O Milagre de Yousef

By GoncaloCoelho

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Versão completa disponível na Amazon: http://www.amazon.com.br/dp/B00MK5U440 Descrição: Quando Yousef retorna... More

Renascimento (Prólogo)
Regresso (1a parte) Cap. 1
Regresso (1a parte) Cap. 2
Regresso (1a parte) Cap. 3
Regresso (1a parte) Cap. 4
Regresso (1a parte) Cap. 5
Regresso (1a parte) Cap. 6
Regresso (1a parte) Cap. 7
Regresso (1a parte) Cap. 8
Regresso (1a parte) Cap. 9
Regresso (1a parte) Cap. 10
Regresso (1a parte) Cap. 11
Regresso (1a parte) Cap. 12
Regresso (1a parte) Cap. 13
Yousef (2a parte) Cap. 1
Yousef (2a parte) Cap. 2
Yousef (2a parte) Cap. 3
Yousef (2a parte) Cap. 4
Yousef (2a parte) Cap. 5
Yousef (2a parte) Cap. 6
Yousef (2a parte) Cap. 7
Yousef (2a parte) Cap. 8
Yousef (2a parte) Cap. 9
Yousef (2a parte) Cap. 10
Yousef (2a parte) Cap. 11
Yousef (2a parte) Cap. 12
Yousef (2a parte) Cap. 14
Yousef (2a parte) Cap. 15
Yousef (2a parte) Cap. 16
Yousef (2a parte) Cap. 17
Yousef (2a parte) Cap. 18
Yousef (2a parte) Cap. 19
Yousef (2a parte) Cap. 20
Yousef (2a parte) Cap. 21

Yousef (2a parte) Cap. 13

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By GoncaloCoelho

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O objectivo era a transição da jihad no Afeganistão para uma jihad global. Os conceitos abundavam e misturavam-se num caldeirão que geraria a poção mágica que conferiria as linhas de orientação para a Al-Qaeda e para as próximas acções desta organização. Neste caldeirão entrava o conceito de jihad entendido como um combate contra todos os infiéis que ocupavam terras muçulmanas e todos aqueles que se opunham à imposição da Charia como forma única de jurisprudência no mundo árabe. O conceito de Charia, vulgarmente conhecido pela maioria no Ocidente puramente como uma lei islâmica de contornos no mínimo medievais, está muito para além dessa visão simplista. A intenção por trás do conceito prende-se com a necessidade dos muçulmanos de criarem uma escritura de aplicação vasta que fosse capaz não só de conter as regras fundamentais porque se rege a jurisprudência mas também de comandar um estilo de vida que concretizasse a vontade de Deus, Alá, por via da citação, estudo e interpretação dos escritos do Corão e da Sunnah - que contém as palavras e as práticas atribuídas ao Profeta ao longo da sua vida -, incluindo sucessivas fases de dúvida, resposta e consequente adaptação ao evoluir dos tempos. Deste modo, a Charia sofreu diversas evoluções em diferentes países árabes e, no caso de alguns, a sua evolução simplesmente cessou a partir de determinado momento histórico. Cada país seguiu predominantemente as ideias capitais de um ou outro teólogo ou jurista clássico com uma determinada visão do que deve ser a Charia em função do Corão e da Sunnah. Certos países acham inclusivamente que o modo como a Charia foi interpretada há mais de mil anos, poucos séculos após a morte de Maomé, é tão definitivo que questioná-lo é simplesmente um acto abominável, já que desvirtua a pureza da visão clássica que entendem ser a mais próxima da vontade divina. É neste contexto que se incluem os extremistas radicais. É neste contexto que se inclui, por exemplo, a jurisprudência na Arábia Saudita (que à altura deste livro demonstra já uma maior abertura à evolução das suas leis). Porém, noutros países, a Charia é fruto de constante questionamento e evolução não só ao longo do passado mas também nos dias de hoje, de modo a poder ser adaptada à evolução da humanidade. Em Marrocos, por exemplo, surgiram recentemente reinterpretações e reformas na lei islâmica levadas a cabo largamente por jovens e mulheres eruditos que contribuem para fazer evoluir o espectro teológico no país.

