— Ano passado, nosso pai estava aqui. — Jean comentou, enquanto comia um pacote de biscoito, no sofá, parecendo chateado.

— Possivelmente tentando nos matar. — Apesar da ironia, Miguel tinha pesar em sua voz.

— Não seja idiota! — Jean o repreendeu, de boca cheia. — Nossa pai nunca faria isso. A Leyla que está mentindo. — Ele lançou à Camila um olhar acusatório. — Ela quem deveria ter morrido! — Tossiu, parecendo ter se engasgado.

— Quem vai morrer vai ser você, daqui a pouco, sufocado com a comida.

— Parem com isso! — Maria se levantou. Sua voz estava chorosa, e ela saiu da sala rapidamente. Camila sabia que a garota não gostava de nenhum assunto que envolvesse seu pai. Todos ali lidavam com isso de maneiras diferentes, sejam acusando, fugindo ou ironizando a situação.

— Que bom que meu pai nunca tentou me matar. — Venice deu uma risada desdenhosa. — Ele nunca foi maluco que nem o de vocês.

— Mas o nosso nunca nos deixou com outra pessoa, no Natal. — Miguel retrucou, e Venice fechou a cara.

— Dona Carla está os chamando para a Sala de Jantar. — A voz de Alice foi escutada vindo da entrada do corredor.

— Comida? Mas já? — Jean arregalou os olhos e sorriu, ainda de boca cheia. Ele se levantou e correu em direção ao corredor. Alice se jogou para o lado para não colidir com o garoto.

Todos se levantaram e seguiram em direção à Sala de Jantar. Chegando lá, Camila viu que Carla estava com seus cabelos soltos, diferente do rabo de cavalo que usava no dia a dia, com suas roupas sociais. Naquele dia, trajava um elegante macacão vermelho decotado na frente e atrás. Notou também que ela não estava sozinha. Uma mulher de aparentemente um pouco mais de sessenta anos estava à mesa. Seus cabelos loiros eram cacheados, e lembravam muito os de Ximú, ou melhor, Angelina. Apenas eram bem mais curtos.

— Vovó Delphine! — Maria correu na direção da mulher e abraçou.

Então aquela era a mãe de Carla? Nunca parara para pensar que Leyla poderia ter uma avó. Como eram as avós? Camila nunca conheceu seus avós, mas sempre ouvia dizer que as avós eram carinhosas e mimavam seus netos. Ela também seria assim, ou seria arrogante, como todos naquela família?

— Olá, Marta. Quanto tempo... — Retribuiu secamente o abraço e a afastou rapidamente, fazendo uma careta de nojo.

— É Maria.

— Sim, sim, mas por favor, não me abrace, vai amarrotar a minha roupa. Gastei oito mil Telubros só na minha blusa.

Olhou para a roupa da mulher. Ela usava uma camisa branca e elegante, com alguns detalhes vermelhos. Suas orelhas, pescoço, dedos e pulsos tinham joias de pedras vermelhas. Pelo jeito que agiu com a neta, era a última opção: ela deveria de ser arrogante como todos ali.

— Além disso, não gosto de ficar perto de crianças, para não pegar piolhos e sarnas. — Delphine olhou para Maria. — E você está fedendo a xixi.

Miguel e Jean seguraram o riso. Maria olhou boquiaberta para a avó e se cheirou, parecendo confusa e chateada. Camila notou também, que por algum motivo, Carla não parecia confortável com a situação. Tinha uma expressão de raiva e impaciência no rosto.

O olhar de Delphine pousou em Camila, sorrindo automaticamente em seguida. Era um sorriso genuíno e que parecia carregar muito orgulho.

— Se não é a minha herdeira!

Olhou para os lados, procurando a tal herdeira, e demorou para compreender que era com ela que estavam falando.

— Ah! Sim, claro! Eu... a herdeira. — Deu um sorriso amarelo. — Não poderíamos ter chamado a Xi... Angelina também? — Apesar de ter suas dúvidas, se ela iria comparecer ou não, seria bom tê-la ali. Aquela família a fazia se sentir extremamente desconfortável.

A Viajante - A Resistência Secreta (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora