Yousef (2a parte) Cap. 11

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Apesar dos constantes revezes que a legião dos afegãos-árabes sofreu nas montanhas do Nordeste do Afeganistão, a determinação do grupo manteve-se sempre inabalável. Desistir nunca foi opção. Muito menos após qualquer fiasco. Um recuo, naquelas condições inglórias, significava a mais indigna das humilhações. Era preferível a morte, o martírio. Assim, pouco mais passou do que um mês até que novo plano de batalha estivesse em marcha para nova acção a partir do Covil do Leão, desta feita com planos melhor concebidos e renovadas crenças de sucesso, ainda que, para homens como o xeque Tameem (e outros naquele acampamento), aparentemente, a morte como mártires fosse vista genuinamente como a maior das honras e, desse modo, a partir de certo ponto, a demora com os preparativos para o ataque passara a impacientar a sua alma plena de coragem e impetuosidade.

Entretanto, depois de reflectir e sob a influência do xeque Omar, Yousef deu o consentimento para que todos conhecessem no acampamento o seu recente acto de coragem e valentia. Passou então a constar entre todos que aquele rapaz tinha eliminado, sozinho, um soldado inimigo, o primeiro abatido pelo grupo. Um dos efeitos que esta informação trouxe foi a sensação geral de que o inimigo não era afinal tão forte como parecia, o que encheu os mujaedines de força e coragem. Aí estava mais uma prova de que os milagres podiam realmente acontecer naquela que era uma batalha de contornos sagrados. No próximo confronto não recuariam aqueles mujaedines com tanta facilidade! Yousef passou também a ser tido em grande apreço, esquecendo-se por completo o facto de se ter escapado com Nasser para alertar Bin Laden da investida do xeque Tameem. Se invejas e inimizades havia naquele acampamento face a Yousef, elas por ora deixaram de se fazer sentir completamente, sendo substituídas por respeito e admiração.

A 22 de Maio de 1987, deu-se novo encontro com o inimigo, numa altura em que Bin Laden, o xeque Azzam e também o xeque Omar estavam ausentes em Peshawar. O dia estava limpo. O planeamento do ataque ficou a cargo do comandante militar egípcio que Bin Laden mantinha em alta consideração e que dividiu o ataque em grupos, cada um com um líder designado, cada um com o seu objectivo e precisa linha de actuação. Contudo, e apesar de todos estes planos, logo no início do frente-a-frente com o inimigo, sucedeu ser abatido um dos líderes. Yousef achava-se no grupo mais próximo do inimigo, cujo líder era Said, outro saudita muito fiel a Bin Laden e à causa que os movia. Said chegara apenas alguns meses antes de Yousef ao acampamento e, tal como ele, havia abandonado os estudos para ir para o Afeganistão. Eram ambos muito semelhantes no idealismo e apreço praticamente incondicional por Bin Laden e até no modo de ser reservado, razão principal pela qual, até este ponto, pouco conheciam um do outro. Ambos valorizavam a solidão e o recolhimento e ambos denotavam um semblante carrancudo a maior parte do tempo. Nesse grupo de nove elementos em que seguiam neste dia guerreando, quatro companheiros ficaram feridos. Yousef foi um dos que escapou incólume.

Um dos integrantes desta operação militar teve, no entanto, neste mesmo dia, um sonho magnífico que mais tarde figuraria no relato escrito para a posteridade pelo xeque Abdullah Azzam no seu livro The Lofty Mountain (A Montanha Altaneira) sobre o decorrer destes dias em Jaji. Apesar da natural mistura entre ficção e realidade deste, assim como de todos os sonhos, assim como o facto desta obra ser efectivamente uma obra ficcional ainda que com base em acontecimentos reais históricos, este sonho é tão singular quanto precioso na forma como levanta o véu sobre o subconsciente destes mujaedines e é, por isso, merecedor de concentrada atenção e inclusão nesta obra. Segue-se a breve transcrição do sonho real de Abu Sahl Al-Misri, tal como escrita pelo próprio Azzam no seu livro The Lofty Mountain (A Montanha Altaneira):

"Abu Sahl Al-Misri, Ayman Sabri, foi martirizado mais tarde na Guerra. Foi um exemplo de confiança em Alá, paciência e verdade. Um dia antes do seu Martírio, teve um sonho no qual se via a ele próprio no meio de uma multidão à entrada dos portões do Paraíso. Havia um anjo com um registo na sua mão que ia anunciando o nome completo dos indivíduos. Então, o indivíduo anunciado aproximava-se do anjo que lhe dava um cartão e, com esse cartão, o sujeito entrava no Paraíso. Abu Sahl esperou e desesperou mas o seu nome não foi anunciado. Decidiu então que avançaria em direcção ao anjo na próxima vez que qualquer nome fosse anunciado, independentemente de ser o seu ou não. Incidentalmente, o nome seguinte que o anjo chamou foi mesmo o seu, por isso apressou-se em direcção ao anjo, pegou no seu ansiado cartão e entrou finalmente no Paraíso. Assim que entrou, vislumbrou dois irmãos. Um que havia já sofrido o seu martírio há um ano atrás e outro, Dr. Salih, que só viria a passar pelo seu Martírio dois anos após este sonho. Abu Sahl foi morto na manhã seguinte, que Alá tenha misericórdia dele."

O Milagre de YousefWhere stories live. Discover now