Ilustrando esta visão de constante evolução da Charia, diz-se que, certo dia, tendo Maomé enviado um seu fiel seguidor ao Iémen como governador, lhe perguntou como pensava ele julgar os assuntos mais complexos que lhe surgissem durante a viagem, ao que o governador respondeu que o faria sempre tendo por base o Corão. O Profeta perguntou-lhe então como faria ele se não encontrasse a resposta no Corão. O fiel seguidor respondeu que procuraria uma resposta na Sunnah. E se a resposta ao problema não se encontrasse também na Sunnah, o que faria o governador, quis saber o Profeta. Nesse caso julgaria tendo como base o meu próprio raciocínio, respondeu o governador, resposta que se diz ter deixado Maomé bastante feliz[1].

A luta de Yousef, do xeque Omar e de toda a nova organização, deveria ser principalmente direccionada para uma substituição de regimes e de estruturas de poder nos países muçulmanos de modo a devolver o império de outrora aos muçulmanos. Expulsar os infiéis que ocupavam os países islâmicos, tal como os soviéticos que ocupavam o Afeganistão, era de importância primordial. Aliás, este ingrediente de libertação da opressão invasora dos países e territórios ocupados muçulmanos era aquele que mais gerava atracção pelas acções de Bin Laden e dos seus correligionários em todo o mundo islâmico. Os egípcios que rodeavam Bin Laden, encabeçados por Ayman Al-Zawahiri pretendiam agora, uma vez chegada a altura de escolher novos palcos primordiais de acção, a transposição da luta e dos recursos empregados no Afeganistão, para o Egipto. No terceiro vértice deste triângulo de relações, que incluía Bin Laden e Zawahiri, estava o xeque Abdullah Azzam. O palestiniano Azzam e o egípcio Zawahiri tinham visões diferentes sobre qual deveria ser o futuro próximo do que viam como uma jihad global a caminho da Charia global e com esta discordância impunham uma firme decisão a Bin Laden, em favor de um ou de outro. O egípcio que sofrera duro período de cativeiro e tortura no seu país no seguimento do assassinato ao Presidente Anwar Al-Sadat e que guardava, desde os quinze anos, a recordação da execução de Sayid Qutb, estava disposto a levar a cabo planos nada convencionais para alcançar uma mudança de regime político no Egipto de modo a instituir a lei islâmica no país, ou seja, a Charia na forma que cria mais pura, aquela interpretada séculos após a morte de Maomé e que excluía, para começar, a democracia, o direito de voto para eleger um líder político. Mantinha formado o grupo Al-Jihad que operava no Egipto, de onde emanara o grupo de homens que havia levado a cabo o assassinato do Presidente egípcio Anwar al-Sadat a 6 de Outubro de 1981. No seu seguimento, Zawahiri havia sofrido uma sequência das mais traumáticas experiências que se podem sofrer em cativeiro. A punição de Zawahiri e de todos aqueles que o governo egípcio achou ter qualquer tipo de ligação ao atentado perpetrado contra Anwar al-Sadat resultou numa autêntica linha de montagem de homens impiedosos, alimentados nas cadeias com doses contínuas e intensas de dor e ódio contra o regime egípcio de então e também contra o Ocidente que acreditavam ser a força oculta manipuladora e dominadora de fundo. A tortura é dos mais poderosos instigadores de ódio que o homem jamais inventou e naquelas como noutras prisões devia ser terrível não só suportá-la como ouvir os gritos resultantes.

Para Azzam a prioridade da nova organização e prolongamento natural do movimento de jihad global teria de ser forçosamente a libertação da Palestina, onde ajudara a formar o Hamas que seria ponto estruturante de partida para uma continuação lógica do que haviam sido os esforços no Afeganistão.

Outro ingrediente determinante que caiu no caldeirão ideológico destes homens foi a takfir. No Corão pode ler-se:

"E não mateis a alma, que Allah proibiu matar, exceto se com justa razão. Eis o que Ele vos recomenda, para razoardes." (Capítulo 6, Versículo 151)

"E não mateis o ser humano, que Allah proibiu matar, exceto se com justa razão. E quem é morto injustamente, Nós, com efeito, estabelecemos a seu herdeiro poder sobre o culpado. Então, que ele não se exceda no morticínio. Por certo, pela lei, ele já é socorrido." (Capítulo 17, Versículo 33)

A referida Lei da Igualdade vem explicada no seguinte versículo:

"Ó vós que credes! É-vos prescrito o talião para o homicídio: o livre pelo livre e o escravo pelo escravo e a mulher pela mulher; e aquele, a quem se isenta de algo do sangue do seu irmão, deverá seguir, convenientemente, o acordo e ressarci-lo, com benevolência. Isso é alívio e misericórdia de vosso Senhor. E quem comete agressão, depois disso, terá doloroso castigo." (Capítulo 2, Versículo 178)

