God Killer - PRIMEIRA VERSÃO

By taemeetevil

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[CONCLUÍDO] O mundo é diferente. Os deuses agora vivem entre nós, expandindo seu poder e influência. São mu... More

Prólogo
Zeus
Hera
Hades
Apollo
Eclipse
Humano
Hermes
Ártemis
Moros
Ares
Receptáculo
Destino
Memória
Tempo
Maldição
Assassino
Eternidade
Arcádia
Baco
Alma
Pothos
Epifania
Dia B
Universo
Hyun
Deus Ex Machina
Deus
Eros
Poseidon
Epilogo
Human Among Gods

Iliada

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By taemeetevil


KIM NAMJOON

[ZEUS]

Busan - Coreia - Império do Japão

Fevereiro de 1944

Havia quase meia hora que o garoto estava olhando para mim. Era bem óbvio que não estava ali para trabalhar, as roupas eram boas, mas tinha ombros largos, o que seria bem útil caso quisesse ajudar nas docas. O pessoal começou a reparar nele - distraindo-se de suas funções apenas para admirar o desconhecido - era impossível ignorá-lo.

— Kim! — meu superior gritou, acenando para que aproximasse, o fiz. — Quem é aquele? — indicou o garoto desconhecido.

— Não faço ideia, senhor. — Senhor Hirai era um homem difícil, ele odiava bisbilhoteiros nas docas com a constante paranoia de espiões inimigos. E depois da sabotagem do submarino, o velho líder estava pior em sua loucura, qualquer um que não tivesse passe autorizado era jogado para fora, se fosse insistente nós jogávamos na água e a região era conhecida por tubarões.

— Então vá até lá e o mande embora — acenei que sim e caminhei até o garoto, que começou a sorrir largo, como se me conhecesse. Estava quase pensando que realmente o conhecia. Talvez fosse da minha cidade e eu não me recordava.

— Oh, desculpe, mas você não pode ficar aqui — disse, acenei para a saída do cais.

— Você sabe quem sou eu? — perguntou, olhei-o novamente, o terno era bom, feito sob medida, sapatos de camurça. Rico. Com certeza eu não o conhecia, a não ser que ele fosse um político ou algum herdeiro rico para quem meu pai trabalhou na época em que era um jardineiro.

— Não faço a menor ideia, pode indo embora, se cai uma peça de navio na sua cabeça sua família rica vai querer fechar a doca, algo que não pode acontecer, caso não tenha notado, estamos em guerra — continuei tentando empurra-lo para a saída, mas o garoto era insistente.

— Se caísse algo sobre mim não me machucaria. Nada humano pode me machucar — o ar deixou meus pulmões. — Você também é assim, não é? Diferente deles — indicou meus companheiros de trabalho com um aceno de cabeça. — Mais rápido, mais forte. Mais bonito...

— Está flertando comigo?

— Nós temos de ajudar — ele cortou o assunto, ignorando minha pergunta. — Você tem habilidades. Eu sou como você, também. Algo assim não deve ser escondido do mundo, sim usado para ajudar as pessoas. Parar a guerra.

— Eu não sei do que você está falando — tentei afastar, mas ele me puxou pelo braço, era mais forte do que eu pensava.

— Você sabe que é diferente. E está com medo, entendo isso. Mas podemos fazer alguma coisa e evitar ainda mais mortes. Parar essa insanidade.

Sendo bem sincero aquela guerra só nos colocou ainda mais em desgraça. Passávamos dias construindo navios para o Império Japonês com salários tão baixos que era quase um regime de escravidão. Se a guerra acabasse e especificamente, se o Japão perdesse, estaríamos livres daquele inferno.

Eu não conhecia aquele garoto, não devia acreditar nele e em suas palavras estranhas, mas algo em mim me fazia sentir confiante quanto às intenções dele.

— Eu posso até ter... habilidades — falei mais baixo, vendo a cara de desaprovação de senhor Hirai olhando para nós. — Mas não somos heróis.

— Tem razão. Não somos heróis — inclinou-se um pouco, para falar bem baixo próximo ao meu ouvido. — Somos deuses.

+++

Navio U.S Foster - Em algum lugar do Pacífico

Março de 1944

— Ele nunca sai de perto da água, não é? — Seokjin apontou para Taehyung. O garoto olhava para o mar, rindo todas as vezes que os golfinhos e baleias pulavam para fora da água, apenas para entretê-lo. Fora assim durante toda a viagem, a tripulação ficou em pânico quando dezenas de tubarões cercaram o navio, mas não representou perigo algum. Estavam ali para fazer companhia ao Tae. Animais aquáticos o adoravam. Seguiam-no e traziam-no presentes, no galpão que dividimos em Busan, Taehyung tinha um baú cheio de joias do fundo do mar que traziam para ele.

— O oceano é a casa do Tae — expliquei, Taehyung riu alto quando uma das baleias bateu forte na água, o ensopando completamente. — Me sinto responsável por ele. É uma criança num corpo adulto. Ou não tão adulto assim, as vezes penso que ele mentiu ter 19 anos para aceitarem-no no cais.

