As nuvens frias e cinzentas pairavam no céu naquela manhã de quinta-feira no castelo, forçando os estudantes a retirarem os cachecóis e os suéteres bordados de seus armários. A brisa rodopiava sobre os flavescestes fios de cabelo da garota da Lufa-lufa, enquanto ela atravessava a entrada do saguão.
A aula de Adivinhação começaria em menos de quinze minutos e a viagem pelo castelo até a Torre Norte era longa. Seis anos na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts haviam ensinado que se você não quisesse um atraso em Adivinhação, era necessário caminhar em direção à Torre Norte um bom tempo antes do início da aula.
Quando parou no meio do caminho para recuperar o fôlego, os olhos da lufana foram cobertos por uma mão gélida. Ela ouviu uma risada genuína e um sorriso cruzou o canto de seus lábios ao reconhecer o melhor amigo da Corvinal.
— Sinto muito, mas não vou me atrasar por sua causa — ela riu.
— Não fale como se você fosse uma pessoa que se importa com os atrasos — Liam alfinetou e afastou a mão dos olhos dela. — Aula de Adivinhação?
— Sim — ofegou a menina. — Poderia ter um atalho. É cansativo demais andar todo esse caminho.
— Eu conheço um caminho mais rápido.
— Qual é a probabilidade desse caminho acabar nos atrasando?
— Zero a dez? — Liam mordeu o lábio, pensativo. — Sete.
— Eu morro durante o caminho, mas não me atraso para mais nenhuma aula — Ellie descartou a opção do melhor amigo, soltando um riso fraco.
— A professora costuma atrasar mais do que os alunos — o jovem da Corvinal deu de ombros. — Mas tudo bem. É você quem manda.
Ofegando ruidosamente, Ellie e Liam subiram os estreitos degraus em caracol, sentindo-se cada vez mais tontos e exaustos, até que finalmente perceberam que tinham chegado à sala de aula.
Os garotos subiram os últimos degraus e chegaram a um minúsculo patamar, onde a maioria dos colegas já estava reunida. O alçapão se abriu inesperadamente e uma escada prateada chegou aos seus pés.
— Primeiro as damas — disse Liam com um sorriso no rosto, e Ellie subiu a escada.
Aquele, sem dúvidas, era a sala de aula mais esquisita que a menina já havia visto por todo o castelo. Nem ao menos parecia uma sala de aula, mas uma cruza de sótão com salão de chá antigo. Havia vinte mesinhas circulares juntas, rodeadas por cadeiras forradas e pequenos pufes estufados.
— Eu disse que não precisava se preocupar com atraso — Liam lembrou as suas palavras. — Nós até chegamos antes da professora.
— É o que você pensa — Ellie inclinou a cabeça em direção a uma figura escondida em um canto escuro da sala de aula.
Uma voz saiu subitamente das sombras, uma voz suave, meio etérea.
— Sejam bem-vindos.
— Por que eu tenho a impressão de que ela parece um vagalume? — Liam comentou em um tom de voz muito baixo.
— Diga isso mais alto e ela vai prever a sua morte de propósito — a lufana zombou.
A professora Pandora Trelawney saiu das sombras e, à luz da lareira, podia-se ver que era uma mulher muito magra, os óculos imensos aumentavam os seus olhos várias vezes, e ela vestia um xale diáfano, salpicado de lantejoulas. Em volta do pescoço fino, usava colares de contas, e os seus braços e mãos estavam cobertos de pulseiras e anéis, como de costume.
— Sentem-se, crianças — disse, e todos subiram desajeitados nas cadeiras ou se afundaram nos pufes.
Ellie e Liam se sentaram juntos a uma mesa redonda nas cadeiras que não haviam sido ocupadas por uma estudante da Corvinal. A lufana não a conhecia bem, mas sabia que a jovem se chamava Jasmine Porter.
— Hoje iremos interpretar as névoas formadas pelas bolas de cristal, comparando-as com as das páginas cinco e seis dos seus livros — a bruxa explicou.
