God Killer - PRIMEIRA VERSÃO

By taemeetevil

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[CONCLUÍDO] O mundo é diferente. Os deuses agora vivem entre nós, expandindo seu poder e influência. São mu... More

Prólogo
Zeus
Hera
Hades
Apollo
Eclipse
Humano
Hermes
Ártemis
Moros
Iliada
Ares
Receptáculo
Memória
Tempo
Maldição
Assassino
Eternidade
Arcádia
Baco
Alma
Pothos
Epifania
Dia B
Universo
Hyun
Deus Ex Machina
Deus
Eros
Poseidon
Epilogo
Human Among Gods

Destino

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By taemeetevil

JEON JUNGKOOK

[HUMANO?]

Moros me deu roupas muito parecidas com as deles, tecidos brancos e folgados que cabiam facilmente três de mim na peça. Ao menos as calças estavam num tamanho adequado. Quando voltei para o cômodo ele apenas me mandou sentar, mas como não havia nenhuma cadeira ou poltrona além da que ele já estava, me sentei no chão, ao lado de sua pilha de livros. Eu estava esperando que Moros me mostrasse de uma vez as memórias, mas ele não parecia ter pressa alguma, e minhas tentativas de chamar sua atenção não surtiram qualquer efeito. Toda vez que insistia ele voltava em sua conversa sobre ter tempo para tudo e que eu deveria ser paciente.

Meus pensamentos durante o ócio obviamente me levaram a Taehyung, só o tempo que o Destino me fazia esperar já foi parte do tempo que passei fora da última vez, o que do lado de lá - no mundo real, ou qual seja o nome da minha realidade - significava que no mínimo desapareci por mais de um dia e meio. Levando em conta como Moros não tinha pressa alguma, eu retornaria com no mínimo cinco dias. Alguém me procuraria? Avisariam a minha família se passasse muito tempo? Taehyung iria agir ainda pior que dá última vez, disso eu tinha certeza. Eu não deveria me importar com isso. Não estávamos juntos nem nada, apenas quase... Ele ter tirado minhas roupas não quer dizer que iriamos transar. Claro que não. Mas talvez.... Eu não podia mesmo estar gostando de um homem, poderia?

"Talvez Jaebum-hyung estivesse certo e eu era bissexual. E se fosse apenas gay? Como poderia ter certeza? "

— Arg! — resmunguei, a falta do que fazer estava me fazendo pensar besteira — Você me trouxe aqui só para me fazer esperar?

— Mais uma reclamação e eu jogo um livro na sua cara e acredite, vai doer bastante. Não são memórias apenas de Kim Namjoon, são de outros deuses também, sabe como é trabalhoso resgatar fragmentos do tempo? Você devia ser um pouco mais grato — suspirei.

— Obrigado. Eu deveria dar mais valor ao seu esforço em me ajudar — falei sem muita vontade, apenas para não parecer mal-agradecido.

— Muito melhor, ainda soa falso, mas não vou cobrar muito de você. Leia alguma coisa enquanto espera — peguei um dos livros empilhados e quase gritei quando um livro tão grande - que mal cabia direito em meus braços - encolheu ao tamanho de uma versão de bolso. É, livros encolherem já não deveriam mais me surpreender. Abri. Estava com todas as páginas em branco.

— Uau. Vai ser uma leitura realmente inter... — calei quando palavras começaram a se formar em várias das folhas, parei em uma — Lee Ji-Woo — era o que dizia no topo, continuei a leitura em silêncio.

"Ji-Woo encontrou o amor da sua vida as 9 da manhã durante um treino de basquete, numa terça-feira. Finalmente fora falar com ele, três meses depois, após muita relutância e superando sua covardia. Isso foi numa quarta-feira. Eles finalmente se beijaram um mês depois e Ji-Woo pensou ser a pessoa mais feliz de todo o mundo, numa quinta-feira. Ji-Woo morreu pelas mãos de um homem que nunca viu ou sequer conheceu, mas essa pessoa o odiava somente para o Ji-Woo ser ele mesmo. Ji-Woo apenas voltava para casa, e morreu num beco vazio e escuro, onde ninguém o viu sangrar.

Era uma sexta-feira. "

Por um longo momento eu não soube o que dizer ou perguntar.

— O que foi isso?

— O que você leu? — assenti — Bom, em algum lugar do mundo, ou muito provavelmente da Coréia, havia um rapaz chamado Ji-Woo. Esse garoto encontrou seu grande amor e morreu oito meses depois. A vida dele foi muito mais do que isso, mas você como humano, ou quase, só conseguiu ler uma versão resumida da história. Mais especificamente, o trecho que faria seu pobre coração humano doer.

— M-Mas o que houve com ele.... Quer dizer, mortes assim não deveriam acontecer — fechei o livro, incapaz de continuar sequer olhando para as páginas. Talvez fosse algum tipo de magia no livro, mas senti uma sensação terrível lendo a curta narrativa. Quase pessoal demais.

— Você acha realmente que 80 anos de influência divina foi bastante para fazer do mundo um lugar melhor? — não era preciso responder — O mundo pode parecer diferente, mas continua a mesma droga de sempre e infelizmente todos os destinos são tristes, criança. Todo mundo morre no final da história. Eu apenas escrevo os livros, os leio quando posso, não decido seus rumos, mas eu assino a obra, então acabo levando a culpa. Esse lugar, assim como eu, é uma obra do universo e somente dele.

— Então... Todos os livros... São os destinos das pessoas narrados? — eu finalmente o fiz fechar seu livro, Moros levantou-se e me puxou pela roupa, fazendo-me tropeçar em meus próprios pés antes de ficar de pé, continuou a me guiar até outro par de portas no canto mais distante do cômodo, que quando abriu revelou uma biblioteca ainda maior e mais alta. Havia um grande vão no meio dela, um círculo, cercado por uma grade de madeira, caminhamos até a borda e lá embaixo, estendendo-se até onde a vista se perdia, havia mais livros, o espaço era tão profundo que havia um ponto que a luz já não alcançava mais.

— Quão fundo isso é? — me inclinei um pouco para baixo, nem mesmo a luz dourada dos livros iluminava o ponto mais fundo, havia apenas a escuridão, como um grande fosso.

