I61I - Liberdade

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- Teremos tudo. - Respondeu satisfeita, suas palavras vibrando pelo salão.

- E daí? Do que ira me servir ter tudo, se eu perder o que mais importa no caminho? - Falei.

- Podemos mantê-lo como nosso consorte. - Sugeriu, voltando a se sentar no trono.

- Não estou falando de Raymond, sua cópia barata. Estou falando da minha humanidade, não me tornarei o que temo, isso não é superar o medo, é propagá-lo.

Forcei as correntes novamente, elas não cederam nenhum mísero centímetro, invés disso as algemas apertaram meus pulsos me fazendo soltar um gemido de dor.

- Pare de tentar escapar, você me manteve presa por muito tempo, quero que aprecie como é a sensação.

- É uma merda. - Respondi.

Ela assentiu com a cabeça e me deu um sorriso irônico, depois se aprumou no trono. Os dedos de sua mão esquerda tamborilando o encosto de braço, o som produzido era repetitivo e enjoativo, como gotas de uma calha batendo no metal ou sangue escorrendo de uma faca para outra.

- Vamos matar August e depois de assumir o trono dos Licans, vamos desafiar os outros clãs, fazê-los prestarem um juramento e governá-los de forma incontestável. Podemos livrar todas as vilas pequenas de sacrifícios e acordos desvantajosos, podemos poupar centenas de garotas de casamentos indesejados. E ninguém nunca mais, vai passar pela dor que tivemos que enfrentar, ninguém será como nós.

Odiava pensar que parte de suas palavras era o que eu realmente desejava. Evitar que homens como Viremont tivessem voz e espalhassem seu fanatismo. Evitar que mulheres não tivessem opções para definir seus destinos. Lembrei da expressão de Vanessa, a única a quebrar sua máscara de tranquilidade, quando ela, Cintia e Guilia me mostraram suas marcas de propriedade.

Não somos garotas duronas, Aysha.

- Sabe que podemos mudar isso, só basta um pequeno sacrifício. - Disse minha outra metade, de forma eloquente. - Não é como se estivéssemos perdendo muito, foi ele quem escolheu nos abandonar primeiro.

- Eu... - Comecei, tentando encontrar palavras para a refutar. Não haviam.

Com um estalo metálico, as algemas em meus braços se abriram, caindo no chão e desaparecendo em seguida, como se nunca tivessem existido. Porque não existiam, o salão, minha cópia, nada era real, e ainda assim fiquei de pé presa numa armação ilusória criada pela minha mente perturbada.

- Pensei que já tínhamos superado a fase de lamentações, Aysha. - Falou, cruzando uma perna sobre a outra.

- Não fique tão cheia de si. - Respondi.

- Oh é mesmo? Para quem você recorreu todas às vezes que precisou? Quem a alertou de todos os perigos, por mais que você não ouvisse? Quem nunca a abandonou? Fui eu, sempre fui eu.

Ela se ergueu do trono e andou em minha direção, cada passo fazendo o salão ruir.

- Sem mim, você não teria chegado tão longe. Sem mim, Ângela a teria matado naquele confronto. Sem mim...

- Você não é nada. - Sussurrei, fazendo-a parar. Seus olhos expandiram-se com o choque. Então é isso. Sorri. - É por isso que está desesperada.

O salão girou a nossa volta e com um truque, eu fiquei em seu lugar, usando o vestido bonito, parada com imponência. As correntes com algemas surgiram novamente alcançando seus pulsos com vida própria, condenando-a a ficar onde nunca deveria ter saído.

- Se me trancar novamente, eu vou...

Balancei a cabeça.

- Não vou trancá-la, porque não preciso mais de você, caixinha. Como você mesma disse, chega de lamentações. E isso é tudo que você representa para mim, algo que sempre desejei esquecer, mas a verdade é que não podemos esquecer nossos problemas, medos ou arrependimentos, só podemos superá-los e eu superei você.

VermelhoWhere stories live. Discover now