— Se depender do seu livro, a gente vai ter aula de Runas Antigas — Ellie ironizou, apontando para a caligrafia confusa de Liam. — Já pensou em fazer um curso de caligrafia?
— Cala a boca — ele abafou uma risada.
A lufana fez menção de se levantar de sua cadeira, mas antes de caminhar até a prateleira repleta por bolas de cristal, a voz da professora chegou até os seus ouvidos como uma espécie de alerta.
— Por favor, querida, se não quiser nada quebrado, escolha uma bola de cristal mais ao fundo da prateleira.
— Quem disse que eu vou quebrar alguma coisa? — a garota resmungou.
Ellie mal chegara à prateleira no canto da sala de aula quando se ouviu um tilintar forte que se quebrava no chão. A professora deslizou até ela levando uma pá e uma escova para recolher os pedaços de quartzo que restaram da bola de cristal.
— Ela disse — Liam ironizou, segurando o objeto em um de seus braços e levando até a pequena mesa. — Bem que essa bola de cristal poderia dizer que eu vou ficar rico em uma semana.
Os dois amigos se acomodaram de volta em suas cadeiras, levando a atenção para as páginas referentes às névoas que possivelmente poderiam aparecer nas bolas de cristal.
— Agora que já estão na metade do caminho, cada um de vocês verá o destino dos seus companheiros de mesa — a professora Pandora correu os seus olhos para cada um dos seus alunos.
— Certo — disse Ellie depois de analisar atentamente as páginas do livro. — Se o meu futuro for ruim, eu não quero que vocês me digam nada sobre ele. Eu não quero me desesperar antecipadamente.
— Jasmine vai achar que você é a pessoa mais dramática do mundo — Liam encarou a sua colega de casa.
— É porque ela não conheceu o garoto que eu chamo de namorado — caçoou a lufana. — E o melhor amigo dele também.
— Abram as suas mentes, meus queridos, e deixem os olhos verem além do que é mundano! — gritou a mulher na penumbra.
— Eu não consigo me concentrar com ela falando alto desse jeito — Jasmine cochichou e causou a risada dos outros dois alunos ao seu lado.
— Vamos começar vendo o seu futuro — Liam apontou para a melhor amiga e deu um sorriso maroto.
Ele concentrou os olhos acastanhados nas névoas da bola de cristal na frente da menina da Lufa-lufa.
— Tem uma criança — Liam ergueu uma sobrancelha. — É você segurando uma criança. Tem outra pessoa do seu lado, mas não consigo identificar quem é essa pessoa. Provavelmente é o seu namorado.
As bochechas pálidas da menina carminaram com a revelação da névoa. Liam e Jasmine se entreolharam e riram com a sua reação.
— Eu vejo agora — a jovem da Lufa-lufa se aproximou da bola de cristal de Liam e firmou a sua vista diante do artefato mágico.
Ellie tentou se concentrar diante das exclamações da professora de Adivinhação e da fumaça intensamente perfumada da sala que a deixava um tanto sonolenta e cansada. A menina encarou a névoa na bola de cristal e viu a sombra de um homem sendo atingido pelas costas por uma luz esverdeada.
Ela estremeceu na cadeira e encarou Liam com uma preocupação evidente em seus olhos cerúleos.
— Viu um fantasma no meu futuro? — Liam indagou, curioso.
— Não — ela balançou a cabeça em sinal de negação. — Eu vi alguém sendo atingido por um feitiço, mas não consegui visualizar o rosto da pessoa.
A professora Pandora Trelawney se virou com os olhos atentos quando ouviu as palavras de sua aluna do sexto ano.
— Deixe-me ver isso, querida — disse ela em um tom calmo, aproximando-se em um ímpeto da bola de cristal.
Todos os estudantes na sala de aula se calaram para prestar atenção na mulher. A professora examinou a esfera mágica e levou as mãos até a boca.
— Este certamente não é um futuro promissor — ela comentou, voltando-se para Liam. — É preciso ter muita atenção, querido, o perigo pode estar caminhando lado a lado.
O rosto vívido de Liam tornou-se pálido assim que ouviu as explicações da professora de Adivinhação. Ele sentiu o estômago afundar com a preocupação estampada nos rostos da maioria das pessoas presentes.
— Nunca se sabe se é verdade mesmo — Ellie tentou tranquilizá-lo e colocou a mão sobre o braço do amigo. — Eu não acredito nessas coisas.
— Ela previu que você iria quebrar uma bola de cristal — Liam sussurrou.
— É bem mais fácil do que prever que alguém está em perigo — Jasmine comentou e a lufana concordou com ela. — Alguém quer ver o que o futuro me aguarda?
A mudança de assunto por parte de Jasmine Porter fez o clima de tensão na mesa redonda mudar escassamente.
— Eu vejo dessa vez — Liam fixou os olhos preocupados na bola de cristal da colega e analisou atentamente por um minuto. — Estou vendo um braço machucado. Parecem cicatrizes recentes.
A corvina automaticamente encarou o tecido do uniforme sobre o seu braço direito e abaixou o olhar visivelmente tenso após a revelação de sua névoa. Ela se levantou de sua cadeira em um súbito e correu para fora da sala de aula.
— O que houve? — perguntou a professora, assustada com a saída repentina da jovem.
— Eu vou ver se ela está bem — Ellie avisou, apontando para a saída da sala de aula.
Antes mesmo do início dos protestos da professora Pandora Trelawney, a lufana desceu as escadas em formato de caracol e avistou a figura de Jasmine sentada nos últimos degraus. Ela se aproximou cuidadosamente, sentando-se ao lado da estudante da Corvinal.
Jasmine ergueu os olhos melancólicos e úmidos assim que percebeu a presença da garota no término das escadas.
— Eu vou ficar aqui com você, mesmo que não conte nada sobre as cicatrizes — Ellie quebrou o silêncio entre elas. — Mas se você quiser alguém para conversar, eu vou estar aqui, mesmo que não nos falamos muito.
— Obrigada — Jasmine forçou um sorriso em meio às lágrimas. — Você é muito gentil.
— É assim que devemos tratar as pessoas, independentemente de qualquer coisa — ela sorriu, ajeitando-se no degrau.
Uma nova onda de silêncio invadiu a conversa entre as duas sextanistas até o momento em que a corvina decidiu desabafar sobre as suas aflições.
— Eu sou nascida-trouxa — Jasmine fungou. — Desde o começo do ano, venho sofrendo alguns ataques de um mesmo grupo de pessoas da Sonserina. Eles dizem que se eu contar alguma coisa, eu vou me arrepender disso.
— As cicatrizes foram obras deles?
— Sim — ela assentiu com a cabeça. — Doem mais psicologicamente do que fisicamente, mas faço o possível para não ficar mal por conta disso. Como você pode ver, tem momentos que é impossível não me sentir vulnerável.
— Eu entendo você — Ellie disse, lembrando-se de seu relacionamento passado. — Não é a mesma coisa, mas alguém já me deixou desse jeito.
Jasmine esfregou as lágrimas caídas sobre as suas bochechas com o tecido do uniforme.
— É difícil lidar com essas coisas, mas nós podemos dar um jeito — continuou a lufana. — Eu posso ajudar você a lidar com eles.
— E se eles me machucarem? — Jasmine perguntou, o medo evidente em seu tom de voz quase inaudível.
— Eles não vão te machucar — Ellie estendeu o dedo mínimo. — É uma promessa.
Elas selaram um acordo e Jasmine deu um sorriso vívido. Ajudar as pessoas era sempre uma ótima oportunidade e a amizade que poderia vir de bônus consequentemente fez a lufana abrir um sorriso genuíno no canto de seus lábios.