— Eu não faço a menor ideia — ele soou bem sincero, o que me fez sair de perto da borda de imediato. Quando ergui o olhar, percebi que do outro lado do cômodo havia outras portas duplas.

— São mais livros? — apontei.

— Não, é a sala de armas — fez um gesto com a mão como para que eu ignorasse — Mas isso aqui, tudo isso — ele pareceu mais animado de repente, segurando meus ombros e quase podia ver um sorriso em seu rosto. — É tudo o que eu sou. Cada história, cada momento, cada possibilidade está gravada nessas páginas. De todos os mundos, desse tempo até o final dos tempos, quando nada mais existir. Então lerei a última página antes de fechar os livros da existência — seu olhar se perdeu em seus livros, olhando maravilhado para cima, onde a luz impedia que enxergasse até o teto. Talvez não houvesse um teto. E talvez lá embaixo também não tivesse um fundo. Talvez houvesse o infinito e estivéssemos em algum lugar no meio. Me afastei um pouco mais da borda. Moros soava como alguém numa loucura induzida por drogas.

— E quanto aos deuses? — perguntei, ainda disperso em meus pensamentos — E a eternidade...?

— Até mesmo o eterno tem o seu fim, Jungkook — respirou fundo e deu um sorriso largo — E já tenho algo para te mostrar — tocou meu ombro, e em um segundo tudo era escuridão.

+++

KIM NAMJOON

[ZEUS]

Três meses antes do assassinato

Jimin aguardava do lado de fora da minha sala há pelo menos meia hora, ele costumava ser muito paciente quando vinha me visitar e eu estava preso em assuntos do governo. Odiava como o presidente sempre tentava me usar como ponte para diplomacia, Yifan provavelmente não gostava de ser obrigado a fazer o mesmo todas as vezes que o presidente da China o pedia. Infelizmente era um mal necessário para que conseguíssemos coexistir com os humanos sem que voltassem a loucura de expulsão. Humanos eram sempre difíceis de lidar.

"Humanos..."

Suspirei, deixando os papéis de lado.

— Pode entrar, Jimin — pedi. Ri um pouco quando entrou, ele viera de terno e seu cabelo estava no tom escuro original, ele sempre fazia isso quando queria conversar sério, e seus assuntos sérios sempre eram os mesmos. Na verdade, sempre eram um só — O que te traz aqui hoje?

Ele sentou-se na cadeira diante de mim, dando um sorriso ansioso.

— Eu vi que vai ter um alinhamento no próximo semestre — começou — Vênus e Plutão estarão finalmente na mesma posição, isso com certeza é um bom presságio do universo, Namjoon-hyung. Será o melhor momento para reabrir a assembleia divina.

Eu sabia que o assunto seria esse, mas esperava que não o fosse. A insistência de Jimin em finalmente poder ficar com Yoongi já me atormentava há quase trinta anos. Todos os anos, bastava uma nova reconfiguração estelar, e o garoto chegava até mim argumentando sobre como seria um bom momento para reorganizar o universo e permitir que ele pudesse viver a história de amor que só existia na sua cabeça.

— Jimin, antes de tudo... você pode me dar uma de suas flechas? — ele estranhou, assim como achei que faria.

— Para que precisa de uma? Seokjin está pensando em te deixar? — ri, acenando que não. Apesar de que nós dois não estávamos na melhor fase de nosso casamento, eu não usaria uma flecha com ele.

— Confie em mim, preciso dela para ajudar um amigo — o garoto ponderou um pouco, esticou a mão para trás e puxou uma flecha de lugar nenhum, me entregando o objeto em seguida. Era uma das peças mais bonitas que já vi. Não tinha aerodinâmica nenhuma, a ponta reproduzia um coração comprido e a base tinha fissuras talhadas de anjos e rosas de rubi, num arco comum sequer voaria trinta centímetros, mesmo Jongin conseguiu apenas fazê-la voar por meio metro, mas Jimin conseguia lançá-las por quilômetros. Porém só essas, com flechas comuns sua mira chegava ao ponto de ser vergonhosa — Obrigado — coloquei a flecha dentro de uma gaveta e a tranquei, para garantir que ninguém a pegaria — Então, você quer reabrir a assembleia. Que não é realizada há bem mais de um século, porque quer poder ficar ao lado de Yoongi? — o garoto se encolheu em sua cadeira, eu tentei não soar rude, mas falando daquela forma seu pedido soava ridículo. Talvez um dos grandes problemas do amor, é como ele é ingênuo. Por ser o único Deus do amor-romântico encarnado, Jimin acumulou uma ingenuidade fora do comum. — Min Yoongi sabe do seu desejo? — acenou que não — E como sabe que ele deseja o mesmo?

Ele estranhou as palavras, e quase riu, como se minha pergunta fosse estúpida ou terrivelmente óbvia.

— Eu sei que sim. Ele me ama, claro que quer poder ficar comigo.

— Jimin... eu entendo que você o ama. Mas não é saudável. O relacionamento de vocês não tem cabimento algum, é destrutivo. Você esqueceu de se afastar uma noite e um andar inteiro do Arcádia explodiu. Se houvessem pessoas lá? Se pessoas tivessem morrido, você nunca se perdoaria.

— Mas não havia ninguém! Foi um acidente, eu bebi muito e dormi ao lado dele, não foi nada demais. Shownu e Suho-hyung deram um jeito em tudo no mesmo dia — voltar aquele assunto era um tanto delicado, porém necessário, especialmente para fazê-lo lembrar do mal que poderiam ter causado.

— Jimin, vocês poderiam ter matado alguém.

— Mas não matamos! — gritou, exasperado.

— Mas poderia! E a possibilidade destrutiva é o que mais importa, porque mesmo com o aval de uma assembleia divina, isso não anula os riscos! Yoongi também não pode ficar muito tempo perto do Hoseok, são opostos, vida e morte, e não vejo nenhum dos dois tentando reabrir assembleias para mudar isso!

