I44I - Carnificina

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Que se danasse o plano, invoquei meu poder, sentido cada gosto e sensação de magia no salão em meus lábios dormentes. Imaginei todos possuindo uma pequena chama em seu interior, eu só precisava me concentrar o bastante para encontrar a de Ulrik.

Ou pegar a de todos, a caixinha sugeriu. Lembrei do poder que roubei, da sensação de não conseguir contê-lo. Seria demais para mim. Nada é demais, tome o poder. Tome tudo. É o que fazemos.

É o que somos.

Sangue espirrou perto de mim, quando o lobo castanho, Ulrik, acertou um golpe profundo no rosto do lobo negro, que revidou apanhando seu pescoço com a mandíbula.

Olhei para Ulrik, ele não prestava atenção em mim, estava muito ocupado se contorcendo para sair do alcance de Raymond, sorri mesmo assim.

- Isso é o que posso fazer. - Sussurrei, encontrando seu poder, polido e bruto como uma espada. Eu o tomei, sentindo parte da sua confiança, do seu desejo inerente de estar sobre os demais, ou talvez apenas um reflexo do meu próprio poder. Imediatamente sua transformação começou a retroceder.

Pegue mais, pegue tudo. Exigiu a caixinha, não argumentei.

Prossegui, capturando uma por uma, a chama de metade dos soldados que se encontravam em meu campo de visão. Baques metálicos de suas armaduras formaram uma sinfonia agradável em minha mente. Os convidados menos corajosos, conseguiram sair, os músicos também.

Meus lábios tremiam, me virei para o restante dos soldados, a tempo de ver a espada erguida em minha direção.

Simultaneamente fui empurrada para longe e outro soldado surgiu bloqueando o golpe com sua espada. Em uma fração de segundos vi olhos verdes com rajadas douradas, se não fosse pelo elmo eu teria o reconhecido mais cedo.

- Elikham. - Falei, minha voz saiu estranhamente falha.

Edmon ao meu lado parecia sem ar. Ele havia me tirado do campo de ataque do soldado, no entanto, outros soldados caminhavam até nós montando uma espécie de semi círculo. Ulrik deveria tê-los alertado sobre meu poder. Preparei-me novamente para usar minha habilidade, Elikham não podia lutar com todos eles sozinho.

Arrisquei uma olhada para o centro do salão. Ulrik não tinha caído derrotado como seus soldados, ele empunhava sua própria lâmina, seus olhos pareciam selvagens e encontraram os meus, a maldita expressão de confiança continuava lá. Ele se virou, escapando por pouco de um ataque feral de Raymond, que rosnou em resposta, raivoso por ter errado.

- Aysha... - Edmon chamou, quando olhei para ele soube instantaneamente que havia algo errado. Algo pior do que as duas dúzias de soldados nos cercando. - Seus lábios estão cinzentos.

Toquei meus lábios, eu mal os sentia, tinham ficado dormentes desde...

Desde o beijo forçado de Ulrik.

- Acho que fui envenenada. - Confessei, apesar de não sentir todos os efeitos de um envenenamento. Haviam dezenas de formulas e a grande maioria não agia rapidamente.

Com o pensamento, minha mente viajou até uma visão terrível, a frágil silhueta de uma mulher, cabelos loiros esparramados em um piso de madeira familiar, frascos de vidro estilhaçados no chão, pulsos sangrando, os gritos ensurdecedores de uma criança, um garotinho de cabelos vermelhos parado na porta.

Fechei os olhos, levando segundos preciosos para respirar fundo. Em alguma parte do meu corpo eu podia sentir o poder de Ulrik tentar escapar, mas eu o mantive comigo, acorrentado e trancafiado no lugar mais profundo que pude encontrar. No lugar da caixinha.

- Não podemos deixar que Raymond mate Ulrik. - Escutei Edmon gritar, sua voz parecia distante.

Quando abri os olhos novamente, vi Kohina na minha frente, seu rosto contorcido numa expressão de raiva, suas unhas transformadas em horrendas garras negras. Ela atacou, vi sua mão avançar em minha direção e pegar o soldado atrás de mim.

- Fique atenta garota, o que vai acontecer com a minha reputação se for morta assim? - Falou, tirando suas garras do corpo do soldado, sangue escorreu por elas. Seria fácil esquecer quão perigosa ela era, olhando apenas para sua aparência e personalidade mimada. Mas aqui, em um salão de baile transmorfoseado em uma arena de carnificina, Kohina parecia reinar.

Senti algo tocar meus pés e saltei quando vi ramos e videiras passarem por mim agarrando dois soldados a nossa esquerda. Aberlian estava parado em frente aos soldados, com um rosto despreocupado e as mãos nos bolsos de sua calça, ele bocejou.

- Porque estão nos ajudando? - Perguntei, me abaixando para pegar uma espada caída.

- Porque eu seria uma péssima madrinha de casamento se deixasse a noiva morrer. - Respondeu, rindo enquanto se abaixava com agilidade para desviar de um ataque. - Ao menos na frente do noivo. - Adicionou.

- Agradeço a consideração, mas eu não morrerei hoje, Kohina. - Falei, ignorando a súbita onda de tontura em meu corpo. - Hoje eu matarei.

- Não. Nós mataremos. – Ela corrigiu.

Pela primeira vez na vida, concordei com a Mestra da Cidade do Leste.

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