Seokjin assentiu, mas olhou com tristeza para o garoto.

— Não vai ser assim para sempre. Eu era mais feliz antes de começar a me lembrar.

Seokjin já tinha me falado sobre a "mudança" nele. O garoto realmente acreditava que éramos deuses e nosso poder ainda não tinha se libertado totalmente pelo fato de não lembrarmos de tudo. Porém até para que lembrássemos havia uma regra. Tínhamos de realizar um ato heroico e mesmo assim a mudança era gradativa por ser terrivelmente dolorosa. Até o momento, ele não tinha dito nem a mim ou a Taehyung qual fora o ato, que o fez lembrar de sua existência divina. Sendo bem sincero, eu não acreditava nem em deuses, quanto mais naquela conversa doce.

— Quando vamos chegar? — perguntei, mudando de assunto.

— Falta pouco! — Taehyung gritou — Tipsy disse que estamos bem próximos do Hawaí.

— Quem é Tipsy? — gritei de volta.

— Ele! — Foi a primeira vez que vi um tubarão pular para fora da água. Taehyung aplaudiu ao novo amigo. — Muito bom, garoto. — Ele realmente fez amizade com tubarões. Se não fossemos deuses, provavelmente éramos as criaturas mais bizarras que o único Deus já criou.

— Isso é muito para minha cabeça — afastei de ambos, empurrando a porta de ferro e me arrastei pelos corredores estreitos de volta para minha cabine.

(...)

— Dizem que o magrelo fala com animais marinhos — ouvi um dos marinheiros sussurrar, eles falavam em inglês, sabia disso, mas eu conseguia entendê-los mesmo assim. — O barco viajou até mais rápido que o normal, o capitão disse que todas as correntes eram favoráveis. Acho que foi ele.

— Como se já não tivéssemos esquisitos o suficiente aqui, agora estamos importando mais gente bizarra da China?

— Coreia — outro corrigiu, a voz era mais grave dessa vez. — Tu não entendes porra nenhuma de geografia!

— Eu entendo do mar, por isso que estou nessa merda.

— E o outro? — Como não houve resposta, presumi que apontou silenciosamente para mim, estando afastado deles, e de costas, não me era possível saber. — Porque ele veio então?

— O garoto de Harbor disse que ele era importante.

"Harbor? "

Levantei da cadeira e caminhei até eles, vendo-os se assustarem quando me aproximei. Sentei em um lugar vago ao lado do marinheiro que parecia uns bons anos mais jovem que eu.

— Quem é o garoto de Harbor? — questionei, vendo-os se entreolharem.

— Jin — ri um pouco de como pronunciavam o nome dele como "Diam". O homem era um tanto velho, já devia estar perto dos cinquenta anos, os olhos bem azuis e o cabelo loiro entupido de gel, assim como o de todos ali, exceto o meu. — Ele estava em Pearl Harbor quando os japoneses atacaram. Alertou todo mundo para se mandar e evacuaram a base. Perdemos aviões e navios, mas ninguém morreu. As pessoas dizem que ele só teve um pressentimento, nem sabemos porque o general acreditou, mas graças ao bom Deus que sim ou milhares teriam morrido.

Assenti.

Esse fora o ato heroico dele, o que o fez se lembrar. Lhes fiz uma reverência em agradecimento - mesmo que nem todos merecessem - e sai a procura de Jin. Não precisou muito, o barco não era muito grande. Bastou que olhasse em sua cabine e ele estava lá, lendo mais um de seus livros.

— Por que não disse antes? Porque não disse que salvou pessoas em Harbor? — fechou o livro quando irrompi porta adentro.

— Não achei que importasse dizer. Não foi o melhor dia da minha vida, na verdade, começar a lembrar enquanto estava cercado de soldados em choque vendo a base naval deles ser destruída não foi a melhor experiência que já tive.

— Foi doloroso?

— Como o inferno. Apaguei por dias e de repente eu não era mais... eu. E nem mesmo lembrei de tudo, a mente humana não suportaria receber tanto poder de uma vez — sentei na borda da cama, me abaixando para não bater a cabeça no beliche de cima. — Eu sou Kim Seokjin, mas tem as memórias dela agora. E os sentimentos. E angústias. De uma forma estranha somos a mesma pessoa.

— Você é Hera — disse, não podia afirmar como eu sabia disso. Simplesmente sabia. Ele assentiu. — O que, quem... — corrigi. — Quem eu sou? — ele se aproximou um pouco mais, senti algo como uma corrente elétrica passando pelo meu braço quando segurou minha mão. Não foi uma sensação ruim, entretanto. A mão dele era macia em contato com a minha cheia de calos do trabalho nas docas, ele percebeu meu incômodo quando seus dedos tocarem as marcas.

— Todas vão sumir, você será perfeito quando lembrar. Como os comerciantes ricos do Porto Sul.

— Isso parece bom demais para ser verdade — ri um pouco. — Você não vai me dizer, não é?

— Eu prefiro não falar. Só te assustaria. E... acho que não vai gostar de.... Enfim. Vai lembrar no momento certo, ok? — soltou minha mão. Não queria que o tivesse feito. — Eu vou... ver o Taehyung, o barco já deve estar perto do Havaí.

+++

Fronteira da França

Abril de 1945

A primeira vez que pisei em Paris foi para devolvê-la aos franceses. Não que tivesse feito tanta coisa, porém fora eu que assumi o front com as tropas inglesas na expulsão das tropas nazistas. Era mais forte que a maioria e descobriram que armas de fogo não conseguiam me matar, o que me deu a vantagem para proteger os grupos de ataque. Arma nenhuma, de nenhuma proporção podia me ferir. Então, até o momento, eu era um super soldado a serviço dos Aliados.

Eu não via Taehyung a alguns meses já que ele controlava tudo a respeito do mar agora. Desviando torpedos, movendo submarinos, resgatando soldados. Até nós, chegavam apenas as notícias do "Garoto que fazia o mar e os joelhos dos alemães se dobrarem diante do seu poder". Não precisava ser um gênio para presumir que o garoto era Poseidon, mesmo que até onde sabíamos, ele não tinha recordado seu passado divino.

Eu seria enviado para a Alemanha, no cerco a Berlim.

Porém, naquele momento, eu só estava num quarto mal ventilado, numa cidade parcialmente arrasada, com Seokjin e mais dois soldados feridos, dopados com tanto absinto que seria muita sorte se não morressem de coma alcoólico.

— Quando você vai? — Seokjin não parecia com a maioria dos soldados, enquanto estávamos todos exaustos, ele sempre parecia bem, seu rosto bonito e sem defeitos transparecendo uma calma estranha. Ele não era um soldado, nunca pegou numa arma desde que fomos enviados para a Europa, Jin estava ali para abençoar o grupo.

Literalmente abençoar.

Por alguma razão - ou talvez fossem seus poderes de deus - todo soldado que Jin abençoava, conseguia retornar vivo. Era engraçado no começo, vê-lo sentado sobre um tanque de guerra enquanto mandava "beijos voadores", que os soldados fingiam desviar ou apenas desejar-lhes sorte. Nada demais. Porém conforme as missões avançavam em campo inimigos, começamos a reparar que todos para quem ele desejava sorte ou aceitavam seus "beijos voadores", voltava vivo, mesmo nas piores circunstâncias.

Num campo de guerra, com tantos querendo sobreviver e voltar para suas famílias, a benção de Jin se tornou mais imprescindível que alimentos e água.

— Em algumas horas — respondi a sua pergunta. — Não sei o que fazer. Acho que eles esperam que eu mate Hitler. Até me deram uma droga de cidadania inglesa, para dizer que um soldado inglês matou o ditador — suspirei. — Eu não quero matar ninguém.

— Então não mate. Deixe que humanos cuidem dos próprios assuntos. Um deles matará Hitler e ficará muito satisfeito com isso.

— Se eu o matasse seria um herói. E lembraria quem eu sou — era um bom ponto, da qual eu estava considerando há uma porção de dias.

— Você pode achar outra maneira para ser um herói. Aquele que mata um assassino, também é um. — Ele sempre sabia o que dizer. Seria a primeira vez em um ano que teríamos de nos separar e eu não queria realmente deixá-lo para trás, porém as pessoas precisavam muito mais de sua sorte e cuidados do que eu.

— Kim! — nós dois olhamos na direção da porta. — Namjoon, é hora de ir — "Mas já? Achei que teria mais algum tempo" o rapaz inglês entrou no quarto, a cara suja de fuligem e os olhos abatidos de exaustão. — Desculpe, mas o general quer chegar o mais perto de Berlim antes da noite.

— Sem problemas — levantei e Seokjin fez o mesmo. — Pode me dar um minuto? — ele assentiu, indo embora.

— Não mate ninguém para obedecer à ordem, não devemos nada a eles — ele me abraçou, algo que não costumava fazer, os dias eram terríveis demais para ter momentos bons, nem que fossem curtos. O apertei com força, talvez quando voltasse a vê-lo já não fosse mais eu a retornar. Fosse o deus dentro de mim.

— Pode me desejar sorte?

— Você não precisa.

— Preciso mais que qualquer um — então reuni toda coragem que guardei por quase um ano para finalmente beijá-lo. Queria fazer isso ainda sendo eu. Não fora nada demais, apenas lábios se tocando, mas foi o momento que mais me senti vivo em muito tempo. — Se eu não for Zeus... ainda vai querer ficar comigo?

— Eu ficaria mesmo se fosse só um humano muito diferente — ri um pouco, encostei minha testa na sua e fechei os olhos. Eu não queria ir. — Mas eu sei que é um deus e provavelmente não vou estar ao seu lado quando a mudança começar, então seja forte.

— Eu serei — pressionei mais um beijo em seus lábios.

— Kim! — Eu e Seokjin nos separamos no susto, o oficial olhou para nós dois e depois deu um longo suspiro. — Vamos fingir que eu não vi nada. Mas temos de ir, Kim.