— Eles são só amigos, não é a mesma coisa! Você não entende porque pode ficar ao lado de Seokjin o tempo que quiser, Namjoon eu nunca pude passar uma noite ao lado dele, eu não estou falando de sexo, eu só queria... — seus olhos começaram a se encher de lágrimas e ele as limpou rapidamente antes que tocassem alguma superfície e enchesse o chão de pétalas de rosas — Você pode acordar ao lado de Seokjin todos os dias. E podem sair juntos. E podem ter uma vida. Eu só quero o mesmo direito de amar que vocês têm.

Dessa vez ele deixou as lágrimas escorrerem, uma vez que escorriam de seu rosto e encostavam em qualquer lugar, transformavam-se em pétalas de rosas. Desta vez eram brancas, tão alvas quanto um copo de leite.

— Jimin, ele não ama você — eu não queria ter de fazer isso, mas o universo vivia sempre a um centímetro do caos, as coisas eram como tinham de ser. E era o momento de ele entender isso, definitivamente. Jimin ergueu os olhos para mim, chorou um pouco mais, enquanto aguardava, talvez esperando que eu desmentisse.

— E-Ele disse isso? Ele disse a você que não me ama? — as pétalas acumulavam em seu colo, e seus ombros tremiam, tentando conter os soluços.

— Sim. Ele me disse que não te ama, Jimin. Yoongi é Hades, amar é uma capacidade que nunca teve e ele admitiu isso para mim.

Yoongi nunca me disse coisa alguma.

Não foi fácil vê-lo chorar da forma que veio a seguir, mas era necessário. Um mal necessário. Mesmo que nunca tivesse perguntado a Min Yoongi, tinha certeza que o amor não era recíproco, ele era Hades, afinal. Passou milênios ao lado de Perséfone e nunca conseguiu amá-la, sua relação com Jimin mal tinha 100 anos, e mais da metade disso eles se odiavam. Qual a possibilidade real de que Yoongi realmente o amava? Para mim não existia nenhuma.

— O melhor para você, vocês — corrigi — É seguir adiante — Jimin arregalou os olhos, em compreensão.

— Você vai usar a flecha em mim? Por isso pediu? — acenei que não.

— Nele. Podemos usar outra em você. Jimin é o melhor, podem viver os dois, felizes, com outras pessoas. Pessoas que não representem um risco para o equilíbrio. Eu sei que parece terrível encarar isso, mas confie em mim, estou fazendo o melhor para ambos.

Jimin não conseguia parar de chorar, a pétalas brancas agora rodeavam a cadeira e a brisa que entrava pela janela do escritório as espalhava pelo chão.

— Você já sabe quem vai escolher para ele? — falou depois de um tempo, quando seus soluços já estavam mais controlados.

— É melhor que não saiba. Quando estiverem você e ele felizes, com pessoas que não representam um risco a ninguém, vai me agradecer por ter pensado nessa alternativa — ele assentiu, uma porção de vezes, antes de levar o braço para trás mais uma vez, puxando outra flecha.

— Eu quero que fique com você, a minha. Não vou ter coragem de usá-la em mim mesmo... vê-lo com outra pessoa me parece bem menos doloroso do que deixar de amá-lo. Ao menos ele será feliz, não é? — assenti — Então é o suficiente.

+++

PARK JIMIN

[EROS]

Um mês antes do assassinato

Segurei a mala esperando que Jongdae abrisse a porta do outro lado e me levasse ao Arcádia. Fazia um bom tempo desde que fui ao hotel e garanti que seria um dos últimos lugares a ir para que tivesse a garantia que Yoongi não me encontraria, além de me assegurar que somente o mínimo possível de pessoas soubesse minha localização.

Fazia dois meses que eu estava fugindo dele.

Não tinha coragem de encará-lo e dar um ponto final. Também tinha medo que Namjoon já tivesse usado a flecha e vê-lo amar outra pessoa era uma dor que ainda não estava pronto para suportar. Minha alternativa foi fugir, usando as portas de Jongdae para escapar de um lugar para outro até ter certeza que Min Yoongi não estava tentando me encontrar.

— Olá, Jimin — Jongdae me deu um sorriso assim que abriu a porta, lhe devolvi o sorriso e entrei na sala, onde Baekhyun me esperava, como sempre fazia. Olhei os dois, ambos de pijama e provavelmente deveriam ter acordado somente quando liguei. Eu não tive qualquer noção de horário antes de contatá-los, mas estava sendo difícil continuar isolado de qualquer companhia.

— Sabemos que para escolhas de portas de teletransporte você não tem opção, obrigado por escolher Kim Jongdae e o Arcádia linhas interdimensionais. Horário de desembarque — Baek conferiu o relógio no pulso — 4:35 da manhã do dia 20 de março, horário de Seul — ri um pouco, e ambos vieram até mim para me abraçar.

— Bem-vindo de volta — os dois disseram quase que ao mesmo tempo.

(...)

— Você não pode continuar fugindo dele, Jimin — Baekhyun raramente falava sério comigo, as poucas ocasiões ocorreram quando precisávamos resolver assuntos do hotel, já que éramos sócios, mas ainda assim foram muito poucas, levando em conta que Chanyeol era muito mais responsável que ele para esses assuntos — Yoongi não caiu de amores por ninguém então é bem óbvio que Namjoon não usou a flecha. E se minha opinião vale de alguma coisa, você devia mandar Zeus se foder. Jimin essa é a sua vida, ele não deveria estar interferindo nela.

Seguimos pelas escadas, eu não gostava de elevadores já que estava ali em segredo, quanto menos pessoas me vissem em Arcádia, melhor seria. Todas as minhas visitas ao local inevitavelmente causavam alvoroço, mesmo que visitasse com certa frequência.

— Mas é o certo a se fazer. É como tem de ser. Tudo a respeito de nós é um erro. Namjoon e Seokjin estavam juntos desde às primeiras eras, você e Chan também, nós não. Nós somos uma falha do universo. Algo que nunca deveria ter acontecido.

Nem precisava olhá-lo para saber que me fuzilava com os olhos.

— Você nem acredita no que está dizendo, Jimin! Em nome de Gaia, isso é ridículo. Vocês são opostos por causa da merda da assembleia divina, tudo bem que não seria um relacionamento seguro mesmo com o aval deles, mas ainda assim, não é um erro, tudo no universo pode ser negociado, se...

