O Desassossego da Alma

By fIawIess

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Submersa na monotonia, Charlotte decide fazer as malas e começar a sua vida num outro país, no qual pudesse r... More

O Desassossego da Alma
002 - Entrevista
003 - Solidão
004 - Experiências
005 - O dia seguinte
006 - Decisões
007 - Olhares
008 - Silêncio
009 - Apatia
010 - Exasperado
011 - Probabilidades
012- Sufoco
013- Ansiedade
014 - Contacto
015- Relações
016- Convívio
017- Noite
018 - Borboleta
019 - Chuva

001 - Música e Vinho Tinto

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By fIawIess

Nua.

Fora a primeira palavra que Charlotte usara para descrever o espaço que a iria acolher durante o próximo ano. A desilusão preencheu-a, uma vez comparando o apartamento com as bonitas, ainda que manipuladas, fotografias do mesmo, que vira no site online. Todavia, rapidamente, o seu sentimento se desvaneceu, e os seus olhos se deslumbraram, quando a senhoria do apartamento arredou as cortinas e deixou a bonita vista entrar no espaço, preenchendo-o.

Paris.

Poderia alguma vez esta vista perder o encanto? Charlotte, com um sorriso inquebrável, questionava-se, enquanto se ia aproximando, cautelosamente da janela, incrédula com o que tinha à sua frente. O ranger da madeira ecoava pela sala à medida que a rapariga britânica se aproximava, mas ela parecia nem prestar atenção a esse pormenor. O sentimento era irrefutável, sentia a sua barriga inquieta, quase como se borboletas voassem dentro de si. As suas pernas tremiam e ela ia mordiscando o seu lábio inferior, só para ter a certeza de que aquilo que tinha perante ela era, realmente, a realidade. E era.

- Vejo que está agradada. Vou deixar as suas chaves em cima da mesa de jantar. – A senhora comentou de uma forma muito rápida, algo que fez com que Charlotte parasse, numa tentativa de processar informação. Malditos franceses, mais a sua mania de comerem as palavras!

- Obrigada.

- Qualquer coisa que precise, esteja à vontade para me contactar.

O silêncio instalou-se na sala quando a porta da entrada se fechou. Charlotte inspirou fundo logo após abrir a janela, inspirando o ar parisiense. O seu coração enchera-se com a arquitetura daquela cidade magnifica, um campo ao qual ela não conseguia ignorar. A rapariga dos cabelos curtos e lábios encarnados não passava de uma britânica, cheia de brilho, na cidade das luzes. Com mestrado em Arquitetura, Charlotte não podia ter pensado noutro sítio além de Paris para começar a sua vida. Não só tentada pela oportunidade promissora de sucesso, mas também com o objetivo de se distanciar, de começar do zero.

O seu olhar curioso percorreu cada canto daquele novo e, por enquanto, ainda estranho, ambiente, procurando peculiaridades. Tudo parecia estar no seu devido sítio, tudo parecia ter um lugar exceto o sofá, que se encontrava encostado à parede, virado para o exterior. Seguido isto, Charlotte notou logo a ausência de uma televisão, algo a que ela estava tão habituada. Não pôde, também, deixar de reparar num gira-discos azul, pousado em cima de uma mesa de madeira, mesmo ao lado de uma pequena planta. Charlotte sabia que estava a dividir a casa com outra pessoa, até porque os imobiliários em Paris tinham preços que não eram para todos os bolsos. No entanto, isso não a impediu de se sentar no chão e percorrer cada vinil com os seus dedos, de uma forma muito delicada e cuidadosa, como se de um tesouro se tratasse. E decerto que deveria ser, pois nunca tinha visto uma coleção tão grande e com tantos cantores conhecidos. Alguns ela nem sequer tinha ouvido falar, mas isso não a desanimava, só a fazia admirar ainda mais.

Os seus dedos pararam num disco de capa escura com a cara de uma mulher. Todos as outras capas se encontravam imaculadas à exceção desta que tinha algumas marcas de uso nas suas bordas. Charlotte reconhecera a cantora e delicadamente, com um sorriso auspicioso, pousou a agulha no disco, ouvindo o seu ruído inicial e tão nostálgico. E, por fim, Edith Piaf.

.

Ainda com algum custo, Charlotte levou as suas malas para o quarto que a senhoria tinha indicado ser o seu. O mesmo encontrara-se fechado à chave e ela agradeceu haver uma chave que lhe desse alguma sensação de privacidade visto que nunca havia partilhado uma casa. Por sua vontade, ela estaria a viver sozinha num apartamento igual àquele e entristecia-a a falta de oferta a um preço acessível para esse sonho se concretizar. Charlotte queria a sua privacidade, queria sentir-se à vontade, andar pela casa de lingerie, trazer quem bem lhe entendesse a casa sem sentir que se está a intrometer na liberdade da outra pessoa. Mas, por enquanto, isso ainda não era possível.

