Capítulo 27: Voto de confiança

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Na sala de chá da casa, Po Bing estava sentado à frente de Chuan Bei, a pequena mesa os dividia e o silêncio percorreu o local até o momento das baforadas soltas por Chuan Bei a cada vez que fumava elegantemente seu cachimbo de ópio.

Os olhos costumeiramente fechados de Chuan Bei eram encarados por Po Bing, ele realmente esperava que fossem abertos em algum momento, pelo menos para conversar naquele instante mas nenhum sinal.

O interrogatório não foi deixado para outro dia, agora que tinha Chuan Bei em suas mãos, Po Bing não enxergava razão para não perguntar.

– Você havia dito que a tinta foi implantada na caixa. Essas suas cópias não se desfazem em tinta quando são destruídas?

– Não. – o nevoeiro de ópio encobriu momentaneamente o rosto de Chuan Bei após um sopro. – Essa tinta é espiritual, é uma ilusão que pode ser trocada, ao ser desfeita ela se dissipa.

Po Bing colocou as mãos sobre a mesa e se inclinou um pouco demonstrando sua empolgação.

– Faça uma demonstração.

Essa exigência fez Chuan Bei encará-lo com um olhar semicerrado momentâneo de desdém e Po Bing se sentiu provocado mas não irritado, sentiu um estranho formigamento que passava assim que Chuan Bei voltava a fechar os olhos.

Chuan Bei não se opôs, com o cachimbo entre os dedos da canhota e Fushu firmemente na destra desenhou na mesa de madeira lisa em traços rápidos e precisos uma bela begônia jovial em tinta preta.

Aquele não era o mais impressionante, Po Bing trocou olhares entre o desenho e o rosto de Chuan Bei. O questionou confuso.

– Você desenha de olhos fechados?

– É complicado, eu só consigo desenhar de olhos fechados.

Como mágica Chuan Bei passou os dedos gentis sobre o caule do desenho da flor e sob cada centímetro que passava sua palma a begônia radiante em cores vivas saía da tábua, o vermelho em suas pétalas e seu aroma puro se faziam presentes.

Fushu foi guardada e Chuan Bei pegou a flor sobre a mesa e ergueu-a com gentileza. Vendo a flor diante a si, Po Bing se encantou com a beleza dos detalhes pois era como uma begônia recém desabrochada e colhida com esmero, chegou a erguer a mão para tocar as pétalas da flor mas Chuan Bei não deu tempo.

A begônia foi grosseiramente esmagada entre as mãos de Chuan Bei, ela foi amassada até certo ponto pois ela se converteu em tinta preta que desceu pelos pulsos de Chuan Bei e se dissipou como a fumaça de seu cachimbo.

Po Bing recolheu a mão, sentiu uma certa pena da flor que, apesar de ser uma ilusão, era tão bela quanto uma begônia real.

– É uma ilusão. Os cheiros, as formas, cores e até danos vindo de Fushu não são reais, são frutos da sua cabeça e essa é a fraqueza dela. Se você nunca viu o objeto, Fushu não conseguirá produzir para você. 

– Fushu é mesmo muito poderoso mas esse método de cultivo é não prejudicial? – perguntou Po Bing desconfiado.

– Eu uso apenas energia yin, não é prejudicial. Mas é algo que requer muito do meu núcleo espiritual e por isso precisava das pétalas da Lótus Efêmera.

– Roubando de novo, Chuan Honghua? – falou Po Bing revirando os olhos.

Chuan Bei riu da pergunta, já havia percebido que Po Bing sempre se apega aos detalhes.

– O poder da Lótus Efêmera é infinito e cresce a cada dia, ninguém sentiria falta se eu retirasse uma pétala a cada cinco que nascem. 

– Pelo visto ninguém notou até ela ser roubada. – disse Po Bing com certeza.

– E este perdido ainda ousou me acusar de roubar a adaga Longqie, não duvido que recebeu a informação pela Luo Yan. – falou Chuan Bei com uma leve indignação.

– Falando nisso… – hesitante, Po Bing pensou duas vezes antes de falar. – …a marca que a senhora Luo tanto teme que o jovem mestre Luo descubra.

Colocando seu cachimbo sobre a mesa, Chuan Bei começou a desamarrar a roupa, parecia estar se despindo então provocou a perplexidade de Po Bing.

– Segundo irmão Chuan, o que está fazendo? – disse Po Bing olhando desacreditado, segurando a beira da mesa com as duas mãos.

Permaneceu em silêncio e não desamarrou muito do traje, foi apenas o suficiente para revelar seu ombro em seguida. Por mais que quisesse que não passasse de um pesadelo, ela estava ali cicatrizada em sua pele alva como um ferimento.

Um momento de silêncio ensurdeceu os dois, de um lado faltavam palavras e do outro eram muitos pensamentos indelicados para colocar na mesa.

– O que? Vocês tem um caso ou algo assim?

– Po Bing, eu vou confiar em você por ser discípulo de Yongheng Bing. – disse Chuan Bei escondendo seu ombro e arrumando as roupas.

Ainda que fosse uma confiança torta, Po Bing aceitou e assentiu, precisava escutar os motivos para retribuir essa confiança.

Chuan Bei se inclinou brevemente para frente apoiando seu antebraço sobre a mesa e sussurrou com cuidado.

– Ela pratica efebofilia. Quando a neguei, ela me puniu com isso.

Os olhos de Po Bing se tornaram redondos e sentiu um frio incômodo na barriga. Conhecia Luo Yan como uma cultivadora honrada, casada, com uma família perfeita e possuidora de um cargo importante no império, jamais imaginaria que estaria na frente de uma das vítimas dos crimes até agora ocultos de Luo Yan.

– Eu… eu sinto muito. Mas porque não buscou ajuda? O mestre Chuan, a Chanceler. – falou Po Bing com pesar.

– E quem acreditaria, Po Bing? – riu Chuan Bei se recolhendo, pegava e brincava com o cachimbo entre os dedos. – Estávamos numa época onde os alfas extremistas eram odiados como bestas destrutivas, crianças adultos e idosos sendo mortos como indigentes.

– Isso foi logo depois da morte de Nuwang Hong. confirmou Po Bing pensativo.

– Sim. Eu prefiro deixar isso para trás afinal me aproveitei da situação para conseguir a adaga Longqie. – uma risada desdenhosa demonstrou a impenitência de Chuan Bei.

Mesmo Chuan Bei sendo tão frio diante dessa situação, Po Bing ainda sentia pena, ver ele sucumbindo a um lado tão sujo enquanto carregava um nome tão honrado deixava sua mente em uma completa bagunça.

– Tem algo que ainda não entendi.

– O que é? – perguntou Chuan Bei naturalmente.

– Se você tem a marca de outro ômega, como reagiu aos meus feromônios?

Mais um sorriso enfeitou os lábios de Chuan Bei, uma vez que algo passasse despercebido por Po Bing seria um verdadeiro milagre.

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Os Proprietários do Luar: A Lótus EfêmeraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora