O chilrear harmônico dos pássaros e a poeira suave da luz solar foram as duas primeiras coisas que o cérebro da jovem lufana conseguiu registrar na manhã seguinte à festa no salão comunal da Grifinória. Quando a realidade se instalou em seus sentidos, a manhã deixou de ser aparentemente normal.
Uma dor excruciante preencheu a cabeça da menina e ela se sentou na cama, apoiando as mãos sobre os cobertores e as almofadas. Ainda era cedo e não havia ninguém acordado no dormitório que compartilhava com as suas colegas de casa, ainda mais com o clima da noite anterior.
A festa na sala comunal da Grifinória trouxe ressaca para quase todos os estudantes do castelo, e para a artilheira da Lufa-lufa, a ressaca veio com uma decepção como bônus.
Ainda não conseguia acreditar que James havia interceptado as suas cartas durante o verão. Ellie Lupin detestava desconfiar das pessoas, mas também odiava quando alguém escondia a verdade de seu conhecimento, o que colocava a confiança em risco.
— Já acordou?
Desorientados e exaustos, os olhos da jovem correram até o encontro da cama de sua melhor amiga. Agatha estava deitada com as cobertas até a altura de seus ombros, aparentemente fatigada depois da comemoração noturna. Ela se espreguiçou e bocejou ao mesmo tempo.
— Eu não estou mais com sono.
— Por outro lado, eu quero dormir até o final do ano letivo — Agatha virou-se para o outro lado da cama. — Parece que alguém passou em cima de mim e ainda jogou fogo no meu corpo.
— Quanto você bebeu ontem? — Ellie perguntou.
— Um pouco demais.
— É perceptível.
A garota levantou-se da cama e conjurou um pouco de água em um cálice com a ajuda de sua varinha. Estendeu uma mão com um remédio que aliviava as dores e a outra com o líquido ao encontro de Agatha. A jovem deitada franziu o cenho em uma careta.
— Você vai me agradecer por isso.
— Tem gosto ruim?
— Tem, mas é muito melhor do que sentir que o seu corpo foi atropelado e incendiado — ela insistiu e Agatha apanhou o remédio e a água, ingerindo-os em seguida.
— Horrível — ela estirou a língua. — Obrigada, mãe.
— De nada — Ellie deu um sorriso curto. — Tenha um bom sono.
— Que ótimo — Agatha disse, fingindo sonolência. — Acabo de ser envenenada sem notar.
— Não seja boba — a lufana revirou os olhos, abafando uma risada. — É assim que ele faz efeito.
Após absorver o gosto desagradável do medicamento, Agatha se acomodou debaixo dos cobertores e adormeceu em menos de cinco minutos. A sua melhor amiga desejou voltar a dormir, mas não conseguiria nem mesmo com um sonífero.
A sua mente estava repleta por pensamentos de desconfiança e confusão. O clima da manhã era desencorajador para a garota, mas ela decidiu sair da sala comunal da Lufa-lufa e encarar uma conversa com o namorado antes que fosse tarde demais.
Ellie arrancou os seus pijamas e se vestiu adequadamente para andar pelos corredores do castelo até o salão comunal da Grifinória. Estava trajando um suéter amarelo e preto e uma calça jeans azulada.
À medida que a menina subia as escadas para chegar ao destino desejado, ela ouviu sons de estilhaços chocados com o chão e passos atrapalhados. Ellie aguçou os seus sentidos e correu os olhos em direção ao barulho.
O sentimento de surpresa esvaiu de seu corpo assim que viu Peter Pettigrew e Sirius Black desengonçados entre as escadas movediças do castelo. Ambos carregavam em seus braços uma porção de alimentos e frascos confiscados de algum canto.
— Existe alguém mais desastrado que vocês? — Ellie surpreendeu os dois amigos da Grifinória.
Os dois meninos se viraram com expressões assombradas em seus rostos. Pareciam como os trouxas vendo fantasmas.
— Pode ajudar a gente? — Peter disse, os olhos imploravam por um auxílio. — Por favor.
— Nós não precisamos de ajuda — Sirius o repreendeu com um olhar de reprovação.
— Fizeram outra festa e esqueceram de me convidar? — Ellie perguntou, recolhendo um dos objetos derrubados na escada. Ela apanhou um frasco contendo um líquido avermelhado e estranhou. — Isso é da enfermaria.
— É uma longa história — Sirius abriu um sorriso de canto e gaguejou.
— Quem está doente?
— Ninguém! — eles disseram em uníssono.
— Eu não nasci ontem — Ellie cruzou os braços.
— Prometemos que não íamos abrir a boca para contar para ninguém — Peter mordeu o lábio inferior, nervoso.
— Qual é a dificuldade em manter a boca fechada? — Sirius reclamou. Ao encarar a melhor amiga da Lufa-lufa, ele se sentiu pressionado em contar a verdade. — James está doente.
— Doente?
— Sim — Sirius suspirou. — Ele acordou com dor de cabeça e febre hoje. Ninguém sabe o que James tem e ele não quer ir até a enfermaria.
— Ele deve estar mentindo — a jovem revirou os olhos. — Não seria a primeira vez que ele conta mentiras.
— A gente também achou que fosse mentira — Peter abraçou os frascos ao seu corpo. — Mas aparentemente não é.
— É o que nós vamos ver.
