Six

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Julho de 2017

Charles olhava o entardecer em Mônaco. Ele tinha ouvido algumas pessoas chamarem seu nome, mas não se deu o trabalho de responder. Queria ficar sozinho.

Ele pensava que sabia o que era dor quando Jules morreu, quase dois anos atrás. Pensava que sabia o que era sentir um vazio no coração, como se uma parte de si tivesse morrido junto com ele. Que tinha entendido o que era o luto, e como sair dele.

Mas ele não sabia. Não até ver seu pai ir pelo mesmo caminho que o melhor amigo, três dias atrás.

A dor era maior. O vazio era incomparável. O luto voltou a assombrá-lo como se nunca tivesse ido embora. Era pior dessa vez. Mil vezes.

Mesmo que ele tivesse se preparado para essa possibilidade quando Hervé descobriu que tinha câncer, e foi a moldando nos últimos meses, quando sabia que as chances de sobrevivência do pai não eram boas.

Ainda doía. Como se fosse a primeira vez.

Charles sabia que teria que voltar à cerimônia em algum momento. Eles o esperaram para esse momento e ele estava adiando o inevitável – sabia disso. Mas não conseguia mais fingir sorrisos e dizer que estava bem como fez o fim de semana todo em Baku.

Ele queria sentir tudo, nem que fosse só por alguns minutos.

– Sabia que ia te encontrar aqui. – uma voz disse atrás de si. Scarlet.

Charles virou em sua direção. Diferentemente de todos os outros, ela não forçava um sorriso de pena para ele e o enchia de perguntas e promessas, e ele agradeceu por isso.

– Como você me achou? – ele perguntou. Scarlet caminhou em sua direção e sentou ao seu lado, colocando os braços sobre as pernas.

– Foi aqui que eu me escondi. – ela explicou e olhou para ele.

Era um lugar difícil de achar, uma parede escondida atrás da capela que não podia ser vista debaixo, onde estavam os caixões.

– Eu passei a manhã toda aqui e só sai quando ouvi as vozes pararem e sabia que estava na hora. – ela explicou – Foi bom. É quieto aqui.

– É mesmo. – Charles respondeu e os dois voltaram a ficar em silêncio como nunca ficaram perto um do outro – Já se passaram dez anos?

Scarlet parou para pensar, como se não se lembrasse do exato dia e mês que perdeu a mãe.

– Sim, há dois meses. – Scarlet explicou e passou as mãos pela pulseira em seu pulso – E mês que vem fazem dois.

Dois anos que assim como ele, ela perdeu Jules. Charles respirou fundo e voltou a olhar o céu. Imaginava se eles estavam juntos, Hervé e Simone falando sobre arte, como sempre faziam, e Jules com eles fingindo que sabia o que estavam falando.

– Daqui a pouco vamos ficar sem datas no calendário para marcar. – Charles brinca e os dois riem.

– Não se preocupe, eu vou comprar um novo só para essas ocasiões. – Scarlet acrescentou e o fez rir.

– Combinado.

Era estranho falar assim com ela, mas tudo na vida de Charles era estranho ultimamente. Scarlet olhou para ele. Seus olhos estavam exaustos, ela podia dizer.

– Eu vou te contar algo que se sair da sua boca, eu mesma te enterro aqui, ouviu? – Scarlet disse e ele assentiu – Quando eu tinha catorze anos, lembra que eu passei por uma fase meio emo?

– Ah sim, como eu poderia esquecer? – Charles provocou lembrando de quando Scarlet chegou com o cabelo descolorido na escola. Foi o assunto da semana.

– Um dia, meu pai tinha me dado uma bronca. Feia. E eu estava furiosa. – ela continuou – Sai correndo do escritório dele e passei correndo por uma das mesas, ele tava fazendo um evento aquele dia. Eu lembro de ver um cigarro e um fósforo e pegá-lo como se não houvesse amanhã.

Charles ouvia atentamente a história, que a tirava de seus pensamentos.

– Eu fui atrás do jardim e acendi um. Ok, acender talvez seja uma palavra forte, eu queimei meu dedo duas vezes até conseguir. E então eu coloquei o cigarro na boca e tentei fumar. Era horrível e eu estava fazendo tudo errado. – Scarlet riu – Dai eu ouvi alguém atrás de mim. Eu congelei na hora pensando que era meu pai, mas não era.

Scarlet olhou para Charles. Ele sabia de quem ela falava.

– Hervé veio e eu estava aterrorizada. Ele tirou o cigarro da minha mão e parecia desapontado. Então ele falou: "Não é assim que se fuma um cigarro, Lettie." e me ensinou como fumar. – Scarlet disse rindo, seus olhos começando a marejar – Então nós fumamos e ele falou que meu cabelo estava horrível, o que me fez voltar com o natural. Aquela foi a primeira vez que eu fumei e a última.

Charles começou a rir e ela também. Até que o riso lentamente virou um choro.

Ele nunca mais teria um desses momentos com o pai. Um dia, acabaria de ter histórias para contar e ficaria repetindo como um velho louco. Ele sentia sua falta, agora mais do que nunca.

Scarlet percebeu. Ela também queria chorar, mas não era seu momento.

Ela ficou de joelhos e o abraçou. Charles afundou sua cabeça no ombro de Scarlet sem hesitação.

Eventualmente, ele parou. Ele olhou para ela, e ela sabia o que ele queria dizer. "Obrigada". Scarlet levantou e estendeu sua mão para Charles, que a pegou. Ela colocou sua mão embaixo dos olhos de Charles e os secou, apagando qualquer evidência de choro.

Eles se olharam por um momento e ela sorriu.

Um sorriso que Charles nunca havia visto em dezenove anos de convivência – não diretamente a ele, pelo menos. Não era debochado, ou simpático e tentava confortá-lo como de todos lá embaixo.

Era seu sorriso. Seu verdadeiro sorriso.

Ela queria que ele o visse, pelo menos uma vez.

Scarlet se inclinou e deixou um beijo delicado na bochecha de Charles, acompanhado da água de uma lágrima. Ela se afastou e a limpou, e Charles segurou sua mão, como se assim pudesse eternizar aquele momento.

Então ele o soltou e ela virou as costas e foi embora, e nenhum dos dois voltou a falar daquele dia de novo.

Seven ThingsWhere stories live. Discover now