Solis

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- Miranda. Pode anotar seu endereço pra mim?

- Claro. – Anotou em um papel que ela carregava dentro da bolsa e deixou em cima da mesinha da sala.

- Preciso que me deixe agora. Espero que entenda.

- Tudo bem... Sei que é muita informação, mas por favor. Pense sobre isso.

    Levantei, novamente sem aparente emoção e abri a porta para que ela fosse para casa. Ela saiu devagar como quem não quer sair. Pensei comigo mesmo por dois segundos o que eu estava fazendo ali naquela porta verde, em pé, olhando ela ir. Sei o que você está pensando, traça, eu não estou apaixonado por ela. Bem, se não passou antes, pensou agora.

    Decido fechar a porta e ir para o quarto. Me deito e olho para o teto esperando respostas, tudo o que eu acabei de ouvir foi ensurdecedor. Eu não consegui ouvir a minha própria mente enquanto ela falava. Se é verdade o que ela disse então... Eu sou um Portador de memórias... Mas isso todos somos.

Como pode ser justo eu poder enxergar memórias desvencilhadas de seus espíritos...

    Exatamente neste dia o silêncio reinava na casa. Enquanto eu olhava para o teto era como se eu admirasse estrelas e elas sorriam para mim. É uma sensação maravilhosa poder me ouvir. Ha tempos atrás o silêncio já teria dilacerado meus ouvidos como o abatedor faz com a cabeça de um boi ainda vivo. Mas agora não, sinto que é verdade o que dizem. No silêncio, Deus fala.

    É estranho não sentir vontade de escrever mesmo com tantos sentimentos aqui. É verdade, tinha me esquecido, uma mistura de sentimentos não faz um texto, faz uma sensação e só, o texto é feito de muito mais. É ilógico eu sentir tanta paz depois de ter sabido tudo isso. Por que logo eu? Logo agora?

    Eu preciso sair daqui, respirar oxigênio. Todos esses dias nesta casa respirei apenas o resto do oxigênio dos outros autores que dormem também aqui neste quarto. Isso é meio desconfortável pra mim.

    Vou até o quarto de tia Izabelli e peço a ela que corte meus cabelos e que me dê uma navalha. Ando agora por tapetes conhecidos, a verdade é minha amiga e sei quem sou, me sinto leve.

- Você está maravilhoso, Bernard.

- Muito obrigado, milady Izabelli. – Me curvo e ela sorri

- Não seja tão galanteador assim. – Disse sorrindo

    Me sinto muito mais leve de verdade. Vou até o jardim no fundo da casa e me sento na grama. O sol é incrível e me chama pra passear. Recuso o convite, quero apenas descansar. Espíritos e memórias... É impressionante como algo tão importante nunca me foi pensado. Sinto que sempre soube que temos memórias, claro! Todos sabemos, of course.

    Por que alguns seres humanos guardam vontades tão grande dentro de si? Por que outros são são memórias tão pesadas? Creio que o que se faz durante a vida reflete diretamente em quem somos. Os olhos mentem, os atos não.

"Suas atitudes falam tão alto que eu não consigo ouvir o que você diz...  "

- Ralph Waldo Emerson

    Ralph sempre esteve certo, é algo inconveniente pensar que o que se leva após a vida é dinheiro ou mulheres. São os atos. Um humano é constituído de convicções e fé. Não é de certeza... As certezas tem um ar de soberania que não me agrada. É uma sensação tão incrível ter um argumento desconstruído; após isso vem o reconstruir, as questões, a vida.

    O sentido filosófico da memória seria ter ou ser? É certo que quem vive de memórias não entra pra história, mas acho que há algo generalizado nessa frase. Acho também que não gosto de achismo.

Vou aceitar o convite do sol pra passear.

O Portador de memórias - Para jovens idososOnde as histórias ganham vida. Descobre agora