Regresso (1a parte) Cap. 5

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09.50h

Num impulso, Yousef corre atrás do automóvel dos sequestradores mas, inevitavelmente, a correria acaba por se revelar um esforço puramente inglório. A Praça Taksim, com todo o seu fervilhar constante, parece a Yousef, naquele instante, o lugar mais solitário do mundo. Olhando em redor vislumbra então, destacados naquele cenário urbano, um conjunto de táxis amarelos, típicos de Istambul. Dirige-se imediatamente para um deles. O taxista que aborda é um rapaz nitidamente novo mas com calvície frontal avançada. Yousef entra para o lugar do passageiro e, acto contínuo, tira da carteira um molho de notas, ao mesmo tempo que ordena ao taxista, apontando com urgência, que arranque de imediato pela Siraselviler Caddesi, a rua por onde desapareceu o automóvel preto. Repete claramente a palavra rápido em turco.

- Estamos com pressa? Pois muito bem, aqui vamos - o condutor coloca sobre o rosto moreno uns óculos escuros que retira do bolso da camisa e arranca.

Sobre o tablier pode ver-se a identificação do taxista onde consta o nome Ahmet Sepetcioglu ao lado da respectiva fotografia. O táxi tem um ar limpo e arrumado. Pendurada no retrovisor, há uma substância odorífera que espalha um cheiro enjoativo forte no interior do carro.

Ao cabo de escassos quarteirões, em que o taxista desenvolve um ritmo de condução frenético e típico dos táxis de Istambul, aproveitando qualquer buraco ínfimo para ali se enfiar e serpentear o trânsito, Yousef avista o alvo, o carro preto onde Nefise segue raptada. Ele próprio já levou a cabo sequestros como aquele e sabe que, do ponto de vista dos sequestradores, dependendo do propósito que esteja por trás do acto e do grau de iminência dos sequestradores serem apanhados, a solução mais óbvia para escapar sem assumir graves compromissos, consiste em eliminar o elo mais fraco, o sequestrado, e abandonar o corpo em parte incerta, para depois desaparecer sem deixar rasto. Ou, no caso dos mais radicais ideais estarem por trás do sequestro (como foi o caso dos sequestros que Yousef já perpetrou) há sempre em mente a mais louca das soluções: explodirem-se todos num suicídio que a todos coloca acima das leis da Terra e a caminho da eternidade. Ora, Yousef não está disposto a arriscar nem um fio de cabelo que seja de Nefise.

- Devagar agora, Ahmet. Temos de seguir este carro preto sem nos aproximarmos muito. Não podemos ser vistos. Consegue fazer isso?

- No trânsito de Istambul a esta hora, duvido muito que alguém consiga notar se é seguido ou não. Além disso, nós, os taxistas, somos donos destas ruas.

Dito isto, surge um outro táxi no sentido contrário. Ahmet apita, põe a cabeça fora da janela e acena jovialmente ao seu colega:

- Merhaba! Ne var ne yok?

O outro responde mas os carros que estão atrás, forçados a abrandar, desatam a buzinar demonstrando abertamente o seu desagrado. Os dois taxistas despedem-se e Ahmet encara de novo a estrada, como se nada fosse, de sorriso nos lábios. As colunas do carro debitam a música pop turca na voz de Mustafá Sandal.

- Gosta de Mustafá Sandal? - pergunta o taxista, apontando com o dedo para cima, como se perguntasse sobre a qualidade do ar.

- A ideia é seguir o carro sem sermos vistos! Que parte da frase sem sermos vistos é que não entendeu?

O sorriso evapora-se dos lábios de Ahmet.

- Não estou a brincar, Ahmet. A pessoa mais importante da minha vida vai naquele carro e se souberem que estou a segui-la, matam-na. Se isso lhe acontece por sua causa imagine o que lhe vou fazer! Agora, será que é capaz de não buzinar mais durante o resto do trajecto que lhe estou a pagar?

- Ok - responde um Ahmet resignado mas agora sisudo. - Estava só a tentar fazer conversa - mas, após uma curta pausa, retoma a conversa: - Já vi que não é turco pelo seu sotaque.

- Não faça conversa, concentre-se. Não. Sou da Arábia Saudita mas renasci aqui na Turquia, portanto também me considero um pouco turco.

Ahmet franze o sobrolho.

- Com que então saudita?

- Concentre-se no que está a fazer.

- Fala muito bem turco.

- Atenção! Estão a virar ali à frente.

- Não se preocupe. Vão para a parte velha. Estão a dirigir-se para Fatih pela ponte Gálata. Estou em cima da situação.

A ponte Gálata surge de repente, fulminante, assim como as mesquitas milenares esplendorosas erguendo-se da margem oposta do Bósforo em direcção ao céu, semeadas no meio do casario. Na margem oposta, reside a primeira Istambul como os turcos gostam de chamar àquela pequena península onde se situa a zona histórica da cidade com as suas mais famosas mesquitas, como Hagia Sophia, considerada a oitava maravilha do mundo, senhora de uma arquitectura muito avançada para o seu tempo, ou a Mesquita Azul, outro pólo de atracção de milhões de turistas durante o ano inteiro. Isto, numa cidade com mais de duas mil mesquitas plantadas em terreno histórico.

Terminada a música de Mustafá Sandal, uma voz feminina toma agora conta do espaço radiofónico, entoando em inglês algumas músicas de ritmo marcadamente latino-americano. Tanto o taxista como Yousef já escutaram esta voz antes, já que é famosa a nível mundial. Entrecortando a própria música, o locutor anuncia:

Mercedes Soler, grande intérprete latino-americana apresenta-se ao público turco num espectáculo memorável e imperdível na Arena Kurucesme de Istambul, dia 28 de Setembro, pelas 22 horas! Venha bailar e sentir o calor dos trópicos com a música sensual de Mercedes Soler!

O Milagre de YousefWhere stories live. Discover now