I60I - Amor

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- Mas, dividir o poder? Isso é algo que um de nós não está disposto a fazer, Lukoi. - Completei. - Quer nos mandar para iniciar uma guerra, enquanto comanda tudo do seu castelo? Pensei que o Rei dos Licans fosse mais corajoso. - Desdenhei.

- Absurdo! Acredita entender algo sobre guerra? Eu estive lá na Grande Guerra, liderando soldados enquanto você...

- Sim, esteve. - Concordei, o interrompendo. - Mas como todos os senhores das Sete Casas Antigas, vocês tiveram que assinar o Tratado, não por que saíram vitoriosos, mas porque foram obrigados. E agora que o dono afrouxou as cordas já querem sair mordendo uns aos outros de novo. - Sorri. - Bom, está na hora de lembrar quem é o verdadeiro Mestre aqui.

Inclinei a cabeça e avaliei a situação, se eu não podia encontrar uma faísca de medo no Lukoi para enfraquecê-lo, eu causaria um incêndio com todo o poder que eu havia reunido e o pegaria nisso. Usaria a minha própria vela, aumentando sua chama até que o meu poder ultrapassasse o dele.

Clamei pelo poder, sem restrições. Criando minha própria fera espectral, não um lobo, mas um leão. Imponente, orgulhoso e feroz, com um rugido ele se atirou na direção do Lukoi.

A manifestação bruta me distraiu por um momento, eu podia sentir a energia passando pelo meu corpo até a ponta dos meus dedos, se estendendo e se alongando até se conectar com as patas da minha própria fera, podia ver através dos olhos dela, sem estar devidamente em seu corpo, podia sentir suas garras rasgarem a carne e se molharem no sangue, suas presas se afundarem no pescoço e parti-lo como se não fosse nada.

O sentimento era...inebriante. O rei dos Licans, não era páreo para mim. Ninguém era.

Eu podia fazer o que havia silenciosamente prometido a Ulrik.

Podia terminar o plano do Lukoi.

Poderia me sentar em um trono e fazer todos se ajoelharem perante mim e assim nunca mais sentir medo.

O desejo sombrio que eu havia nutrido ao me sentar no trono do mestre da Cidade do Norte alfinetava minha mente.

Fechei meus olhos e respirei profundamente, afastando os pensamentos. Então calmamente andei até Raymond, ele estava semi caído, apoiado em um dos joelhos. Estendi minha mão para ele.

- Você ficou mais poderosa. - Falou, aceitando minha mão para se erguer.

Quando nossas mãos se tocaram, eu devolvi seu poder, vendo seus olhos retornarem a cor alaranjada com nuances douradas.

- Me desculpe. - Falei, porque senti que deveria de alguma forma. Não ousei olhar para o corpo do Lukoi quando dissipei minha fera.

Raymond levantou meu rosto com uma das mãos.

- Nunca peça desculpas sobre quem é Aysha. - Falou. - E se alguém precisa se desculpar aqui, sou eu. Tive medo de que nunca confiasse em mim, se soubesse de toda a verdade.

Ele estava se referindo aos corações, aos sacríficos que atormentavam a vila onde eu tinha nascido. Onde meu pai havia me abandonado. Onde a minha mãe horrorizada por não poder cuidar de mim sozinha, havia se matado.

- Está tudo bem, Raymond. - Falei, sem emoção.

Culpa-lo depois de tudo seria hipocrisia, eu havia ferido e matado dezenas de soldados sem pestanejar para chegar até onde estava. O que alguém com o coração partido não faria para vingar um ente querido? Éramos mais parecidos do que eu havia imaginado. Com planos soturnos planejados por nossos progenitores e vinganças herdadas. Por algum motivo pensei na princesa da história de Laldean, seu desejo era salvar seu amado, para isso ela profanou o presente de um deus menor e condenou seu povo a uma maldição. Um ato pequeno que havia reverberado por todo o continente em uma guerra sangrenta que levou seu povo a uma segunda destruição.

- Aysha! - Raymond chamou, sua voz parecia distante, preocupada, ele estava segurando minhas mãos. Demorei para perceber que não só elas, mas todo o meu corpo estava tremendo.

Todo poder cobra seu preço.

- Eu estou bem...

Foi a última coisa que falei antes de desmaiar.

