I53I - Verdade

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- Onde quer chegar? - Perguntei, interrompendo a história do homem a qual passei minha infância chamando de pai. Estávamos em uma sala ampla, com piso de madeira, estantes com livros, poltronas de couro e uma grande lareira acesa.

- Não seja impaciente. - Alertou, pousando a única mão sobre o colo. - Todos aqueles que sobreviveram a invasão e foram curados pela fonte corrompida, voltaram com alguma coisa a mais em seu coração, tenho certeza que sabe do que estou falando, um desejo de conquistar tudo. - Acenei com a cabeça, desde minha luta com Ângela no salão de ossos, eu tinha sentido essa sensação, por ela escolhi alimentar minha caixinha. - Os habitantes de Laldean juraram pelo sangue derramado de seus ancestrais que teriam vingança. Isso iniciou a Grande Guerra, envolvendo todas as casas. Até que finalmente a derrota se tornou iminente, quem se rende ao desejo de conquistar tudo cegamente, acaba sem nada.

- Escutei que foi um Lione que traiu os demais. - Falei, lembrando-me das palavras de Raymond enquanto estávamos na carruagem em direção a Cidade do Norte. - Não me diga que foi...

Ele se levantou da poltrona, ficando de costas para mim, olhando o fogo que crepitava na lareira. Quando se virou novamente, vi novamente a frieza impenetrável do seu olhar, como se ele carregasse memórias demais, memórias de centenas de anos que haviam o tornado inabalável para coisas comuns.

- Sim, eu August Nowak traí minha Casa e pus fim a Grande Guerra, escrevi o Tratado e obriguei cada líder supremo a assina-lo. - Declarou. - Acreditei que nós Liones éramos amaldiçoados, eu sabia que meu pai, o seu avó, não pararia a guerra até que todo o Continente fosse nosso, mesmo que no fim acabássemos o transformando em cinzas. Tentei negociar a paz, mas a lâmina falou mais alto, quando estendi meu poder para render nossos exércitos, eles foram destruídos. Me tornei um pária caçado, então fui até onde ninguém me encontrasse e sob o pretexto de ser um boticário cheguei até Swenney Pines, onde conheci sua mãe. Quando abandonei a vila, você e a sua mãe, fiz por que desejei que tivessem vidas comuns.

- Escolheu um péssimo lugar para isso. - Falei, incapaz de conter minhas palavras, um ódio como eu nunca tinha sentido percorreu meu corpo. - Não dou a mínima se você é o rei desse lugar, ou se fez o que achou que era correto, isso não muda nada. Minha mãe está morta, acho que já sabe disso e quanto a mim, não tenho tempo para continuar ouvindo bobagens, a pessoa de que gosto foi levada e se eu tiver que transformar esse maldito continente em cinzas para recupera-lo, é o que vou fazer. - Afirmei, ficando de pé.

- Era o que eu temia, florzinha. Você foi tomada pelo seu próprio poder, não consegue ver nada além da própria ambição. - Disse, sua voz por um momento carregada de tristeza. - Quando chegarmos até Laldean, você terá a ajuda necessária para apaziguar seu coração. Passei anos encontrando descendentes de Liones, para reconstruirmos nosso lar e quando isso estiver feito, enfim poderemos dar fim a essa maldição.

- Quando chegarmos até Laldean? - Repeti, me dando conta de que se não estávamos em Laldean...Não sei a que acordo se refere, afinal, já cumpri minha parte, havia dito o Homem Pálido. - Estamos em Serestia. - Concluí, marchando até a porta. Logo, Raymond, espere por mim.

- Esse Lican de quem pensa que gosta, não é quem diz ser. - Alertou. 

- Você não sabe nada sobre ele! - Afirmei, girando os calcanhares para encarar meu pai.

- Minha querida, pensa que não sei como foi parar na Cidade do Norte e depois na do Sul, como seu nome ficou conhecido pelas Cidades Lunares, até chegar no ponto de despertar o interesse do Lukoi. Eu não a culpo, você é jovem e ficou desamparada por muito tempo, foi influenciada por aquele homem, a única coisa que ele almeja é o seu poder, sei que no fundo compreende isso. Seu lugar é comigo, com nosso povo.

- Meu lugar é onde eu decido ficar. - Rebati. - Sei que tipo de jogo está armando, pai. Acredite, fiquei bem experiente neles com o passar do tempo. 

Afinal a aparição do meu pai em um momento tão critico não seria mera coincidência. Ele acreditava que os Liones eram amaldiçoados? Que fosse, eu usaria essa maldição para conquistar meu futuro.

- Se... - Comecei, fechando meus punhos, precisa por um fim nas dúvidas do meu passado para finalmente me sentir inteira. - Se eu não tivesse causado tanto alvoroço nas Cidades Lunares a ponto de começarem a suspeitar das suas atividades, afinal a última coisa que você precisava no seu plano de reconstrução era o nome Liones sendo dito por ai...Se isso não tivesse acontecido, teria ido atrás de mim em Swenney Pines? 

Não minta, não minta, desejei.

- Quando Laldean estivesse reconstruída. - Falou, uma meia-verdade.

- Nunca passou pela sua cabeça que eu poderia ter sido sacrificada até lá? Você algum dia se importou com o que a vila fazia? - Quanto mais eu falava, mais fácil era despejar minhas frustrações. - Você é um covarde, August. 

Sem pestanejar alcancei a maçaneta da porta. Assim como fiz em nossa armadilha para o Mestre da Cidade do Norte, meu pai usou seu poder para paralisar meus membros. Eu não podia negar que o efeito era aterrorizante. 

- Mesmo sendo minha filha, não permitirei que fale dessa maneira. - Gritou. - Eu a proíbo de ir encontrar esse homem, o destino que ele provocou é somente dele.

Como uma marionete, senti meu corpo ser controlado por fios invisíveis, caminhei compulsivamente até uma das poltronas, meu pai se jogou na outra, sua testa coberta por suor, seu poder batalhando contra o meu.

- Ele é o meu noivo. - Falei entre dentes, não me importando com o rubor que essas palavras poderiam levar ao meu rosto. - O nome dele é Raymond Mondavarius e eu o amo.

Por um longo momento meu pai apenas me olhou, mantive minha expressão firme. Eu tinha guardado aquelas palavras por tanto tempo que de nenhuma forma me arrependeria por tê-las dito. 

- Eksean. - Chamou, deixando a influência do seu poder sobre mim cessar. Tão logo o Homem Pálido se materializou na sala.

- Sim, meu senhor. - Proferiu, fazendo uma reverência solene.

- Conte o que descobriu.

- O Lukoi Haldegar anunciou uma execução pública para amanhã, o nome do prisioneiro não foi revelado. Há vigias em todos os portões e rastreadores por toda a cidade.

Se ao menos eu tivesse o exército da cidade do norte ou até Edmon para me ajudar com um plano... 

- Muito bem. Vamos ver se esse Raymond Mondavarius é digno da minha filha.

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