Presença de memórias?

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    No momento em que encontrei Bernardo soube que algo estava acontecendo. Era óbvio que algo grave havia alí. Quando ele mencionou que poderia ver memórias, não tive reação. Como poderia ter? Algo tão absurdo assim... A chance de ele ser um portador é de 0,5% em toda a humanidade. 

Sinceramente ainda não vejo fatos pra acreditar que ele seja um portador.

- Por favor, seja direto.- Afirmo agora mais séria

- Eu vejo espíritos.

- Espíritos...

    Vejo que ele não sabe nada sobre isso. Primeiro porque espíritos só habitam a terra enquanto encorporados. Só há dois destinos para os que desencorporam. O que ele vê, se não memórias, ilusões criadas pela sua mente; um esquizofrênico.

- Sim. Aqui mesmo nesta casa, tem um garoto chamado Tomas. Quase todos os dias ele corre atrás de um cachorro que aparentemente está perdido, mas nunca o encontra.

- Como sabe que esse "Tomas" é um espírito?

- Porque ele é meu primo que morreu de pneumonia logo pequeno. Me recordo dele.

    Assim que ele acaba de falar, seu semblante muda e ele se levanta. Olha de um lado para o outro e parece atordoado por alguma coisa que não consigo ver nem entender. Logo quando se levanta diz algo em um tom bem alto, berros.

- Lá vem ele! Lá vem ele!

- Ele quem? –retruco sem entender

- Tomas. Quieta!

Ele ficou em pé olhando para alguma coisa e a seguia com os olhos até a porta.

- Viu? - Disse ele sorrindo e com um brilho aparentemente duentio nos olhos. Neste momento me pergunto se estar alí é algo seguro.

- Desculpe... Não vi nada, senhor Bernardo. - Respondo recuando alguns passos.

- Pensei que pudesse me ajudar... Doido eu sei que não sou.

    De repente alguém o grita, com certeza deve ser a senhora Izabelli, tia dele. Elisa aparece pelo corredor seguida de um homem horrível que a olhava com olhos de desprezo e se voltara para mim com mais desprezo ainda.  

Bernardo! Abra a porta para Elisa, por favor!

Sim!

    Bernardo encarava o homem e parecia atônito em não poder fazer nada. Assim que Elisa me viu, logo me abraçou.

- Fico feliz que tenham se encontrado! Finalmente! –Diz Elisa sorridente

- Pois é... Vai sair mais cedo? – Disse Bernardo

- Sim, Senhor Bernardo. Não estou me sentindo muito bem, apenas um mal-estar.

    Aquele homem com certeza tinha uma aparência muito esquisita, além de carrancudo. Seria estranho alguém andar em companhia tão desconfortável enquanto trabalha em uma casa de família...

- É seu amigo? Perguntei indicando em direção ao homem.

- Quem? Senhor Bernardo? Sim... Somos amigos...

   É visível que ela não entendeu e muito menos poderia vê-lo, mas Bernardo sim... Ele de pronto abriu a porta e desejou melhoras. Ela ficou envergonhada por algum motivo e foi embora.

- Você também o viu.

- Sim. Você não é doido.

- O que eu sou?

- Um tetracromo. Um Portador de memórias.

    Bernardo respirou fundo e senti que não precisaria dizer mais nada em questão de rodeios. Resolvi começar.

- Tetracromo é alguém que nasce com um cone a mais na retina. Uma mutação rara que afeta 1% da população mundial. Eu nem sei qual é a chance de nós dois sermos Portadores de mesma idade e na mesma cidade. Isso é inimaginável.

- O que um problema oftalmológico tem a ver com tudo isso? Por que você chama tudo isso de memória? Eu realmente não entendo. 

Seu rosto parecia sem expressão, ele aparetava estar calmo, mas... Sei que algo explodia alí dentro. Ele sabia que o que eu estava dizendo não era bobagem.

- Vou explicar. Em tempos antigos outros como nós já existiam, mas em escala maior, não sei o motivo disso. Pessoas que podiam ver divindades, criaturas mitológicas, alguns portadores segundo a literatura, conseguiam habilidades intelectuais tamanhas que podiam ver as memórias de outras pessoas. Os tetracromos mais famosos são, por exemplo, os apóstolos da bíblia cristã e o rei Galgamesh da antiga Mesopotâmia. Nós, portadores, conseguimos enxergar as memórias que ficam presas a nós, memórias de entes já desencarnados.

- Você quer dizer que eu posso ver as memórias presas à mim? Memórias de pessoas que já morreram?

- Sim. Por isso eu não pude enxergar o seu amigo, ou primo, Tomas. Ele é memória sua.

- E por que isso? Para quê servimos então?

- Nossa função é estabelecer uma conexão estável entre memórias e espíritos. Memórias podem causar danos aos que ficaram aqui na terra e não conseguem se desprender ao espírito. Algumas memórias chegam ao ponto de matar aqueles que as carregam. Como você viu, Elisa corre perigo.

O Portador de memórias - Para jovens idososOnde as histórias ganham vida. Descobre agora