Quando abri meus olhos novamente, estava presa com correntes douradas em minhas mãos, ajoelhada diante de um trono negro com uma figura encoberta por sombras sentada nele.

Olhei em volta, o salão não parecia pertencer ao castelo de Serestia, seu piso era de um mármore vermelho, pilastras brancas se alongavam do chão até o teto em formato de abóbada. Sem soldados, sem portas até onde eu podia enxergar.

- Deixe-me adivinhar, você é o Mestre de algum lugar que quer...

Minhas palavras presunçosas morreram em meus lábios quando a figura no trono se ergueu, saindo das sombras.

Cabelos escuros, olhos negros e pele parda. Usando um vestido deslumbrante tão vermelho quanto a cor do piso, estava a minha cópia.

- Porque essa cara de surpresa, Aysha? - Falou. - Não reconhece a si própria?

Tentei me levantar, mas as correntes eram firmes, misturavam-se ao chão como se fosse parte dele. O ambiente sem portas, minha cópia falante, era tudo um sonho, só podia ser.

- Sonho? Tente novamente. - Sugeriu, lendo meus pensamentos.

- Por todos os malditos deuses, que maldições é você?! - Gritei, batendo as correntes.

Minha versão perversa sorriu e depois se abaixou até que estivesse encarando meus olhos com os seus.

- Sempre soube que eu era a mais inteligente, mas, céus, ainda não ficou claro? Sou sua caixinha, como decidiu me nomear.

Balancei minha cabeça, isso não estava acontecendo.

- Está sim. E precisamos ter uma profunda conversa sobre o nosso futuro, antes que você estrague tudo. 

Ela ficou de pé.

- Chega de lamentações e pensamentos autodepreciativos. Estava tudo em suas mãos e você deixou partir como se não fosse nada. 

- Do que está falando? 

- Do poder do Lobo. Falei para toma-lo diversas vezes, é o complemento perfeito para nós. - Afirmou. - Com esse poder, podemos derrotar qualquer um que se coloque em nosso caminho, podemos derrotar até mesmo August Nowak.

- Ele não é uma ameaça, fizemos um trato. - Falei.

Ela estalou a língua, seu semblante tornou-se sombrio. 

- Você quer tanto acreditar que ele é o pai bondoso das suas memórias que fica cega diante das palavras dele. Passar anos encontrando os Liones remanescentes? Reconstruir Laldean? Dar fim a maldição? Mentiras e mais mentiras. Ele nos abandonou e só voltou, porque agora somos uma ameaça para o plano dele. 

- Não vou matar o meu pai. Não é certo.

- Tola! - Gritou, a voz vibrando pelas pilastras. - Petra, Kiros, Raymond, todos se aproveitaram de você, todos a enganaram. Petra rejeitou sua amizade em troca de uma falsa esperança de amor com Kiros. Kiros nunca cumpriu a promessa que fez quando criança, ele a deixou sozinha para ser o líder que todos esperavam e depois tentou a ter forçadamente a sua volta. Raymond a usou como uma ferramenta, sempre ocultando a verdade, oferecendo ameaças e palavras afáveis de acordo com a situação.

- Não é verdade, não sobre Raymond, ele mudou, ele me tornou mais forte, ele me ama. - Argumentei. 

- Amor é o pior veneno e a mais bela mentira já inventada. O deus menor amou uma mortal e seu presente ciumento carregou uma maldição, a princesa de Laldean amou o seu amado e por isso libertou a maldição sobre o nosso povo. O homem odioso que amava a mulher bondosa criou os sacrifícios na vila quando a perdeu. Nossa mãe de cabelo dourado amou August com todo o coração que não sobrou nenhum lugar para nós. O amor de Kiros por nós cegou Petra e o de Petra nos entregou para Viremont. Com tudo isso, ainda acredita que o amor de Raymond vai nos fazer bem? Se tivermos o poder dele, ele estará sempre conosco, não importa o que fizermos. É a melhor garantia, de nunca sermos traídas outra vez.

- E depois disso? - Perguntei, erguendo meu rosto para encara-la como ela tinha feito antes. - Depois que pegarmos o poder de Raymond, depois de matarmos August, depois de tomarmos o Continente?

VermelhoWhere stories live. Discover now