A morte

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Eu encaro o mendigo com toda a força que tenho e pergunto:


- Eu tenho um primo e ele foi internado junto comigo?

- Junto eu não sei... Mas que foi internado no mesmo tempo eu sei que foi...

- Obrigado. Onde mora minha família?

- Numa rua perto da Sem Nome

- Obrigado, amigo


    Por ali mesmo consegui uma calça e uma camisa de botões (Nunca me acostumei com camisas fechadas) e esperei amanhecer. Antes do sol raiar andei sobre a cidade vendo ruas talvez conhecidas, talvez imaginadas... Cheguei a um ponto que não teria como esquecer. O banco onde vi Cecília pela primeira vez. Me sento, o comércio não abriu ainda.

    Me contendo em saber que sou de verdade e por segundos escuto pedrinhas gritando embaixo de um sapato. Alguém parece andar perto de mim...


No silêncio do amanhecer em Não se sabe Onde, olho para o outro lado da rua e enxergo Cecília fitando rachaduras na calçada.


  Meus olhos não conseguem de maneira alguma se conter, eles gritam.


Meus olhos explodem em lágrimas, suco de sentimento.

    Ando quase num trote atrás dela, chorando, soluçando, tropicando no oxigênio e esbarrando nas palavras que nunca disse... Gritei: Cecília! E ela olha para trás sorrindo como um anjo que veio parar nesta terra por algum acaso, ou intencionalmente para me testar o coração. Ela corre. Não entendendo, corro atrás. Infinitamente corro!

    Já sem fôlego após correr quase três quadras, enquanto corro atrás dela olho para a minha diagonal e enxergo uma casa muito grande com um muro muito baixo e porta gigante acima de três degraus; assim que meus olhos pesam em retornar para Cecília, ela desaparece. Fico atordoado tentando encontrá-la, mas não consigo. Senti uma enorme vontade de saber o que é ou de quem, por que, por onde, de onde essa casa me chama tanta atenção.


Bato no portão e não há ninguém. Ao bater pela terceira vez ouço uma voz gritar:


- Pare de bater no meu portão seu moleque filho de uma puta!


    No mesmo segundo tive essa reação: Nenhuma. Não sabia nem o que responder e nem ao menos o que pensar, simplesmente fiquei estático e uma mulher bastante velha sai daquela porta verde gigante e desce os três degraus com uma vivacidade que não sei se nem eu mesmo teria.


- Bernard! Como você conseguiu sair daquele lugar? Entre! Entre!

Entro pela grande porta, estupefato com tudo isso e por tudo isso.

- Desculpe, mas eu a conheço?

- Seria no mínimo deselegante esquecer da própria tia.


Nesse mesmo segundo olhei para seus olhos verdes e límpidos. Me lembrei dela, miha tia Izabelli, nome incomum, assim como ela.


    Entramos em uma grande sala com vários ornamentos caros e antigos. Ela não parou de falar e sinceramente eu não estava entendendo nada. De repente um garoto loiro e bem vestido que deve ter por volta de 9 anos vem correndo pela casa e passa por mim quase me atropelando e gritando: "Sancho! Sancho! Sancho! Sancho!" Eu interrompo o discurso embolado e infinito de minha tia e ela pergunta:


- O que houve?

- O garoto pode se machucar correndo assim...

- Ela ri – Eu moro sozinha a mais de quarenta anos , não há mais ninguém aqui, apenas os criados.

- Entendi...


    Não sei se estou ainda mais doido, mas realmente o garoto quase passou por cima de mim. Minha tia não percebeu nada, claro, não parava de falar e ainda não parou... Há algo estranho aqui. Aqui dentro e mim, faz tempo que não sentia essa sensação de morte...

    E então minha tia Izabelli para em frente a um quadro e começa a chorar... Tento consolá-la, mas quando olho para o quadro, este homem, Benjamin Bertrand.


  Me recordo de tudo o que aconteceu. Sinto o gosto do ódio salgar minha boca e o ranger anestesiar meus dentes.


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Próximo capítulo: Primum non nocere


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O Portador de memórias - Para jovens idososOnde as histórias ganham vida. Descobre agora