Assenti, sussurrando um adeus a Seokjin e acompanhei o oficial. Em poucos dias talvez eu nem fosse eu mesmo. Como seria? E como reagiriam quando me vissem passar pela "transformação"? A única coisa que teria certeza, e que levaria comigo no campo de batalha, é de não matar ninguém, não importasse que deus eu fui ou serei, eu não começaria essa existência como um monstro.

+++

Nagasaki - Império do Japão

Agosto de 1945

A dor queimava meus ossos. Minha cabeça doía como mil infernos enquanto as memórias voltavam, uma a uma, de épocas que não eram minhas, de vidas que não vivi, mas em todas, de alguma forma, era eu. Em cada uma delas. Eu ouvia Seokjin tentar me tranquilizar, dizendo que passaria. Do lado de fora, acima dos meus gritos de dor e do desespero de Taehyung, ouvia as pessoas orando por nós. Os deuses que os salvaram de uma bomba nuclear, agora agonizavam num quarto, desejando morrer e eles oravam aos deuses que conheciam para que tivessem misericórdia de nós.

Meus olhos buscaram Taehyung quando minha dor pareceu melhor. Ele não parou de gritar em nenhum momento e várias vezes o vi apagar em agonia. Seokjin disse que havia algo de diferente nele "Tae não está lembrando em partes, está se lembrando de tudo. De uma vez. Isso pode destruir sua mente". Eu precisava ajudá-lo. Precisava ser forte por ele e por mim mesmo.

Numa noite meu corpo não mais doía, mas a sensação de estranheza não me deixou. Seokjin não estava ao meu lado como sempre, ele estava com um médico, ao lado de Taehyung. O garoto gemia e chorava durante o sono, algumas lágrimas eram sangue. Estava embebido em suor e mesmo que não gritasse, sabia o quanto persistia em sofrimento.

— Por que ele está lembrando de tudo de uma vez? — perguntei, Jin disse algo ao médico que fez uma reverência antes de sair.

— Poseidon é um deus de ira. Não existe controle para ele — me forcei a levantar, porém meu corpo não estava realmente exausto. Mesmo lembrando de quem um dia já fui, ainda era eu, estávamos Zeus e Kim Namjoon, coexistindo naquela mente. Sentei-me na borda da cama de Taehyung. — Eu acho que o corpo dele não vai aguentar. Talvez precise reencarnar em outra pessoa.

— E Taehyung? — nos encaramos e os olhos de Jin encheram de lágrimas que escorreram como gotas de ouro. Ele apenas negou, incapaz de dizer, mas não foi necessário. Poseidon ficaria bem, voltaria num corpo novo, que talvez tivesse mais sorte, porém o humano, Kim Taehyung, morreria.

— O mar... — Taehyung sussurrou, a voz apenas um fiapo sem vida. — Me levem para o mar — segurou meu pulso, apertando com força. — Eu preciso do mar, me leve para o mar.

— Calma. Vamos te levar — prometi, tentando acalmá-lo.

O peguei no colo já que ele não tinha como andar, seu corpo tremia e ele se encolheu de dor. Seokjin abriu a porta para mim e deixamos a pequena casa que nos foi cedida pelos moradores. Do lado de fora pessoas permaneciam como foi em todos os outros dias, com velas e de joelhos em oração por nós. Alguns tentavam nos tocar, os mais velhos sussurravam bênçãos, crianças perguntavam a Taehyung se ele iria ficar bem, infelizmente ele mal conseguia falar sem chorar de dor. Ao menos o mar não estava distante, eles nos acompanharam por todos o caminho, iluminando as ruas escuras do bairro pobre com suas velas. Era bonito. Queria que Taehyung abrisse os olhos, ao menos para ver aquele momento. Se ele não resistisse, ao menos seria uma bela última lembrança. Alcançamos a praia e quase que de imediato Taehyung parou de tremer, acenou para que eu o colocasse no chão.

— Me ajude a chegar só um pouco adiante — assenti, apoiando seu corpo e caminhamos para água que parecia negra graças a noite muito escura, isso não me atrapalhava, entretanto. Podia ver perfeitamente bem mesmo com a luz tão escassa, o que me ajudou a enxergar, com a água alcançando a cintura, o tubarão, com uma estranha marca azulada junto à cabeça, se aproximando.

— Tipsy... — Tae murmurou, quase sorrindo. O tubarão do Havaí o seguiu por todo esse tempo. — Ele vai me ajudar agora, Namjoon. Obrigado. — O deixei, vendo-o caminhar ao lado de seu parceiro aquático até sumir completamente. Ouvi o som da água se agitar atrás de mim quando Seokjin se aproximou.

— Ele vai voltar, não é?

— Vai. Só não vai ser mais o antigo Taehyung — ri, sem humor, com minhas lembranças amargas.

— Eu e Poseidon nunca fomos melhores amigos.

— Nada tem que ser como antes. Eu vou até ter menos ciúmes de você. Juro. Sou um novo homem — ri de verdade dessa vez. — Mas se me trair, Kim Namjoon...