Desorientada nas escadas que se moviam de um lado para o outro, a lufana se apressou até o quadro da Mulher Gorda. A mulher no quadro tombava para os lados e roncava, o sono parecia ter atingido todos os cantos do castelo depois da última partida de Quadribol.
Depois de inúmeras tentativas de acordar a mulher com a senha, eles conseguiram entrar na passagem até a sala comunal da Grifinória e subiram as escadas até o dormitório masculino.
O som de reclamações chegou aos ouvidos da menina assim que ela colocou os pés em frente à porta do quarto compartilhado. A jovem empurrou a maçaneta e viu James apoiado em um travesseiro na cama.
O garoto estava com uma aparência lamentável, os olhos caídos e as pálpebras aparentemente pesadas ressaltavam que ele não estava em uma boa situação de saúde. Quando viu a namorada entrando no dormitório, James abriu a boca para falar alguma coisa, mas um espirro impediu a sua ação.
— O que foi isso?
— Um espirro — disse James com a voz rouca.
— Isso foi qualquer coisa, menos um espirro — Ellie franziu uma sobrancelha. — Como você conseguiu ficar doente desse jeito?
— A chuva de ontem — James tossiu.
— Eu juro que se você estiver mentindo sobre estar doente, eu jogo você da Torre de Astronomia — Ellie ameaçou com os olhos franzidos.
— Por que eu mentiria sobre estar doente? — ele resmungou.
— Talvez porque você costuma mentir sobre outras coisas.
— Você não está ajudando nem um pouco no meu processo de morte lenta e dolorosa — James deixou escapar um gemido de dor de seus lábios. — Vocês trouxeram o remédio?
— Aqui — Sirius colocou um frasco na mão de James. — Depois você joga esse frasco em algum lugar bem longe de mim. Eu não quero ficar doente que nem você.
A jovem de cabelos áureos se aproximou de James e colocou a palma da mão na testa do namorado. Ele se afastou na mesma hora com o calor do contato da mão, mas foi o suficiente para perceber que ele estava queimando de febre.
— Quanto tempo eu tenho até a minha morte? — James resmungou.
— Quer parar de ser o rei do drama? — Remus se colocou na conversa. Ele observava os amigos da porta do banheiro.
— É mesmo - Sirius ressaltou a pergunta. — Ninguém pode assumir o meu trono.
— Você não vai morrer — Ellie balançou a cabeça para os lados. — Tome essa poção de uma vez para que faça efeito rápido.
O jovem bebeu o líquido e franziu os lábios e as sobrancelhas ao mesmo tempo.
— É horrível — ele choramingou.
— Isso é para você aprender a se cuidar depois de tomar uma chuva — a namorada sorriu ironicamente.
— Eu preciso que alguém cuide de mim.
— Você tem idade suficiente para cuidar de você mesmo — Ellie revirou os olhos. — Por que não foi até a enfermaria?
— Eu não gosto da enfermaria.
— Por Merlim, James, você é quase como uma criança no corpo de um adolescente — Remus abafou uma risada fraca.
— Eu estou doente! — James exclamou. A exclamação fez o seu peito doer e ele fez uma careta com a dor ardente. — Tenha mais respeito, Aluado.
— Boa sorte — Remus riu para a irmã mais nova. — Ele precisa de atenção.
— Tenha cuidado para não ficar doente e chata que nem ele — Sirius aproveitou a deixa.
James estirou a língua e encarou os melhores amigos com um olhar flamejante de desdém. Ele se ajeitou na cama e apoiou o corpo em uma pilha de travesseiros e almofadas vermelhas.
— Você está brava? — ele perguntou, timidamente.
— Um pouco.
— As pessoas têm razão quando dizem que eu estrago tudo — James mordeu o lábio.
— Você não estraga tudo — Ellie sentou-se ao lado de James na cama. Ela apontou em direção a cabeça do garoto. — É só começar a usar a cabeça antes de fazer as coisas.
— É esse o problema — Sirius retrucou. — A cabeça dele não funciona nem um pouco.
James mostrou o dedo médio em direção ao melhor amigo. Todos riram, menos ele.
— Eu gostaria de voltar no tempo e não ter roubado as cartas — ele murmurou.
— Isso é a vida real, James, você não pode voltar no tempo quando faz algo errado — Ellie deu um riso fraco com a suposição do namorado. — Você se arrepende?
— Muito — James assentiu com veemência.
— É isso o que importa — ela disse, brincando com os lençóis da cama.
— Isso vale como um pedido de desculpas?
— Sim, mas se fizer algo errado de novo, eu cumpro a minha promessa de jogar você da Torre de Astronomia — ela alfinetou, rindo.
Ele fingiu uma expressão amedrontada em seu rosto, causando a risada da namorada.
— Pode me abraçar? — James perguntou com os olhos suplicantes. — Por favor, eu senti a sua falta.
— A gente se viu ontem à noite — ela riu.
— São quase dez horas — ele insistiu. — É muito tempo.
A garota se aproximou e envolveu os braços ao redor do namorado. Ele deitou a cabeça na curva do pescoço da menina, depositando um beijo no local, enquanto as mãos de Ellie acariciaram os fios rebeldes do cabelo de James. O garoto deu um sorriso genuíno com as carícias e fechou os olhos para um descanso.
— Eu te amo — ele murmurou.
— Eu também te amo.