Carta para Cecília, diga que estou vivo!

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    Pensei que tinha tido a sorte de morrer, mas me enganei. Cecília me acordara cantarolando algo fora do tempo. Abri os olhos, olhei em volta, limpando os olhos com o braço. Ela tinha sumido junto com a escuridão. A troquei pelo sol, mesmo sem querer, o fiz.


 Fui submetido ao banho matinal.


    Vi dois homens no pátio dizendo algo em surdina... Ao olharem pra mim me peguei cético quanto a realidade. Decidi desviar o olhar, encontrei água gelada e comprimidos. É praticamente do que sobrevivo no meu cemitério, meu não, não penso ser tão egoísta. Cemitério dos vivos, da decadência, da obscuridade, do não-pudor, da loucura sem tipos. Livre loucura, loucura minha.

Logo quando voltei do banho ainda tonto pedi uma caneta ao carcereiro.


    Não me recordo se deveria... Me recordar de coisas do tipo: Por que vivo dopado? – Ao que me parece doses feitas somente pra mim-


    Me lembro claramente de Edgar Alan Poe, mas não de mim. Penso que talvez não haja mais um "eu" em que possa me lembrar. Somente Cecília.


    Percebo algo que me chama atenção... Consigo perceber, estou pensando... Volto no tempo e peço novamente a caneta e o enfermeiro me diz que tenho dez minutos antes da próxima dose. Ele me dá também papel. Começo.


Carta para Cecília-eu


 Cecília, sei que conheço apenas seu nome, mas por favor, quero que saiba de mim. Que existo e que penso em ti. Escrevo esta carta e coloco-a na parede, colada com restos de xarope anti-inflamatório para que saiba que lembro de ti. Espero que a cada dia lembre de mim, querido eu.


 Carta 1 (um), para mim, que aqui dentro sou eu e tu, Cecília. Quero que leia todos os dias comigo. Desculpe a falta de coerência ou presença de loucura.


 O Sol se vai novamente, ao que me parece só pra mim ele tem a delicadeza de se pôr mais cedo...


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Próximo capítulo: Olhos castanhos como o de Cecília...

O Portador de memórias - Para jovens idososOnde as histórias ganham vida. Descobre agora