— Serei um deus muito morto, eu sei. Não vou te trair. Nunca mais, é uma promessa — segurei sua mão embaixo da água. Eu cumpriria minha palavra, ao menos dessa vez, depois de tantos erros, faria o certo nessa encarnação.

— Podemos fazer tudo diferente agora, mas antes de pensar sobre isso, nós temos que encontrar os outros. Recebi uma carta há alguns dias, de um tal Jung Hoseok, o rapaz diz ser a encarnação de Apolo, e que encontrou Hades também, Min Yoongi.

— Hades? — Eu quase sorri ao saber de meu irmão.

— Pedi que viessem para cá. Não seremos só nós e vai ser necessário tomar decisões.

— Assumir uma liderança — conclui antes dele. Eu sabia disso. Soube com a primeira lembrança e o primeiro fragmento de poder dominar meu corpo. Eu precisava liderá-los porque não havia mais ninguém. Todos eram minha responsabilidade, mesmo os que ainda não havíamos encontrado. Eu tinha de ser forte por eles, por todos eles.

+++

Nagasaki - Império do Japão

Setembro de 1945

Já tinha se passado quase um mês desde que Taehyung fora para o mar e não havia retornado. Eu olhava o oceano todas as manhãs e noites, esperando vê-lo quando retornasse, mas todos os dias seguiam iguais enquanto tentávamos nos manter as escuras e aguardávamos a chegada dos outros como nós. Eu não sabia o que o futuro nos reservava, tudo parecia terrivelmente incerto, ainda mais com a ausência de Taehyung.

Quando a noite caiu, eu deixei a praia e segui para casa, nos mudávamos a intervalos regulares, tentando manter os americanos longe. Havia nossos rostos em todos os lugares, avisando que seríamos levados a corte marcial por traição já que arruinamos seus planos com a bomba. O esforço de Seokjin com os acordos de paz foi ignorado, eles literalmente agradeceram e mandaram prendê-lo no mesmo dia. Foi quando Jin fugiu da Europa para nos encontrar. Ficava pensando como poderiam nos julgar se nenhuma pena humana surtia efeito sobre nós. Antes que eu entrasse na casa, Seokjin abriu a porta, com o primeiro sorriso animado em muito tempo.

— Temos dois aqui.

— Apolo e Hades? — ele negou.

— Apolo encontrou mais um. Estão a caminho, mas Hades chegou antes com mais um — deu espaço para que eu entrasse, caminhei pela sala com receio e me mantive nas sombras quando vi os dois. Eram um adulto e uma criança, o menino tinha um arco e flecha e o mais velho posicionava a flecha para ele.

— Cuidado. Jongin! Não, não apontei muito alto.

— Eu sei, hyung. — O pequeno fez uma expressão emburrada, segurando o arco que parecia grande demais para seu tamanho. Devia ter 4 anos, cinco no máximo.

— Muito bem, segure firme. E solte. — A flecha voou pelo cômodo e sumiu pelo corredor, mas a julgar pela comemoração animada da criança, havia acertado onde ele queria. — Vá lá buscar — esperei que o garotinho fosse para me aproximar.

— Você é Hades? — perguntei, mesmo que já soubesse no momento que o vi.

— Olá, irmãozinho — sorrimos um para o outro.

— Temos um semideus? — acenei para o corredor por onde o garoto fora.

— Não. Ele é Ártemis. O encontrei para Hoseok.

— Entendo — olhei na direção do corredor. — Por falar nele, quem ele foi buscar?

— Afrodite, acho. Falam de um deus de amor em Busan, ele não deve demorar, pegaram o barco da noite. — Eu já tinha ouvido falar na época que ainda trabalhava no porto sobre um garoto que ajudava casais, mas não dei ouvidos, meu trabalho já me ocupava o suficiente. — Provavelmente existem vários dos nossos perdidos. Insisti pra Hoseok encontrar quantos pudesse, ele precisa de um propósito.

— Como assim? Algo aconteceu?

— Ele perdeu alguém importante. A garota humana por quem estava apaixonado. É deprimente ver o deus sol tão triste e de tristeza eu entendo bem. — O garotinho retornou com sua flecha. Ele me olhou, desconfiado, preparando a flecha de novo em seu arco. Me ajoelhei para ficarmos numa altura mais próxima.

— Olá, Jongin — ele não respondeu. — Você sabe quem eu sou?

— Zeus — assenti.

— Sabia que... enquanto deuses, você é meu filho — ele assentiu. — Hoseok também. Podemos ser uma família de verdade dessa vez.

— Eu não quero, obrigado. Eu já tenho Yoongi-hyung e Hobi-hyung e Sun-noona quando ela voltar. — Yoongi sufocou uma risada diante da rejeição que recebi. — Tem um gatinho no quintal, posso ir? — pediu a Yoongi que acenou que sim e o vimos correr para o jardim da casa.

— Não consigo acreditar que Hades roubou meu próprio filho — rimos um pouco, olhei para trás em busca de Jin, mas não consegui vê-lo em lugar algum. — Como ele já sabe quem é?

