez desta vez . Respirei fundo,porque as vezes de verdade,eu tenho vontade de esculacha-lo!que Deus me perdoe,pois o respeito muito. Mas como poderia ter algo para comer se não temos dinheiro,já que ele usa tudo para os vícios dele. Quem deveria está fazendo essa pergunta seria eu,a ele em pessoa.
Liana: tio,já faz alguns dias que não temos nem um mísero biscoito. O armário já está criando telhas de aranha. __contei descontente.
Pedro: e você não está comprando? __ perguntou na maior normalidade do mundo.
Liana: como assim eu não estou comprando tio Pedro?__ indaguei um tanto chateda. __ Eu ganho míseros quatrocentos reais por mês! Que não dá nem para as coisas que mais necessito,como produtos de higiene pessoal. Porque ainda tenho que usá-lo para coisas como compras de supermercado e contas de água,que não chegam a durar nem até a metade do mês. Coisas que aliás, deveriam ser responsabilidades suas. Eu estou tendo que carregar todas as dívidas sozinha,já que o senhor gasta tudo que consegue com drogas. __proferi as palavras na cara dele,em desabafo. E recebi de volta o olhar atônito dele ,mas que logo tomou-se por outro,tempestuoso.

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