Aqueles olhos

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   Mais uma vez Izabelli se põe a tricotar, mas se perde contemplando os átomos de nitrogênio no ar. As vezes fico observando e tentando imaginar o que ela está fazendo ali dentro. Parece que viajou e se esqueceu de levar o corpo. Eu estava encostado na parede, mas resolvi ir até lá.

   Me sento de frente pra ela em uma outra poltrona, do lado da porta. A poltrona dela ficava virada em direção à lareira. Ela notou a minha presença, não se assustou, só deu sorriso manhoso. Aqueles sorrisos que enganam, como um "tudo bem" expressivo.

 Continuou a tricotar.

Não sei de onde veio esse pensamento. Este pensamento de borboletas, uma borboleta de muito perto é uma criatura terrível, porém, de longe é doce e leve... Acho que borboletas sorriem com as asas. É como um "tudo bem" dançante.

- Está tudo bem, tia?

- Sim... Só estava a pensar em Benjamin.

- Não continue alimentando esses pensamentos, tia...

- Não são ruins!

- Não?

- Penso o que ele faria se estivesse aqui...

   Como iria eu pedir a uma mãe para não pensar no filho? Como disse a Raposa ao Pequeno Príncipe: "Somos responsáveis por aqueles que cativamos". Os filhos logo que nascem, desde já cativam aqueles que os tem e também, logo os demais.

- Pense em algo bom, tudo é o caminho de Deus.

- Como Deus há de ser bom me tirando meu filho tão reto e bom?

- Há bons olhos... Benjamin era um homem incrível, de fato. Era bom, inteligente e gentil. Como a senhora o amava e o queria por perto, Deus também o queria e o via assim. Ele em seu ato de bondade o deixou aqui para nos ajudar, mas, é assim que Deus age. Assim como amamos as flores e as arrancamos da terra para darmos à aqueles a quem amamos , Deus nos retira desta terra e nos cuida em seus braços. Somos lindos aos seus olhos.

   Em desatino Izabelli desandou a chorar. Aqueles olhos verdes agora me lembraram algo... E as vezes isso me incomoda. Já aconteceu outras vezes.

De repente passa correndo o moleque...

   Desta vez ele parou antes da porta. Não havia dado atenção a ele, até porque já era rotina vê-lo correr até a porta e sumir pelo mundo. Mas desta vez ele parou, isso me fez olhá-lo, reparar em seus detalhes incomuns pela primeira vez. Aqueles olhos verdes... Não era única essa sensação. Os mesmos olhos...

   O garoto parou enquanto ia em direção à porta e pareceu querer saber o que estava acontecendo. Porém, logo tia Izabelli que estava de costas pra ele, sentada na poltrona, se levantou e me abraçou. Assim que viu a cena, o garoto fez uma expressão indiferente como um dar de ombros e saiu correndo novamente.

   Aqueles olhos verdes não nascem em qualquer um, pensei. Algo como um laço, alguma energia existia ali. Após me abraçar ela sorriu, desta vez vi também sorrir seus olhos. Isto é verdade. Subiu as escadas após o sorriso. Voltei para o meu quarto e vi no teto aqueles olhos verdes que eu ainda conseguia ver quando fechava os meus.

O Portador de memórias - Para jovens idososOnde as histórias ganham vida. Descobre agora