— Jongin já tem seus pequenos atos heroicos. Muitos animais foram abandonados quando as pessoas fugiam da guerra, ele resgata o quanto possível. Isso ajudou a lembrar, mesmo que pouco. A dor é bem menor quando ainda criança — suspirou, mudando de assunto. — Hoseok já está bem perto, deve chegar essa noite. Seremos seis.

— Sete. Poseidon também encarnou, mas não regressou do mar.

— Faz muito tempo?

— Quase um mês. Mas estou com um bom presságio, especialmente por você já ter chegado e Hoseok estar tão perto, como diz.

Não tivemos muito o que falar por um tempo, até ouvir batidas na porta e Jin surgir de lugar nenhum. Não era possível ver os recém-chegados de onde estávamos até os dois caminharem até nós, antes que pudesse perguntar quem era quem, Jongin veio correndo para o primeiro, que se abaixou para pegá-lo no colo. Obviamente era Apolo. O outro aproximou-se de Yoongi e os dois se mediram com olhares cheios de ódio.

— Eros — Yoongi cuspiu as palavras. — Tinha que ser você.

— Hades... Hoseok não me falou que estaria aqui — lançou a Hoseok um olhar fulminante.

— Se eu dissesse sobre Min Yoongi, você não viria.

— Mas ele...

— Nos encontramos agora, será que podem esquecer os problemas antigos pelo menos por um tempo? — Jin pediu se colocando entre eles. — Se começarmos a brigar enquanto somos um grupo pequeno, será ainda pior quando encontrarmos os outros.

Yoongi e Jimin pareciam prontos para retrucar, mas batidas na porta calaram-nos. Jin lançou um olhar de alerta para ambos antes de ir até lá abri-la, ele retornou primeiro com Taehyung logo atrás, as roupas não estavam úmidas, mas eram apenas trapos, o cabelo cobria os olhos e ele se arrastava como se tivessem drenado sua vida fora. Ele parou, olhou para mim, Yoongi, Seokjin, Jimin, Hoseok e por último Jongin. O sorriso que deu nem de longe parecia com o que costumava dar. Jin estava certo, o Taehyung que conheci já não mais existia.

— Desculpem o atraso — bagunçou o cabelo de Jongin e passou por nós, encostando na parede mais distante. Ele não estava tão magro como antes, ganhara músculos e parecia ter envelhecido três anos nesse meio tempo, assim como eu mesmo envelheci, mesmo que pouco. Nos espalhamos pela sala, de pé num círculo desordenado, Hoseok deixou o pequeno no chão ao lado dele. — Acho que temos muito o que conversar.

— De quantos outros vocês têm conhecimento? — comecei, Jimin levantou a mão.

— Eu encontrei Hefesto e Vesta, chamam-nos de Shownu e Suho, ambos estão no primeiro front — assenti, ainda havia focos de batalha na fronteira ao norte da Coreia com a China.

— Eu ouvi falar de uma general, a única mulher nas linhas de comando a serviço dos Aliados, dizem que sua mente é abençoada pelos deuses. Ji-Soo. Acho que pode ser Atena — Yoongi comentou.

— Nós vamos nos mostrar? — Hoseok questionou. — Dizer ao mundo que somos deuses?

— Acho que vai ser impossível manter o mundo quieto depois de salvarmos duas cidades de bombas nucleares — Taehyung disse, afastando os cabelos do rosto.

— Precisamos de liderança mais do que nunca agora — Jin manifestou-se e recebeu a risada de escárnio de Taehyung em resposta.

— E imagino que Namjoon deveria ser o líder, certo?!

— Quem mais além dele? — Jimin quis saber.

— Eu lembro de Constantinopla, caso vocês não se lembrem — Hoseok disse. — Zeus e sua loucura por adoração derrubaram um império!

— Não me pinte como vilão da história porque era muito confortável para você enquanto humanos ainda reverenciavam os festivais solares. Eram outros tempos, adoração era tudo para nós — retruquei, aproximando-me mais dele.

— Pelo nome de Gaia, vocês nunca vão superar essa história? Impérios caem o tempo todo, não é culpa de ninguém — Seokjin disse, tentando apaziguar a discussão.

— Impérios caírem não justifica começar uma guerra — Yoongi se colocou na discussão também.

— Que grande prejuízo você teve? Guerras sempre o deixaram mais forte, mais mortos para o seu mundo — rebati e recebi dele um olhar fulminante.

— Não tente me demonizar para livrar a si mesmo!

— Ares também teve sua parcela de culpa — pontuei, me vendo acuado em suas acusações. Todas eram verdadeiras, entretanto. — Não sou culpado sozinho!

— Não teria culpa nenhuma se não fosse tão influenciável — Hoseok apontou acusadoramente para mim.

— Como você ousa... ah! — exclamei, olhando incrédulo para meu braço e a flecha cravada nele, puxei o objeto e o corte se fechou de imediato, quase que ao mesmo tempo todos olhamos para o garotinho raivoso.

— Você está gritando com Hobi-hyung! Não pode gritar com Hobi-hyung! — Eu ainda estava em choque demais para responder, a flecha saiu de minha mão quando Taehyung a pegou e a limpou em sua camisa.