Nas palavras acima transcritas (e outras) é notório que o Corão insta a que qualquer atitude ofensiva seja sempre bem ponderada e levada a cabo apenas em situações especiais como a opressão e ocupação dos territórios islâmicos por invasão e violência, ou, para que se cumpra a justiça, em caso de homicídio. Há mesmo recomendação para que os muçulmanos sejam ponderados e extremamente contidos nas suas acções ofensivas. Na época em que o Corão surgiu, o povo muçulmano e a cidade de Medina, em particular, eram alvo de fortes ataques por parte de povos de outras religiões e daí a necessidade de dar liberdade no Corão aos muçulmanos para que se defendessem, guerreando e, em último caso, matando o inimigo, para preservar a sua própria integridade física e a dos seus entes mais queridos, para que não ficassem impávidos e serenos perante as forças invasoras. Matar inocentes, é portanto algo que, mesmo não se sendo um profundo estudioso da religião, após algum estudo do Corão e da vida de Maomé, facilmente se deduz não condizer com o modo de vida preconizado pelo Profeta. Usar de violência e homicídio contra inocentes com justificação religiosa islâmica requer que seja adicionada qualquer emenda ou nova interpretação a posteriori de modo a que um inocente deixe de o ser por qualquer motivo. Claro que no caso do Afeganistão, os russos efectivamente ocuparam através do seu poder militar um vasto território de fé islâmica e, desse modo, se considerava que oprimiam os muçulmanos da região. Chegaram a impedir celebrações tradicionais islâmicas. Nas repúblicas do Médio Oriente entre o Afeganistão e a União Soviética, há relatos, por exemplo, de cidadãos que acordavam de madrugada para celebrar em segredo o casamento com os amigos e a família, de acordo com os preceitos sagrados do Islão, festejavam e dançavam até chegar a hora de ir para o trabalho e depois trocavam de roupa e iam para o emprego como se nada tivesse acontecido, para que as autoridades comunistas de nada suspeitassem. Assim sendo, sempre que uma nação estrangeira invade território muçulmano e impõe a sua lei, é muito mais fácil defender posições que incitem à guerra, ligando essa intenção a conceitos religiosos islâmicos. Caso semelhante se poderá advogar actualmente no caso do Iraque em função da invasão pelos Estados Unidos. No entanto, para chegar mais longe na justificação do homicídio de inocentes, também crentes no Islão, surgiu o conceito de takfir que abriu a porta a que se pudesse declarar arbitrariamente quem era muçulmano ou apóstata, incluindo neste último saco todos os muçulmanos que precisassem de ser incluídos, nesta ou naquela ocasião, mediante determinada acção de jihad. Zawahiri entrou por este caminho e logrou fazer Bin Laden ouvi-lo, após a Guerra do Afeganistão. Só eles saberão ao certo como esses conceitos jogaram nas suas mentes. É de acreditar que em Bin Laden ficou uma parte do xeque Abdullah Azzam que via na takfir uma heresia, um perigo iminente para o Islão[2] e esse perigo consistia na iminente possibilidade da luta cessar de se centrar puramente nos opressores infiéis e passar a dirigir-se contra os próprios irmãos muçulmanos. Para Azzam a prioridade era, depois de libertar o Afeganistão, libertar a Palestina. Yousef partilhava os ideais de Azzam mas admirava acima de tudo a determinação, a sobriedade e a pureza de espírito de Bin Laden e do xeque Omar, assim como dos ideais que pautavam os seus mundos como que a Charia deveria governar o mundo, a lei que, no seu entendimento, emana na sua forma mais pura das mais de cinco centenas de versículos corânicos. Atente-se que a palavra Islão vem de submissão ou rendição do homem perante Deus e em todos os sentidos. Para isso, tudo o que governa a vida do homem deve render-se ao ensinamento que vem de Alá. Isto significa no limite que um Estado Islâmico deve fazer derivar do Corão a Charia e daí a sua lei que o colocará sempre nos trilhos da vontade divina. Ora proceder-se, como por exemplo na Turquia, estado que é democrático na escolha do seu líder político e das suas leis, isso significa para os mais extremistas querer tornar-se o homem mais poderoso do que Deus, advogar-se o seu papel.