— Ele não me ama — isso o fez calar — Em anos, ele nunca conseguiu dizer. Namjoon disse que Yoongi admitiu não me amar e acho que ele não mentiu, Baek. Mas eu não tenho coragem de perguntar, porque se eu fizer, e ele não me amar, vou ter de deixá-lo para sempre e eu não quero isso. Talvez no fundo ele nunca tenha deixado de me odiar. Ódio e amor sempre foram próximos. E se o ódio é o único sentimento que um dia terei de Min Yoongi, eu não importo nem um pouco de aceitá-lo.

— Por que o amor sempre é tão dramático? Sempre aumenta tudo? Sempre vê o pior ângulo. Podia ver as coisas do modo mais simples? Podia! Mas faz isso? Não! Você entende isso, Baek? Porque eu não entendo — ri um pouco de como se fazia perguntas e ele mesmo se respondia — Eu sei Baek, as pessoas são loucas.

— Você é muito maluco — ri mais quando tentou me empurrar, mas desviei de suas mãos.

— Não sou eu que dou motivo a mim mesmo para sofrer, se tem algum maluco aqui, está bem do meu lado — abriu a saída de emergência, e seguimos pelo curto corredor até a única porta do andar. Eu tinha um quarto somente meu em Arcádia que quase nunca usava, os quartos dos hóspedes eram muito mais interessantes, porém ali eu teria certeza de que ficaria sozinho.

— Às vezes acho que é meu lado humano. Que é Park Jimin fazendo isso, e meu lado divino só piora tudo. Talvez tenha algo de errado com esse corpo e eu precise de um novo.

— Não tem nada errado com você — me entregou o cartão-chave — A única coisa de que precisa é dormir e parar de exageros. Você está sóbrio, como que posso te defender? — me deu um abraço e começou a se afastar de volta para as escadas.

— Baekhyun?

— O que? — parou diante da porta de emergência, e olhou para trás.

— Você é um ótimo amigo.

— Eu sei.

— Obrigado por tudo — eu estava só sendo chato dessa vez, porque irritá-lo era um pouco engraçado — Por todo apoio.

— Está bem, está bem.

— Baek...

— Vai dormir, caralho, são 5 da manhã. E para de pensar merda. Boa noite.

— A gente te ama! Manda Zeus se foder! — Não fora Baekhyun a dizer, nos entreolhamos.

— Quem disse isso? — abriu a porta de emergência e Chanyeol colocou metade do corpo para dentro do corredor, me dando um aceno. O garoto estava completamente coberto - com exceção do rosto - por tinta preta. Ou talvez fosse graxa? A poça do líquido preto já se acumulava no chão e escorria de seus cabelos para seus olhos e sua tentativa de limpar só piorava mais a sujeira — O que aconteceu contigo? Você estava seguindo a gente para ouvir a conversa?

— Não?! Eu leio mentes, não preciso seguir vocês. E eu acho que encontrei um poço de petróleo na escavação para a garagem, você tem que ver, inundou a cratera inteira — essa era uma das coisas em Arcádia que eu mais adorava. Nada ali fazia muito sentido.

— Qual a possibilidade de você não ter encontrado um poço de petróleo e sim furado o cano do oleoduto? — Chan parou alguns segundos para pensar.

— É.... a possibilidade existe — Baekhyun o empurrou de volta, seguindo com ele e fechou a porta de emergência atrás de si — Eu estou encrencado?

— Boa noite, Jimin! — gritou, se despedindo mais uma vez — Vai estar quando a polícia aparecer. E que diabos que você veio fazer aqui em cima e sujar o hotel tod... — A voz deles se perdeu conforme iam tomando distância. Ri um pouco, era até engraçado ver Baekhyun como o responsável da dupla, se fosse ele a encontrar um poço de petróleo com certeza estaria lá nadando no óleo e no dinheiro que iria conseguir ou no caso mais provável, se escondendo da polícia quando viessem averiguar o furo no cano do oleoduto.

Abri a porta do quarto e suprimi um grito quando vi Yoongi sentado na borda da cama, olhando em minha direção. Fiquei apenas olhando-o, incapaz de reagir, a porta se fechou sozinha atrás de mim.

— Sabia que quando o Chanyeol mente, ele fica olhando para os lados? Eu só perguntei "Jimin estará aqui? " e ele disse, "Não" e olhou para os lados sem conseguir olhar na minha cara. Foi muito fácil.

— Porra, Chanyeol — resmunguei.

— Porra, Chanyeol — concordou, e vi a sombra de um sorriso em seu rosto. Eu senti tanta falta dele que meu coração doía mesmo estando a um metro de distância agora — Acho que nem quando brigávamos você chegou ao ponto de fugir de mim.

— Ainda brigamos bastante... — comentei, ele se levantou e veio um pouco mais perto.

— Eu não lembro de nenhuma briga recente que justifique você sumir por dois meses. E-Eu... senti sua falta — É claro que bastou isso para que eu o abraçasse, apertando-o forte enquanto ele retribuía na mesma intensidade. Lágrimas começaram a se acumular mesmo que tentasse contê-las, elas escorreram e quando tocaram em suas roupas, pétalas azuis se formaram, como um lembrete do meu próprio egoísmo em não conseguir superar — Jiminie...

— Eu não vou conseguir, eu sinto muito — pedi, escondendo o rosto em seu ombro — Eu sou egoísta demais para deixar você.

— E porque você teria de me deixar?

Não queria ter de falar sobre a conversa com Namjoon, mas também não queria ter de mentir para ele.

— Porque não é bom. Não podemos viver assim para sempre, contando os minutos com medo de destruir tudo se passarmos um segundo a mais um com o outro. Merecemos mais que isso. Namjoon vai encontrar alguém que...

— Espera — me segurou pelos ombros e me afastou para que olhasse meu rosto. — Namjoon te convenceu que somos um problema? — o brilho de ódio em seus olhos era óbvio — Ele não tem o direito de exercer poder em nossas vidas.

— Ele não está errado, Yoongi.

