I48I - Pãozinhos

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O vento uivava na primavera, agitando a grama verde, balançando as folhas das árvores, espalhando o aroma das flores de maçã.

Eu estava sentada, brincando com a ponta do meu vestido amarelo enquanto observava o ninho de uma cotovia em uma árvore. Uma cobra de figueira se enroscava no tronco, camuflada para olhos inexperientes, deslizando de forma hipnótica, suas escamas escuras refletindo o sol. 

- O que está fazendo florzinha? 

Apontei para a árvore. 

- Veja papai, tem uma cobra ali. - Falei.

- Que olhos bons você tem. - Disse, sentando-se ao meu lado na relva. - Soube que você brigou com o garoto de Tiron hoje, sua mãe também falou que você subiu no topo da árvore da praça e se recusou a descer de lá. 

- Kiros que implica comigo! - Protestei, batendo minhas mãos contra os joelhos.

- Eu não estou brigando com você florzinha. - Falou, colocando uma das mãos gentilmente sobre minha cabeça. - Mas lembra o que conversamos, sobre ser discreta? 

- Sim, pai. - Suspirei, rolando os olhos. 

Ele apertou minha bochecha de forma carinhosa.

- Então me prometa que isso não vai se repetir. - Pediu.

- Por que? - Perguntei. - Por que sou diferente das outras pessoas? 

- Você não é diferente das outras pessoas, florzinha. - Ele segurou minha mão, juntando sua palma com a minha, tínhamos o mesmo tom de pele incomum em Sweney Pines. - Olhe, somos iguais e em Laldean todos são iguais a nós. 

- Laldean? - Indaguei.

- Foi de onde vim. - Falou, separando nossas mãos. Seus olhos escuros foram até a árvore, a cobra tinha chegado até os galhos mais altos, onde estava o ninho com ovos da cotovia. O fraco deve perecer para o mais forte sobreviver.

- Podemos ir para lá? - Perguntei, animada com a ideia de um lugar onde eu não fosse uma estranha, onde eu não precisasse me conter.

- Quando você for mais velha, florzinha. - Assegurou, juntando suas mãos em baixo do queixo. - Um dia te levarei até lá. - Disse, suas palavras sendo levadas pelo vento.

Despertei com o aroma adocicado de maçã preenchendo minhas narinas, um fantasma trazido pelo sonho, assim como as memórias que eu não lembrava possuir até então. Que você escolheu esquecer, disse a caixinha.

- Laldean. - Pronunciei pausadamente, testando o som da palavra, não soava como lar ou casa.

E eu já tinha uma casa, não em Sweney Pines ou outro lugar desconhecido que eu tinha puxado das minhas memórias, mas em Raymond. Eu o amava, ainda que não fosse capaz de verbalizar isso em voz alta.

- Desculpe senhorita, a acordei? - Uma voz conhecida falou.

Era Vanessa, uma das três serviçais designadas para cuidarem de mim na mansão, junto com Cintia e Guilia. Vagueando pelos meus pensamentos eu não tinha a notado antes, ela organizava um conjunto de xícaras e pratos na mesinha de canto perto da varanda. Guilia apareceu em seguida carregando toalhas para o que eu imaginava ser o quarto de banho.

- Vamos receber alguma visita? - Perguntei, saindo da cama, Vanessa tinha colocado dois conjuntos de louça e eu apostava pelos acontecimentos recentes que não era para Raymond.

- O Mestre Edmon lhe fará companhia para o café da tarde.

- Imagino que o correto nessas ocasiões é fazer um convite, não ser intimado a um. - Falei, cruzando meus braços.

VermelhoWhere stories live. Discover now