Yousef (2a parte) Cap. 20

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Sabia onde morava Nasser. O bairro e a rua, pelo menos. Lembrava-se de ele lho ter dito numa conversa banal que tiveram pouco tempo depois de terem ido juntos à pequena povoação de Jaji, nas montanhas do Afeganistão, para comunicar a Bin Laden que o xeque Tameem planeava uma investida a um posto avançado soviético sem a sua autorização. Bem vestido, com roupas novas, cabelo e barba aparados, Yousef meteu-se no táxi à porta do hotel em direcção aos arredores de Djeda em busca do endereço de Nasser. O taxista conhecia a rua e levou-o até lá sem problemas. Uma vez chegados, o taxista dispôs-se a fazer perguntas por ali sobre os irmãos Nasser e Nádia. Saiu do táxi e dirigiu-se a um homem idoso, com uma barba muito branca e sulcos bem vincados no rosto que caminhava encurvado com o amparo de uma bengala. Yousef observou a conversa entre os dois pelo vidro da janela do táxi até que, por fim, o taxista agradeceu as informações e voltou para o carro.

- Parece-me que não tivemos sorte. Terei de perguntar a outra pessoa.

- Como assim? A conversa durou algum tempo... O que é que ele lhe disse?

- Começou por me dizer que não sabia quem era esse Nasser mas quando lhe perguntei pela irmã, disse que realmente conhecia uma moça chamada Nádia exactamente assim, como me disse, com uns olhos azuis acinzentados muito cintilantes como os de um gato. Disse-me que se for a pessoa que está a pensar, mora já ali à frente no final desta rua e indicou-me a casa.

- Deve ser ela! Porque é que diz que não tivemos sorte?

- Porque a seguir ele disse-me que essa Nádia não tem nenhum irmão no estrangeiro que ele saiba e que nenhum dos irmãos se chama Nasser. Os irmãos dela são todos mais novos e andam na escola aqui perto, tanto quanto ele sabe. O velho diz que conhece bem a família dela. Confidenciou-me que ela não é muito bem vista no bairro e deixou escapar que acha que ela dificilmente se casará algum dia porque tem péssima fama.

- Será outra Nádia então. Outra com olhos azuis acinzentados. A que nós procuramos é irmã do Nasser. E quanto a ele, nenhuma pista?

- Quanto a ele, o velho diz que a descrição é muito vaga e não nos pode ajudar.

- Quer que o leve à casa desta Nádia ou que faça mais perguntas por aí? Sabe que o meu tempo é precioso, para mim tempo é dinheiro e... bom, um homem tem que olhar pela sua vida...

- Mas já te dei o dobro do que vale esta viagem para pagar o teu tempo!

O taxista empertigou-se. Yousef não estava para se aborrecer com pormenores. Precisava de pensar. O taxista estendeu os braços sobre o volante e olhou em frente impaciente.

- O que me deu é um bom dinheiro para o que fizemos até aqui. Para andar por aí a fazer mais perguntas ou para o levar até à casa que o velho me indicou, é pouco.

Yousef, rápido como um relâmpago, agarrou-o pelos colarinhos.

- Ouve - disse-lhe com a cara já colada à dele. - Estás a meter-te com a pessoa errada. - Mas, de súbito, Yousef lembrou-se que, na sua actual situação, não devia arranjar problemas nem atrair atenções sobre si. Recompôs-se e largou o sujeito, depois foi à carteira e retirou uma nota gorda. - Eis o que vais fazer: vais esperar aqui por mim enquanto vou lá fora falar com o velho. Quando voltar receberás mais isto que vês aqui na minha mão e levas-me onde for preciso. Estamos compreendidos?

- Estou às suas ordens.

- Ainda bem.

- Falando é que a gente se entende - disse o taxista enquanto Yousef saía do carro.

Yousef aproximou-se do homem e cumprimentou-o respeitosamente mas ele retraiu-se.

- Já disse tudo o que sabia ao taxista.

- Não se preocupe, não lhe vou fazer mal. Aquilo ali dentro do táxi foi só uma negociação. Sabe como são os taxistas às vezes, danados para negociar.

- Hum...