— Então concorda com ele? Quer mesmo me deixar? — acenei que não, jamais o deixaria voluntariamente — Então você não vai me deixar. E eu não vou deixar você. Simples — naquele momento eu quis perguntar, ter certeza de que ele me amava, mas o medo me impediu. Por hora, saber que ele queria ficar ao meu lado já era o suficiente — Não precisamos da aceitação dele para nada — assenti, quase feliz demais de vê-lo tão determinado.

Porém me lembrei de um pequeno detalhe.

— Dei uma das minhas flechas a ele. Para que encontrasse alguém melhor para você. — imaginei que ele ficaria com raiva, eu entenderia se ficasse. Paixões provocadas pelas flechas eram avassaladoras, mas não-naturais. Era como uma overdose de amor, que usei poucas vezes nessa encarnação. Se Yoongi fosse acertado por uma, ele me esqueceria completamente, como se tudo que vivemos fosse um sonho estranho enquanto seu amor e devoção seria somente da pessoa a quem a flecha correspondia — E-Eu sinto muito por tentar interferir, só queria que você fosse feliz.

Ele ficou em silêncio por muito tempo, mas não parecia com raiva, como achei que ficaria.

— Ele não usará sua flecha contra mim, Jiminie — abracei-o mais uma vez e me apertei um pouco mais contra ele — Eu mesmo pedirei para que a assembleia seja aberta novamente. Se eu falar com Yifan, ele pode ajudar, ele é um dos membros votantes.

— Não adiantará de nada se Namjoon votar contra nós. Namjoon ainda é o líder, sua oposição vale muito mais do que a aceitação de todos os outros.

— Talvez ele não deva mais ser o líder — murmurou e assenti, porque realmente concordava. Não conseguia mais sentir em Namjoon a liderança que um dia nos firmou, muitos anos antes. Ele já não era mais quem um dia foi — Ainda assim, eu vou conversar com Namjoon. Ele é meu irmão, no fim das contas. Ele vai entender.

+++

JUNG HOSEOK

[APOLO]

2 meses antes do assassinato

Sun enrolava os cachos do próprio cabelo nos dedos quando ficava nervosa. Uma mania que herdou de suas encarnações anteriores e era interessante ver como as coisas se repetiam. Isso a deixava até um pouco mais divina, por carregar tantas lembranças de vidas passadas. Ela se mexia inquieta, olhando para os quadros expostos nas paredes e fazendo comentários repetidos. Porém ali, mais nervoso que ela, havia Jongin, que estava ansioso para ver a primeira transmutação de uma figura humana para divina, ele não teve chance de ver a de Psiquê milênios atrás.

Era a primeira vez que pedíamos um pequeno conselho divino, apenas com Namjoon, Taehyung e Yoongi. Com a ajuda dos três, Sun seria elevada a deusa e todos os meus pesadelos acabariam. Nunca mais teria de me preocupar sobre toda a história de receptáculo.

— Taehyung e Yoongi já chegaram? — Jongin perguntou, era agoniante ter que esperar do lado de fora do salão principal enquanto os três se preparavam. Com Psiquê não fora tão longa a espera, apesar de ter sido um processo mais trabalhoso o caminho até torná-la deusa.

— Hobi? — Sun chamou, desistindo de enrolar os fios já que ela conseguiu produzir mais nós do que cachos — Se eu não me tornar deusa, não fique zangado. Não me importo se tiver de continuar voltando — não era a primeira vez que ela me dizia isso, na verdade o disse até mesmo em suas encarnações anteriores.

— E se você não voltar? Reencarnações não funcionam do jeito que queremos, Sun. Não vou correr o risco de perder você mais uma vez — ela ainda não compreendia porque sempre fora humana, quando se tornasse deusa conseguiria entender.

— Eu prometo voltar — prendeu seu dedo mindinho no meu — Vou voltar muitas e muitas vezes. É minha promessa humana. Não importa quantos rostos eu tenha, ou onde eu nasça, nem quando, eu vou amar você em todas as minhas vidas, eu prometo.

Sun era uns bons centímetros menor do que eu, então eu tinha de me abaixar um pouco para ficarmos na mesma altura. Pressionei um beijo em sua testa.

— Não precisará manter sua promessa quando for uma deusa — as portas diante de nós se abriram e Jongin voltou correndo - mesmo eu nem tendo visto ele sair para começo de conversa - mas ao olhar para dentro do salão, vendo Yoongi e Taehyung mais afastados de Namjoon, olhando para o chão... não era o que eu esperava encontrar.

Caminhamos juntos para dentro, com o som de nossos passos fazendo eco graças ao silêncio no ambiente. Ficamos nós três parados, diante dos outros até Taehyung dar um passo à frente, ele olhou para Namjoon, como se implorasse silenciosamente por algo, mas o outro sequer lhe deu atenção.

— Eu sinto muito, Hobi. Mas a decisão tem de ser unânime — olhei para Yoongi e ele baixou os olhos para o chão — Somente eu e Yoongi não temos poder suficiente para transformá-la — foi quando olhei para Namjoon — Sentimos muito, de verdade.

— Taehyung. Yoongi. Saiam os dois — Namjoon disse, Yoongi lhe lançou um olhar cheio de ódio antes de vir até mim, colocou a mão sobre meu ombro e apertou levemente.

— Desculpe, não pudemos fazer nada — assenti, ainda sem saber o que dizer — Fale com ele, vamos esperar lá fora caso convença-o — ele saiu e Taehyung fez o mesmo logo depois, as portas se fecharam com um grande estrondo.

— Porque não vai dar a divindade à Sun? — questionei — Você prometeu, Namjoon.

— Eu nunca prometi nada. Quando a encarnação dela morreu da última vez eu lhe disse que tentaria ajudar em seu sofrimento, aumentar sua expectativa de vida, não lhe dar imortalidade — Sun apertou minha mão.

— Hobi, está tudo bem — ela sussurrou para mim — Eu disse que não me importo de reencarnar. Está tudo bem, juro.

— Não, não está tudo bem — Jongin falou antes que eu o fizesse — Namjoon você prometeu. Eu lembro de você dizendo que a tornaria deusa quando ela retornasse dessa vez, você disse isso, não pode voltar atrás em sua palavra.

— Não dei minha palavra. Isso foi há mais de 30 anos, as coisas mudaram. Ela não merece ser uma deusa.