Após acabar de arrumar a roupa e de fazer a cama, Charlotte sentia-se tão cansada e suada de tanto se agachar e levantar que perdera toda a vontade de ainda ir passear pelos arredores. Tudo o que Charlotte queria naquele momento era sentar-se perto da janela, com um copo de vinho tinto e um cigarro. Mas nem o vinho tinha.

A britânica só rejuvenesceu quando a água quente entrou em contacto com o seu corpo. Os seus olhos fecharam-se com a pressão da mesma e o seu cabelo curto e ondulado, rapidamente se alisou e se conformou na sua cara. Baixinho, murmurava a última música que tinha ouvido de Edith Piaf, La Foule, ainda que sem pronunciar a letra pois ela sabia de que não iria sair correto.

Charlotte enrola a sua toalha à volta do corpo e, cuidadosamente abre a porta, já antecipando a diferença de temperatura que ia sentir. Os seus cabelos molhados já começavam a ganhar o seu habitual volume e forma, porém ainda pingavam algumas gotas de água, tanto para a toalha como para o chão de azulejo. A sua pele arrepia-se com o abrir da porta e o seu corpo estremece com o susto uma voz grave, inesperada, vinda de trás.

- Bem-vinda.

O seu olhar arregalou-se e, como primeira reação, olhou para si mesma, para se assegurar de que estava bem tapada. Um pequeno sorriso transpareceu no seu rosto, ainda que meio nervoso pois não era assim que ela tencionava a aparecer em frente da pessoa com quem ia dividir a casa.

- Pois, olá! – disse finalmente, meia reticente, quando se virou para o rapaz. – Desculpa, esta não é a melhor forma de me apresentar, mas é que estive a arrumar tudo e precisava mesmo de um banho! – Explicou-se ela, em inglês, pois não tinha conseguido processar aquela informação a tempo de a traduzir.

- Britanique... - expões com um sorriso curioso no seu rosto. - Não te preocupes com isso.

- Vamos só começar de novo. Eu vou vestir algo e-

- Como quiseres. Eu gosto de apresentações atípicas.

Charlotte não tinha a certeza se ela naquela figura seria uma razão para ser relembrada, mas não era como se ela pudesse fazer alguma coisa quanto a isso. O momento já tinha acontecido.

- Certo, então até já.

Antes de virar costas analisou o rapaz com quem iria dividir o apartamento. Os seus cabelos escuros tocavam no seu rosto e, de braços cruzados, encostado confortavelmente no balcão da cozinha, não retirara o sorriso do rosto. Parecia divertido com o acontecimento, algo que de certa forma a incomodou. Não por ele, mas por ela, pois ela pensou que numa situação contrária também ela acharia cómica a situação de, do nada, ver um desconhecido a sair da sua casa de banho só em toalha. Enfim.

Para não perder tempo, Charlotte retirou o primeiro vestido que os seus olhos avistaram no armário. Passou novamente a toalha pelos seus curtos e escuros cabelos, antes de se olhar ao espelho. Queria transmitir uma boa imagem, estar apresentável pois pelo menos durante um ano tinha de permanecer naquela casa e o ambiente tinha de ser bom para a coexistência. Gentilmente, abre a porta do seu quarto e dirige-se para a divisão comum onde pode observar o seu companheiro de casa a ler pacificamente o jornal. Porém, mal a sua presença é sentida, os seus olhos logo se colocam nela.

- Bem, no meio daquela trapalhada toda eu nem me apresentei, desculpa. Sou a Charlotte. Allen.

- Thomás, Moreau.

O silêncio instalou-se na sala, deixando a Charlotte sem saber muito bem o que fazer ou para onde se dirigir. Ela queria fumar ou, então, admirar a vista do seu apartamento do terceiro andar. Porém, sentia-se imobilizada, devido à falta de à vontade que ainda sentia naquela casa e perante aquele estranho. Felizmente ele interrompeu o silêncio.

- Estou a pensar mandar vir uma pizza, queres que mande vir também para ti? – Charlotte não compreendeu bem o francês. O rapaz, apercebendo-se de imediato da situação, voltou a repetir a questão, mas, desta vez, em inglês.

Os olhos de Charlotte brilharam com a ideia de não ter de ainda ir cozinhar. Ela estava, claramente, esgotada. Os seus cabelos abanaram ligeiramente com o seu assentir da cabeça e, de repente, viu ali a oportunidade de concretizar as suas vontades do momento.

- Se puderes, manda também vir uma garrafa de vinho.

- Branco ou tinto?

Os seus olhos voltaram a cair nela e, por breves instantes sentiu-se a ser testada.

- Tinto.