- Só lhe quero fazer uma pergunta. Disse que conhece uma rapariga de olhos azuis acinzentados, chamada Nádia, mas que essa rapariga não tem nenhum irmão que esteja no estrangeiro.

- Sim, já disse tudo o que sabia sobre essa rapariga.

- Então diga-me o seguinte: por acaso, não conhece aqui um rapaz que tenha ido para o Paquistão ou para o Afeganistão, ou de quem se fale que possa ter ido para lá, ajudar a combater ao lado dos mujaedines?

O velho olhou-o desconfiado. As linhas do rosto endureceram-se-lhe.

- Quem é você?

- Um amigo. Conhecemo-nos no Paquistão - inventou. - E ele pediu-me que encontrasse a sua irmã e lhe entregasse uma mensagem muito importante. Eu prometi-lhe que a encontraria. Jurei, entende?

- Hum...

- Vá lá ajude-me a encontrar a família dele.

O velho olhou Yousef bem nos olhos, ponderando.

- Por Deus, espero estar a fazer a coisa certa... vou contar-lhe uma história. Aqui na rua as pessoas falam, entende? E nem sempre a gente sabe até que ponto certas coisas são verdade ou apenas mexericos... bom, a verdade é que essa moça de quem lhe falei e que corresponde à sua descrição não é nada bem vista aqui no bairro e dificilmente arranjará casamento. É um caso muito complicado para a própria família. Tem-se safado de ser castigada ainda mais severamente por ser filha de quem é e, porque os pais, apesar de não serem muito ricos, têm muito boas ligações com a família real.

- E o que é que isso tem a ver com o meu amigo? Essa rapariga não tem nenhum irmão no estrangeiro, só tem irmãos pequenos, logo não é irmã do meu amigo e portanto não estou a ver o que tem a ver ao caso.

- Quer ouvir ou não o que tenho a dizer? Logo me dirá se tem ou não a ver. Bom, o seu amigo esteve no Paquistão e no Afeganistão a lutar contra os soviéticos ao lado dos mujaedines, certo? Pois bem, essa moça tinha um belo casamento arranjado com um rapaz de boas famílias, um óptimo partido mas, infelizmente, deixou-se envolver com outro rapaz aqui do bairro. O nome desse outro rapaz era Nasser. Exactamente o mesmo que me deu. Ao que se diz, o rapaz com quem ela tinha casamento arranjado, viu-a, um certo dia, beijando Nasser. A partir daí, o caso começou a ser falado e ela ficou naturalmente com péssima fama. Cancelou-se o casamento. O pai parece que castigou a rapariga brutalmente, assim procurando evitar um julgamento em praça pública bem como uma mancha ainda maior na sua honra e na da família. Coitado do pai, ela provocou-lhe um enorme desgosto e um grande dano ao seu bom nome! O noivo traído acabou por abandonar o assunto. Não se sabe ao certo que negociata terá feito com o pai da Nádia ou se terá sido a própria família real a qualquer nível a intervir para que o caso ficasse sanado. O certo é que esse Nasser desapareceu logo depois de se saber disso e, ao que se diz, terá ido para o Paquistão ou para o Afeganistão, lutar contra os soviéticos, talvez como forma de se castigar a si próprio e fugir de tudo.

- Que história...

- Pois é a história que tenho para lhe contar. Se quiser tirar a limpo se essa moça é realmente a Nádia que procura pois então basta ir até casa dela e conversar com ela. É já ali ao fundo da rua, aquela casa de dois pisos mesmo em frente daquela árvore. Está a ver lá ao fundo? - O homem apontou para o local. - Mais não lhe posso dizer e, por Deus, não mencione que lhe disse seja o que for.

Yousef foi à carteira e tirou uma nota que deu ao velho.

- Tome. Pelo seu tempo - e depois gritou para o taxista que se encontrava ao volante: - Já não vou precisar mais dos seus serviços. Pode seguir viagem.

- Então e o meu dinheiro?

- O seu dinheiro? Já não é mais o seu dinheiro.

- Boa sorte - gritou o velho e Yousef meteu pernas ao caminho.

O Milagre de YousefNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