Eu não conseguia reagir, a frieza de Namjoon havia se acentuado nos últimos tempos, mas não a esse ponto. Sun ao meu lado continuava a sussurrar que estava tudo bem e que eu não devia ficar zangado, mas eu sequer conseguia raciocinar. Mesmo em minhas ideias mais pessimistas, não imaginei que ele falaria algo do tipo.

— Ela precisa cumprir algo? Como Psiquê teve de cumprir tarefas antes de se tornar deusa? Podemos fazer o que for necessário — tentei barganhar, talvez fazer isso o fizesse reconsiderar a ideia.

— Não. Ela não será elevada a deusa, Hoseok. Esqueça isso, vivam essa vida, é como tem de ser.

Olhei para Jongin, ele respirava alto, olhando com ódio para Namjoon, sua aljava surgiu de lugar algum e seus dedos se fecharam em volta do arco. Cravar uma flecha em Zeus quando estava com raiva já era um hábito seu desde criança.

— Largue esse arco, Jongin. Você não vai me ameaçar em meu próprio templo.

— Jongin, calma — pedi, com muita relutância o garoto largou a aljava com as flechas e o arco no chão, ambos desapareceram logo em seguida.

— Namjoon, por favor. Ela é um receptáculo. Você mesmo disse que havia atividades espirituais em excesso nos últimos tempos e Sun é o único receptáculo que encontramos até agora, se não a transformar, ela vai morrer.

Namjoon se aproximou um pouco mais, olhou para mim, Sun, Jongin e para mim novamente e de tudo que esperava que dissesse, ele falou a pior delas.

— Que ela morra então — eu não agi, mas Jongin sim. Suas mãos seguraram Namjoon pela gola da camisa e ele o arremessou para trás, fazendo-o se chocar contra a parede, provocando uma rachadura no mármore tão comprida que dividiu a parede em duas.

— Seu desgraçado! — Jongin gritou e puxei Sun para longe, cobrindo seus olhos quando ambos tomaram suas formas mais divinas, a raiva de Jongin o fez mais rápido que Namjoon em reagir, e o garoto o acertou com um soco forte o bastante para lhe arrancar sangue.

— Jongin, não! — gritei.

— Você não merece ser o líder dos deuses! Não merece a divindade!

— Não importa se mereço ou não, eu sou o líder. Eu sou Zeus! — Sua mão envolveu o pescoço de Jongin e o derrubou contra o chão, Jongin se debateu tentando afastá-lo, mas Namjoon o segurou ainda mais firme, o sufocando — Você vai me respeitar.

— Sun fique com os olhos fechados — clamei quando a soltei e fui até eles, empurrando Namjoon para longe de meu irmão, Jongin parecia a ponto de continuar a briga, mas o segurei pelos ombros, fazendo-o olhar para mim — Tire a Sun daqui. Por favor, Jongin.

— Não, ele...

— Por favor, Jongin! Me deixe falar com ele. Olhe para mim — forcei-o a se acalmar — Tire ela daqui, por favor irmão — insisti, ele respirou fundo, olhando ainda com ódio para Namjoon - que sabiamente guardava distância - e o brilho divino diminui até que voltara ao normal. Levantou-se e caminhou até Sun que mantinha as mãos cobrindo os olhos, como pedi para fazer. — Eu encontro vocês lá fora! — disse em voz alta e aguardei até ter certeza que estavam longe o bastante para me voltar a Namjoon.

— Se Jongin fizer algo do tipo mais uma vez — começou, limpando o sangue de seu rosto —, sugiro que ele comece a procurar uma nova forma humana, porque essa não viverá o bastante.

Zeus nunca foi bom. Entretanto por mais de 80 anos, nessa encarnação, eu acreditei que ele tinha mudado. Que algo naquela forma humana tinha o feito diferente e ele estava arrependido dos erros do passado.

— Namjoon eu suplico.... Eu não quero vê-la morrer mais uma vez — implorei, de joelhos diante dele, me agarrando a esperança de algum resquício de compaixão que ainda tivesse — Por favor, eu a amo e ela está destinada a morrer e irá se não fizermos nada a respeito. Por favor. Eu faço o que quiser...

— Destinos não podem ser mudados. O destino de Sun é morrer e ela cumprirá o destino que lhe foi dado. Viva as vidas que ainda restarão a ela, não haverá muitas de qualquer forma.

Zeus nunca foi bom. Kim Namjoon também não o era mais.

+++

JEON JUNGKOOK

[?]

Retornar das lembranças fora muito mais angustiante naquele momento. Ver as memórias de Namjoon da vez anterior fora estranho, mas as que vieram agora e as de Jimin e Hoseok me deixaram realmente mal. Moros notou meu desconforto e foi a primeira vez que vi um olhar preocupado em seu rosto. Rejeitei sua oferta para que me sentasse na poltrona e preferi simplesmente deitar no chão, tentando organizar aquele mar de informações na minha mente.

— Existem outras? Outras lembranças? — perguntei, depois do que pareceu longos minutos.

— Sim, mas não estão prontas. É muito trabalhoso tirar memórias dos livros do tempo. Podemos ver mais amanhã.

— Amanhã? — ele assentiu e mesmo que não houvesse nenhuma janela no recinto, eu sabia que já era noite. Quanto tempo teria passado no mundo real? Provavelmente mais que dois dias. Alguém estaria preocupado? Procurando por mim, talvez? Inevitavelmente pensei em Taehyung mais uma vez e como ele estava reagindo ao meu desaparecimento.

— Sim, você pode dormir aqui — ele sentou-se ao meu lado e pegou um de seus livros — Foi exaustivo de ver desta vez, não é? — assenti — São memórias difíceis, são deuses muito fortes, e com exceção de Namjoon, estão todos vivos. Torna a experiência menos agradável. É como se estivéssemos invadindo um pedaço da mente deles, é provável que eles não estejam tendo um boa noite de sono no momento.

— Eles sabem que observamos?

— Não. No dia seguinte nem se lembrarão da sensação ruim que tiveram.

Compartilhamos um longo silêncio em seguida, eu não conseguia pensar em muitas coisas, e tudo parecia estranho e confuso. Eu tinha suspeitos, tinha seus motivos, mas não conseguia imaginar nenhum deles cometendo o crime.