— Não acredito que uma criança é o ser mais sensato dessa sala — devolveu a flecha a Jongin. — Não precisamos de um líder agora, mas se for para que assuma, Namjoon, seja impecável. Chega de sofrimentos dessa vez. Espero ter uma encarnação bem longa. Confio em você, irmão. Não me decepcione.

+++

JEON JUNGKOOK

[HUMANO?]

A casa do Destino era um grande casarão de cômodos iguais e uma infinidade de portas. Ele não me mostrou muito, entretanto e me alertou várias vezes a não o perder de vista, pois se eu me perdesse lá dentro poderia passar anos sem ser encontrado. Não quis arriscar, o que me fez praticamente grudar em seus passos. Minha cabeça ainda estava confusa depois de tudo que vi e sentia como se estivesse lá há horas ou até mesmo um dia inteiro. Por fim, o deus me levou até uma sala, que parecia muito com a sala da casa de Taehyung na ilha, porém com a luz amarelada e acolhedora distinta do ambiente que deixei para trás.

Moros me ofereceu chá, ele disse ser jasmim, mas o líquido tinha um brilho fora do comum que não me pareceu muito normal, mas como nada ali era, não discuti, apenas sentei diante dele, com a pequena mesa nos separando. Ele pegou algumas folhas de papel e alguns lápis, colocando no meio, ao lado do pequeno bule.

— O que achou das memórias? — empurrou a xícara com o chá em minha direção. Olhar seu rosto como o de Namjoon. Depois de ver tanto sobre a antiga vida do deus, era uma sensação parecida a ler o diário de alguém e olhar para a pessoa fingindo que nada aconteceu — Esclarecedor, certo?

— Na verdade, não — beberiquei um pouco do chá, mas acabei por tomar quase que a xícara inteira. Era maravilhoso. — Foi... bonito em partes. Mas não me trouxe muita coisa além das discussões e da leve ameaça de Seokjin. — Destino suspirou, meio decepcionado. — O que houve em Constantinopla?

— Constantinopla era a capital do império romano do oriente, Bizâncio, que antes já fora uma cidade grega, com deuses gregos, mas se tornaram a capital de um império católico. Zeus achou que se o império de Bizâncio caísse, o culto católico cairia também, então ajudou os Otomanos a invadirem. Ele estava errado. Depois de brigarem por um longo tempo, os deuses decidiram abandonar aquela encarnação. Deuses gregos e nórdicos se resumiram a mitos até voltarmos séculos depois.

Eu me lembrava disso das aulas de história - das poucas que dei alguma importância - apesar de não ler nada sobre a interferência divina nos acontecimentos.

— Ele tinha o peso do antigo erro nas costas e como deve ter notado pelas lembranças, a parte humana de Zeus não parecia tão confiante em suas atribuições. Havia muita responsabilidade e cobrança, sua dor foi silenciosa e muito mais lenta do que de seus irmãos. Isso o quebrou por dentro. Você entende, não é verdade? Sofrer em silêncio para não quebrar as expectativas de seus pais foi o que mais fez a vida toda.

Não respondi. Me perguntei se o Namjoon de verdade tinha olhos tão cruéis quanto Moros exibia no momento. Sua expressão suavizou e empurrou as folhas de papel em minha direção.

— Pode fazer um desenho para mim?

— Hã?

— Um desenho. Desenhe qualquer coisa. Não precisa de uma ideia, só comece a rabiscar, o universo sempre sabe o que fazer.

— Não sou o universo — meu sarcasmo soou péssimo.

— Estou com muita vontade de jogar meu chá na sua cara, garoto — bebeu um pouco do líquido. — Mas preciso tratar bem os visitantes, não costumo receber ninguém. E então, o que mais percebeu. Ou não percebeu nada? — Fez uma careta e somente a desmanchou quando comecei a rabiscar o papel, sem nenhuma ideia boa de desenho a fazer.

— Jongin era uma criança raivosa — ele riu.

— Suho o ajudou a se comportar muito mais que Yoongi e Hoseok tentaram, mas o pensamento de "ninguém machuca Hobi-hyung" não mudou nem um pouco. E Namjoon machucou muito "Hobi-hyung".

— Isso é uma dica? Um comentário maléfico, talvez?

— Não. Não exatamente. Eu gosto de boas histórias e essa não está sendo bem contada. Eu lhe mostro os motivos, enquanto você procura quem e em que circunstâncias — deu um longo suspiro, mas cheio de ânimo. — Épico. Como a Ilíada. E no lugar da queda de Tróia e o herói Aquiles, temos a queda do próprio Zeus e o não tão humano, não tão inteligente e pouco heroico, Jeon Jungkook.

Acho que não precisaria perguntar se o Destino gostava de mim, estava bem óbvio que não.

— Eu devia levar a ameaça de Seokjin a sério? — questionei. — Dizer que o mataria se Namjoon o traísse pode ser força de expressão.