Charlotte observou Thomás, mas ele não lhe respondeu de volta. Ela queria perguntar se ele sempre iria mandar vir o vinho ou alertá-lo para não se esquecer, mas não quis ser um incomodo ou insistente.

- Já agora, és alérgica a gatos?

- Não... Mas porquê a questão? – inquiriu, verdadeiramente intrigada.

- Bem, a senhoria avisou-me de que ias mudar para cá hoje e, com medo que ela visse, ou que fosses alérgica, decidi fechar o Lucifer no meu quarto. Eu gostava de o deixar vir para aqui, mas queria antes saber como te sentias sobre isso.

- Claro que podes! Eu adoro gatos. – admitiu, genuinamente agrada.

- Interessante... Ele não vai gostar de ti.

Fora como um pontapé no estomago para Charlotte. Sentiu-se ofendida pois não sabia até que ponto é que ele estaria a gozar ou a falar a sério. Imaginou até que aquilo seria uma indireta para ela, em relação a como ele se estava a sentir. Ansiedade.

- Oh, não leves isto tão a peito. Ele não gosta de ninguém, na verdade.

E assim foi. Thomás estava certo. Aquele gato tinha tanto de bonito como de antipático. A rapariga de cabelos curtos nunca havia visto um gato tão preto e tão perfeito, porém, o animal simplesmente ignorava a sua presença, à exceção de quando ela se tentava aproximar. Aí ele fugia para bem longe.

Após a encomenda do jantar estar feita, Charlotte dirigiu-se para o seu quarto falar com os seus pais. A vontade de falar com eles não era muita naquele momento, pois sentia que estava a ser bombardeada com questões e mais questões. Charlotte teve que explicar, detalhadamente a viagem, mostrar o seu quarto, mostrar a vista e, em apenas dez minutos de conversa, ela já se começava a sentir impaciente. Conseguiu, por fim, desligar, quando a conversa já se começou a desviar para "notícias" alheias (algo que ela odiava), mentindo que tinha de ir jantar.

Quando saiu do quarto reparou num copo de vinho tinto em cima da mesa, ao qual supôs ser para ela, visto que Thomás já estava a segurar num. Distraído, com os seus olhos na paisagem, Charlotte pode admirá-lo quase como uma primeira vez, sem pressão. Ele era realmente atraente. A sua pele pálida, os seus cabelos negros e lisos, o seu rosto delgado e definido. Rapidamente os seus pensamentos se interromperam quando a sua voz ecoa pela divisão.

- Bordeaux. 1934.

Soa a vinho caro.

As suas mãos magras e delgadas pegam no copo que lhe destinava e os seus olhos arregalam-se, admirada com o sabor do mesmo. Um travo a madeira fazia-se sentir e Charlotte jurou que nunca havia bebido nada assim. Apesar de gostar de vinhos, não se podia considerar uma admiradora pois nunca tinha gasto mais do que 20 libras num vinho.

- Que tal?

- É realmente incrível.

Thomás sorriu, quase como se já esperasse essa resposta. A verdade é que não havia como negar tal aspeto. As suas mãos passaram no seu cabelo, ainda ligeiramente húmido, e ela dirigiu-se para perto do rapaz alto, encaminhando-se até à varanda.

- Espero que não te importes que fume.

Thomás voltou a sorrir. Sorria demasiado para o estereotipo de um francês.

- Só se me deres um. Troca por troca?

Charlotte achou uma boa troca para o seu lado. Vinho caro por um cigarro.

O fumo ia-se dissipando nos ares de Paris e, desde que ali chegaram e ela sentiu-se pela primeira vez em casa. É certo que a presença de outra pessoa ainda a intimidava e a desafiava à habituação, mas, naquele momento, todas as suas preocupações e questões desapareceram. Era, finalmente, o momento para relaxar e aproveitar.

Os seus olhos fecharam-se e um suspiro saiu por entre os seus lábios.

- Uau, gostas mesmo de fumar.

Charlotte riu-se, notando o seu tom piadético no seu comentário.

- Acho que só agora cai na realidade.

.

O jantar fora um momento agradável. As pizzas estavam deliciosas e livraram também a trabalheira de lavar a loiça. Thomás e Charlotte tiveram uma conversa agradável durante a refeição sobre a vida parisiense, sobre a sua má pronuncia e sobre a vida em Manchester, em comparação. Mal o seu corpo se deitou na cama um grande sorriso esboçou-se no rosto. Ela estava extremamente cansada, mas a agitação do dia impedia-a de adormecer. Momentos bons do dia iam sendo recordados, impedindo o seu sorriso de desvanecer. Iria ser o começo de algo grande. Ela tinha a certeza.


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Aqui está a minha nova história, estou muito entusiasmada com ela!! Já tenho tudo planeado e mal posso esperar por avançar com ela!!

Digam o que acharam deste primeiro capítulo <3 votem e comentem para eu ficar muito feliz <33

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