— Moros?

— Sim.

— Por que você tem uma sala de armas? — A pergunta me veio do nada, apenas me lembrei de seu comentário de horas atrás.

— Eu tenho muitas salas. De muitas coisas.

— Posso ver?

— Não lhe serviria muito. Não há mais armas lá. Todas se foram — disse como se não fosse nada demais, cocei os olhos, dando um longo bocejo — Você quer dormir? — neguei, tentaria me manter acordado ao menos para conversarmos um pouco mais.

— Você encarnou? — continuei as perguntas — Como os outros?

— Claro que sim.

— E por que pode mudar de forma? — Era uma questão que tive curiosidade desde a primeira vez que o vi. Nenhum outro era capaz de fazer o que ele fazia. Moros aparentava ter muito mais poder, estando acima de todos os outros, era difícil acreditar que ele tinha uma imagem humana também.

— Porque é próprio do Destino não ter uma aparência fixa. Mas eu nasci, como todos os outros. Tive uma mãe e um pai. Eles ficaram comigo até os sete anos, foi quando comecei a mudar e isso os assustou além da conta. Quando viram que eu era diferente me chamaram de "cria do diabo", mas não posso julgá-los, quem pensaria diferente 100 anos atrás? Meu pai deixou minha mãe porque não podia aceitar sua possível traição. Ela fugiu, com medo que a matassem. As pessoas costumam ser extremas quando acham que seu filho é o próprio demônio. Yoongi deve saber bem disso, o pai dele tentou matá-lo quando ele começou a ver pessoas mortas.

— Sinto muito — murmurei, sem saber ao certo o que lhe dizer.

— Não sinta. Eu fiquei bem apesar de tudo. Meu pai não. Nem o de Min Yoongi, mas eles mereceram o fim que tiveram — bocejei mais uma vez, e mesmo que quisesse continuar a ouvir, o sono estava me impedindo de dar total atenção — Você precisa mesmo dormir, criança. Vamos, vou encontrar um bom quarto para você.

(...)

Moros me fez segui-lo por um número absurdo de corredores, mesmo que houvesse cômodos bem ao lado da biblioteca, o que logicamente me fez pensar que o deus queria garantir que eu não iria procurar nada no meio da noite. Minha suspeita sobre a sala de armas se tornou imediatamente maior.

Na verdade, nada do que ele me dizia me passou total confiança, o sentimento que ele escondia coisas de mim, mentia ou omitia informações importantes rondava a cada nova afirmação. E me incomodava que ainda usasse a imagem de Namjoon, especialmente depois de ver um lado tão perverso do deus.

Eu não esperava que Namjoon fosse agir daquela forma com os outros deuses, manipulando Jimin, recusando a imortalidade à Sun. Ameaçando a vida de Jongin. Humilhando Hoseok. Esse último em especial.... Em seus pensamentos ele dizia que Zeus nunca fora bom. Eu não sabia o que pensar sobre isso.

— Você está quieto, criança — Moros comentou ao meu lado — Não pense demais antes de dormir. Os pensamentos antes da inconsciência sempre são os mais perigosos — assenti.

— Moros? — chamei.

— Sim.

— Você tem um nome? Um nome de nascimento? — especifiquei, olhei-o para captar alguma expressão, mas ele não demonstrou nada.

— Eu costumava ter, mas não lembro dele. As memórias de um deus como eu, que vive muito mais entre histórias de outros que na sua própria, não são duradouras. Eu quase não me lembro de nada de minha vida humana. Mas se me serve de algum consolo, a maioria dos deuses não tem uma memória excepcional — e mais uma vez, Taehyung me ocorreu a mente. Na ilha ele disse que não conseguia lembrar a idade do irmão que havia morrido, mesmo vendo-o com alguma frequência. Inevitavelmente ele esqueceria de sua família humana? Será que em algum momento, depois de minha morte, ele esqueceria de mim, completamente? — Escolha um nome para mim.

— O que? — reparei naquele instante que havíamos parado diante de uma porta.

— Escolha um nome para mim — repetiu — Tenho certeza que pensará em um nome adequado.

Era um pedido estranho, porque ele me pediria algo assim? Ele não poderia escolher um nome para si? Por que me deixar o fazê-lo? Mas ainda assim, concordei.

— Vou pensar em alguma coisa — cocei os olhos novamente e talvez, só talvez, fosse aquela casa que estava me fazendo ter tanto sono. Moros bagunçou meu cabelo como se eu fosse mesmo uma criança e sorriu.

Abriu a porta do quarto, só aquele cômodo era maior que minha casa inteira, havia uma cama de dossel, tão branca que doía os olhos, uma cômoda alta e de gavetas grandes. Os móveis se resumiam a isso. Havia janelas também, podia ver o mar através delas e a noite muito escura, com muito mais estrelas do que costumava ver do lado de fora. Mais próximas também. Com certeza o cinturão de estrelas que pareciam um pedaço da galáxia e que brilhava do lado de fora não eram tão visíveis no mundo real. Ao mesmo tempo que era bonito, era angustiante, como se estivesse literalmente na borda do universo.

O infinito sempre me deixou assustado.

— Se eu sair pela janela, vou voltar para Jeju? — perguntei, entrando no quarto e me aproximando da janela, daquele ponto, bem de perto olhando para baixo, podia ver a parede de pedras que impediu que eu chegasse ao casarão quando estive em Jeju.

— Sim e não. Vai encontrar uma versão alternativa de Jeju. Achei que já estivesse óbvio, mas esse céu, não é o céu do mundo humano — deu um de seus sorrisos cínicos já característicos dele — A casa foi construída entre o plano material e espiritual. Você pode sair e ir parar na ilha original ou na alternativa, que pode não ser tão agradável já que ela está no plano espiritual e, até onde me lembro, você e espíritos não tem uma boa relação. Mas se quiser arriscar...

— É... acho que não quero sair não — riu um pouco mais — Aqui parece ótimo, obrigado.

— Boa noite, Jungkook.

