Yousef (2a parte) Cap. 21

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A casa tinha dois pisos e era espaçosa. Na sala onde foi recebido, Yousef conheceu a mãe e a avó de Nádia. Era de tarde. O sol lá fora irradiava um calor cada vez mais ardente mas na sala o ambiente estava agradavelmente fresco. Quando Yousef reiterou a intenção de falar com Nádia, os semblantes das mulheres tornaram-se mais carregados e houve uma breve troca de olhares cúmplices entre as duas. Se aquela Nádia correspondia à da história do velho, ela deveria receber poucas ou nenhumas visitas, pensou Yousef e resolveu contar tudo àquelas duas senhoras. Contou que era amigo de um tal Nasser que conhecera no Paquistão, como ele era um excelente rapaz em todos os sentidos e como encontrara a morte terrivelmente nas montanhas, combatendo contra os opressores soviéticos. Por esta altura as vitórias dos mujaedines eram faladas e apreciadas na Arábia Saudita e os seus combatentes vistos como heróis pela maioria da população. Contou que Nasser lhe falara na irmã e descreveu o que sabia dela através das palavras do falecido amigo. Terminou dizendo que desejava muito encontrá-la para poder ajudá-la o mais possível em virtude da grande amizade que o ligava a Nasser. Perante isto, a avó interpôs-se, dirigindo-se directamente à filha:

– É melhor deixar essa história enterrada.

Yousef insistiu. Desta vez foi ao bolso, tirou a foto de Nádia com a cara descoberta e arriscou mostrá-la à mãe e à avó.

– Esta é uma fotografia que o meu amigo guardava consigo o tempo todo durante os nossos tempos no Afeganistão. É esta a sua filha?

A mãe pegou na foto e olhou-a demoradamente. As primeiras lágrimas assomaram-lhe aos olhos. Depois virou-a, leu a inscrição por trás e então derramou um mar de sentidas lágrimas.

– Ela é muito boa rapariga, sabe – disse, entre soluços. – Mas não dá para viver neste mundo. Ela não. Nunca conseguiu sentir amor pelo marido que lhe foi arranjado. Era um bom marido mas ela nunca conseguiu amá-lo. Pior ainda, enamorou-se desse seu amigo e meteu-se numa grande alhada. Sofreu muito por causa disso. Nós também. Deus sabe o que todos sofremos nesta casa mas ela mais ainda. E eu não pude fazer nada.

Yousef não contara com aquilo. Não sabia o que fazer ou dizer. Nunca conhecera este tipo de dor que aquela mãe sentia e porque, para ele, nunca houve necessidade de fingimento, não fingiu qualquer sentimento, antes perguntou directamente:

– Posso vê-la?

– Sim, faça o que puder para ajudá-la. Ela precisa muito de ajuda e eu não sei mais o que fazer.

A mãe de Nádia apontou as escadas, sem olhar nesse sentido, e disse:

– Pode subir, segunda porta à direita.

Yousef subiu e bateu à porta do quarto. À falta de reposta ia bater de novo mas a porta abriu-se quando se preparava para o fazer. Nádia abriu-lhe a porta, olhou-o por rápidos instantes e logo baixou o olhar, afastando-se para trás da porta de modo a permitir a passagem de Yousef. Bastaram aqueles ínfimos instantes para Yousef ver o que mais queria ver, aqueles olhos azuis acinzentados, muito brilhantes. Sentou-se na beira da cama e ela numa cadeira próxima da porta, com as mãos postas nos joelhos. O corpo dela estava coberto com uma abaya preta que cobria a cabeça mas permitia ver o rosto completamente.

– Nádia, não tenho muito jeito para fazer rodeios, por isso vou directo ao assunto – disse Yousef. Ela não o encarava. – Sou amigo do Nasser.

Ao ouvir este nome ela ergueu o olhar na direcção dele e eram absolutamente deslumbrantes aqueles olhos no meio do seu rosto pálido de traços finos.

– Sim, Nádia. Foi ele quem me deu isto.

Yousef estendeu-lhe a fotografia e, depois, timidamente, perguntou:

– Importas-te de destapar a cabeça?

Nádia num gesto fino, lento e nervoso, fez como pedido. Yousef sentiu o coração acelerar e mais ainda quando lhe viu o rosto completamente, os cabelos compridos soltos, caídos pelos ombros. Era ela! E como era bela… Como aqueles traços eram mais belos do que qualquer outra mulher que já vira em toda a sua vida. Uma expressão autêntica, doce, tímida e sofrida. Teve imensa vontade de lhe tocar mas soube conter-se. Contudo o que viria a seguir faria com que tivesse ainda mais dificuldade em se dominar.

– Nádia, quero ajudar-te. Fui o último a ver Nasser em vida. Ele gostava muito de ti. Não, não está inteiramente certo o que digo. Ele amava-te. Falava de ti sempre com imenso carinho – e apeteceu a Yousef dizer que agora entendia porquê mas não disse. – Foi um guerreiro muito corajoso e um excelente amigo. Falou-me muito de ti e disse-me, entre outras coisas, que te ajudava para que frequentasses a Universidade aqui em Djeda. Quando morreu, eu quis muito poder fazer alguma coisa por ele e, como sei o quanto gostava de ti, o quanto tu eras preciosa para ele, quero ajudar-te, tal e qual como sei que ele quereria fazer se ainda fosse vivo.

Nádia entregou-se ao sentimento profundo que lhe enchia o coração e as lágrimas caíram-lhe pelo rosto. Uma vez mais Yousef não sabia como reagir mas, desta vez, ao contrário do que acontecera ao ver a mãe de Nádia chorar, tinha enorme vontade de estender a mão e de tocar o rosto de Nádia, queria muito poder enxugar-lhe as lágrimas e abraçá-la. Enquanto Yousef pensava e se continha, ela própria enxugou as lágrimas com as costas da mão.

– Diz-me em que é que te posso ajudar. Claro que te ajudarei a frequentar a Universidade mas não quero ficar por aí. Quero que me digas o que é que ele fazia por ti e fá-lo-ei exactamente da mesma forma em sua honra.

Nádia levantou-se, foi até à porta, vigiou um e o outro lado do corredor. Voltou a entrar no quarto, fechou a porta e perguntou, com os olhos húmidos e os cabelos negros soltos:

– Queres mesmo ajudar-me?

– Sim, claro que quero.

O que se passou em seguida foi totalmente inesperado para Yousef. Nádia ajoelhou-se a seus pés.

– Então leva-me daqui – suplicou-lhe ela.

– Bem sabes que isso não posso fazer. Não posso tirar uma filha da sua casa, da sua família.

– Então não podes ajudar-me. Não há nada que possas fazer por mim. Por favor, vai embora.

Nádia levantou-se, enxugou mais uma vez as lágrimas e abriu a porta.

– Por favor, sai.

– Nádia… quero ajudar-te. De verdade.

– Se queres mesmo ajudar-me já sabes o que fazer. Agora sai.

Yousef fixou-a por alguns segundos e acabou por sair do quarto com um enorme aperto no coração. Dias depois deixava a sua cidade natal.

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⏰ Last updated: Feb 06, 2015 ⏰

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O Milagre de YousefWhere stories live. Discover now