Diz o Corão:

"Ó vós que credes! Obedecei a Allah e obedecei ao Mensageiro e às autoridades, dentre vós. E, se disputais por algo, levai-o a Allah e ao Mensageiro, se sois crentes em Allah e no Derradeiro Dia. Isso é melhor e de mais belo, em interpretação." (Capítulo 4, Versículo 59)

Para quem deseja que todo o mundo islâmico seja uno e governado por uma Charia à imagem, por exemplo, da Arábia Saudita, é imperioso que todos os territórios e povos árabes, todos sem excepções, fiquem livres de comunistas, capitalistas ocidentais ou outros quaisquer estrangeiros e infiéis que constantemente estejam militarmente presentes no seu seio, pretendendo manipular o seu futuro. Ora, Yousef estava em perfeita sintonia com estes princípios. A takfir foi um meio que passou a estar disponível na operacionalidade do que era entendido como uma guerra para livrar o Islão dos infiéis opressores. Um mal necessário. Um crime necessário, se tomarmos a definição de Hemingway, de que uma guerra por mais necessária que seja constituirá sempre um crime. Um veneno que se incorpora nos homens como aconteceu já em todas aquelas épocas históricas em que certos homens decidem que os fins justificam a utilização dos meios. O veneno da takfir fez com que se chegasse a considerar que quem tivesse sequer cartão de eleitor, ao estar a ser conivente com um sistema democrático, poderia ser morto, por ser apóstata. A história está cheia de interpretações desse tipo, que visam permitir ideologicamente o homicídio de inocentes e os seus efeitos estão escritos, incluindo para os próprios agressores (como mero exemplo, veja-se em que estado ficou a Alemanha no cair do pano da Segunda Guerra Mundial). De que modo justifica Israel a morte de tantos palestinianos inocentes nos seus sucessivos bombardeamentos? De que modo justificam os Estados Unidos a invasão do Iraque, a ocupação do Afeganistão ou o bombardeamento de Bagdade na sequência da Guerra do Golfo? De que modo justificaram os homens desde sempre os danos colaterais das guerras, as vidas inocentes ceifadas?

Para Yousef e o xeque Omar estava em curso uma guerra para livrar o mundo muçulmano de todos os opressores, uma guerra que não permitia olhar a meios para atingir os fins pelo imperativo do seu objectivo maior. Enquanto se realizava em Peshawar a reunião que visava definir os princípios que regeriam a Al-Qaeda, o xeque Omar informou Yousef de todo o caldeirão de ideias que ia sendo discutido. Era acima de tudo partidário das ideias do xeque Azzam e de Bin Laden. Achava errado matar árabes, fosse por que razão fosse, de modo que desde cedo o desgostou qualquer tipo de acção próxima que passasse por golpes de estado em países islâmicos ou guerras civis fratricidas entre muçulmanos. Não, para ele a guerra deveria forçosamente passar por expulsar os infiéis dos territórios árabes com o menor derramamento possível de sangue muçulmano. A ideia que surgiu a este homem foi que a guerra devia ser trazida do mundo árabe para o mundo ocidental e isto passava por atacá-los no coração das suas civilizações. Fazer chegar a luta até eles, sem preocupação com danos colaterais e, aí sim, eram todos apóstatas. Era isto que não lhe saía da cabeça. Comungando dos ideais do xeque Azzam, o xeque Omar concordava que a próxima grande batalha devia ser a libertação da Palestina mas sentia que seria impossível lutar contra Israel dentro do estilo normal de guerras bélicas entre exércitos em que Israel seria sempre mais poderoso, ainda mais porque dispunha de um poderoso aliado: os Estados Unidos. O xeque Omar matutava e matutava e chegava sempre à conclusão que só havia uma coisa a fazer, entrar no coração da civilização ocidental e produzir aí estragos, não com um exército, mas apenas com um punhado de homens certos e de confiança. Nunca poderia ser ele a estar nas luzes da ribalta. Não poderia ter qualquer ligação com essas tentativas de levar esta guerra para o Ocidente. Nunca ninguém poderia chegar até ele. Precisava de alguém de confiança e Yousef era o homem certo para iniciar o empreendimento.

[1] Extraído do livro "Em que acreditam os Muçulmanos" de Ziauddin Sardar, Booket Publicações D. Quixote, 2007

[2] Retirado de A Torre do Desassossego de Lawrence Wright, Casa das Letras, 2007

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