— Boa noite — respondi, ele saiu e fechou a porta. Olhei em volta, vendo o padrão de arabescos no papel de parede e como parecia ouro. Ou como a cama era muito alta, assim como a cômoda e me senti como uma criança. Fui até a cômoda e abri as gavetas, dentro delas haviam grandes rolos de linha vermelha. Em todas elas. Me questionei porquê o destino precisaria de tanta linha vermelha e algo em meus pensamentos meio que sabiam a resposta, mas não conseguia me lembrar dela.

Melhor seria dormir.

Subi na cama, me sentindo imediatamente cansado, e me enrolei nos edredons que eram quentes como um abraço.

— Esse lugar é estranho... — murmurei — Como o país das maravilhas — custava a deixar meus olhos abertos, antes de adormecer lembrei de Taehyung uma última vez, e por alguma razão eu sentia que o abraço quente que os edredons me recordavam eram o abraço dele, mesmo que não lembrasse de nenhuma vez que ele houvesse me abraçado.

Então adormeci.

+++

"Minha mão estava envelhecida, as veias azuis mais grossas se destacavam em minha pele enrugada, sorri comigo mesmo e pensei que naquele dia, alcancei a mesma idade que meu avô tinha quando morreu. Nunca achei que fosse viver tantos anos. Segui olhando minha mão, e dei um longo suspiro vendo a pele começar a esticar, as veias desaparecerem até serem leves linhas não evidentes. Puxei a manga da camisa vendo que já tinha se espalhado pelos braços e o resto do corpo.

Suspirei mais uma vez, apoiei as mãos na cadeira de rodas e impulsionei o corpo para cima. Fazia quase cinco anos que eu já não andava mais, então fora estranho dar os primeiros passos novamente, mas o corpo jovem se recuperou fácil. Taehyung me deixou roupas para trocar, que o fiz, ele deveria estar no cais me aguardando. Antes de ir parei para olhar no espelho. Meu rosto era jovem como em meus 20 anos, mas eu sabia que não deveria ser. Deixei a casa vendo Taehyung na borda do cais, bem adiante, me aproximei e sentando ao seu lado.

— Por que estou assim? — perguntei, ele segurou minha mão — Eu deixei de me importar em envelhecer desde meus 40 anos. Eu tenho 86 anos, Taehyung. Não me importo mais.

— Nosso tempo está acabando... — murmurou — Consegui te deixar jovem, mas o tempo de vida continua o mesmo.

— Quanto?

— Dois anos. Talvez três, sendo bem otimista — assenti — Três anos se vão tão rápido quanto um piscar de olhos, Jungkook. Não me restou coisa alguma neste mundo — observei como o mar rapidamente começou a se agitar — A eternidade não me vale de nada sem você.

Toquei meu rosto, sentindo as lágrimas escorrendo.

— Eu sinto muito — disse, estava sentindo meu peito doer — Mas nós vivemos tanto, Tae. Foram 63 anos — apoiei a cabeça em seu ombro — Uma vida inteira juntos, muito mais do que a maioria tem. Vamos permanecer até o último segundo — virou o rosto para mim e pressionei a testa contra a sua, fechando os olhos — Cuide de Jongin e Yoongi-hyung quando eu me for. Vá conhecer o universo, vá até a borda da galáxia e volte. E se ainda houver um planeta Terra, e esse lugar ainda existir, venha me ver. Eu ainda estarei bem aqui.

Uma lágrima escorreu de seu rosto e a enxuguei rapidamente.

— Não chore, você prometeu que evitaria terremotos — tentei sorrir, eu não precisava da dor de vê-lo chorar por mim. — Eu te amo. Tente não esquecer de mim, ok?

— Como eu sequer poderia. Você é meu destino — minha visão embaçou, conforme as lágrimas se acumulavam em meus olhos — Feliz aniversário, meu amor — ele tirou algo do bolso, uma vela pequena e um isqueiro, sorri um pouco quando tentava acendê-la, mas a brisa apagava a chama, porém depois de algumas tentativas ele acabou por conseguir — Vai me deixar te fazer um bolo?

— Se não tiver gosto de peixe como aquele último, sim — ele riu um pouco. Soprei a vela. 86 anos... era muito tempo. Muito tempo. Num instante meus olhos pesaram, e eu não conseguia mais vê-lo com tanto foco, meu corpo começou a pender para baixo e ele me segurou pelos ombros, a visão embaçou, mas tornou-se escura até não conseguir distinguir nem mesmo seus traços. — Eu não consigo te ver — murmurei, as lágrimas escorriam pelo meu rosto. — Não consigo... não..."

Acordei aos gritos, sufocando com meu próprio choro, demorando um pouco para me situar de onde estava e a estranheza do quarto me angustiou. Bastou um minuto para que Moros entrasse no quarto e vê-lo me fez chorar convulsivamente. Não sabia dizer o porquê. Ele não reagiu, apenas me observou enquanto eu me desfazia em minhas próprias lágrimas, querendo esquecer aquele sonho e a sensação terrível que me trouxera.

Quando comecei a me acalmar, Moros se aproximou e me surpreendi quando ele se sentou ao meu lado e me abraçou. O abraço me fez chorar um pouco mais, o deus murmurava que tudo ficaria bem, que eu deveria respirar e manter a calma, e tentei fazer isso, controlando minha respiração da melhor maneira que podia. Somente me afastei do abraço quando senti algo pressionar meu rosto e reparei que ele usava um pingente por baixo da roupa.

— Aí... — resmunguei na hora, pois o objeto era pontiagudo e marcou meu rosto.

— Desculpe — ele puxou o pingente para fora da roupa e estranhei o objeto. Era um dente de tubarão, preso por uma fina tira de couro. Ele afastou o pingente para não me machucar. — Tudo bem? — assenti — Tente dormir novamente, ok? Eu garanto que nenhum outro sonho vai te assustar — me deitei, ainda tremendo um pouco e em soluços, Moros puxou os edredons e me cobriu como minha mãe fazia quando eu era criança — Boa noite, Jungkook.

Ele levantou-se e se dirigiu para a porta.

— Moros? — chamei, olhou para trás, já com a porta aberta — Onde conseguiu? O dente, onde o encontrou? — especifiquei. Ele segurou o objeto entre os dedos, olhando por um momento.

— Ah... isso? Um tubarão deu para mim — disse simplesmente, antes de sair.

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