— Pode. Mas ele é um Deus que ficou famoso pelos ciúmes. Essa aura superior e pacífica de Seokjin nunca me convenceu muito. Ele ficou transtornado quando você insinuou a traição, lembra?

Sim, eu lembrava muito bem.

— Jimin não parece ter motivo algum. Pelo menos pelo que me mostrou agora. Yoongi e Hoseok não estavam satisfeitos com os erros do passado... — pontuei, muito mais para mim mesmo que para Moros.

— E Taehyung?

— Taehyung?

Eu não queria chegar a ele tão cedo. Não conseguia parar de pensar sobre seu "antes". O garoto feliz que chamava um tubarão de três metros de Tipsy. Nas memórias de Namjoon ele parecia muito novo, talvez com 17 anos, também não acreditava que ele tinha dezenove anos naquela época e em um mês no mar ele retornou como o homem que conheci, depois de se lembrar de sua vida enquanto deus por completo. O processo quase o matou. Será que sobrou algo do que ele um dia já foi ou sua parte divina tomou conta de tudo?

— Nada a dizer sobre Taehyung? — ele insistiu.

— Nada que eu já não soubesse. Pode me mostrar algo mais próximo? Dos meses antes da morte, talvez?

Moros serviu um pouco mais de chá para si mesmo, achei que colocaria para mim, porém não o fez.

— Eu não sou naturalmente um deus de memórias, criança. Demora algum tempo para reuni-las. E existem páginas em branco.

— Como assim páginas em branco?

— Não é possível ver tudo, nunca é. Convergências de poder causam páginas brancas nos livros do tempo.

Oh, eu finalmente tinha compreendido suas intenções.

— Você não sabe quem matou, certo?

— Não.

— E quer me ajudar porque quer descobrir?

— Isso aí — deu de ombros.

— Você era amigo de Namjoon?

— Amigo? Não! Eu o odiava — ele dizer isso enquanto usava o rosto do deus era um tanto desrespeitoso. — Sempre tentando interferir no destino e mudar o que não deveria, quase fiquei feliz quando morreu. Mas amo boas histórias e mistérios e o assassinato dele é um dos bons. Algo desconhecido até para deuses? Isso sim é emocionante.

— Você é estranho. E um suspeito em potencial.

— Claro que sim — bebericou seu chá, tentei alcançar o bule, mas recebi um tapa na mão — Não terminou de desenhar. E é sempre bom ter um copo vazio a disposição.

"Era só dizer que não" pensei, voltando a rabiscar o papel em traços aleatórios.

— Moros?

— Sim.

— Você sabe o que eu sou? — ele largou a xícara de chá e olhou para mim por um longo momento. Não me pareceu nada bom.

— Sabia que todos os humanos reencarnam ao menos duas vezes? É a lei magna para toda alma. Já você tem uma única encarnação. Essa. Não haverá nenhuma outra depois desta. Nem houve uma antes. Sua história começa e acaba nesta única vida.

— Então eu não sou humano?

— Você é. Você não é somente humano, nisso que tem de se apegar. Isso é tudo que posso dizer sobre você, criança. Preocupe-se em descobrir o porquê do assassinato. É o único jeito de proteger todos nós e a si mesmo.

— Eu sinto que não faço progresso algum. Que estou andando para nenhum lugar — desabafei, mesmo que soubesse que ele não se importava.

Larguei o lápis, olhei em choque para o desenho decente quando eu só havia feito rabiscos aleatórios por todo o papel. Era eu mesmo, empunhando God Killer em posição de ataque, com alguém diante de mim, mas era impossível identificar nos traços da ilustração, quem era.

— Isso significa algo? — ele deu de ombros.

— Você devia se habituar a espada. Vocês são parte um do outro agora, God Killer pode muito bem "trabalhar" sozinha, mas ser um bom espadachim pode salvar sua vida. Faz séculos desde que espíritos deram problemas e ao que parece eles estão muito interessados em você — puxou o desenho, dando uma boa olhada e sorriu. — Muito bom, exatamente como eu queria. Vou ficar com ele. Me faça outros.

— Agora?

— Não, você voltará mais vezes — continuou olhando a ilustração, parecendo ver algo diferente nela. — Eu era muito bom em desenhos também.

— Não é mais?

— O universo cobra preços quando estamos limitados a uma existência humana. Alguns sacrifícios são necessários, eu paguei bem menos que a maioria — quando olhou para mim de novo, senti um arrepio percorrer meu corpo, pois não eram os olhos de Namjoon. Reconheci nele meu próprio olhar. Meus olhos em seu rosto, porém no instante seguinte seus olhos voltaram aos de Namjoon — É melhor devolver você antes que fique muito difícil de se explicar. Até logo, Jeon Jungkook. Lembre-se das portas.

Não tive tempo de reagir até ele se levantar num ímpeto, cobrir meus olhos e empurrar meu corpo para trás, o grito ficou preso em minha garganta, mas eu nunca alcancei o chão. Eu só caí.

E cai.

E continuei caindo.

+++

Quando abri os olhos estava me movendo, demorou um momento até notar que estava sendo carregado nas costas de alguém, gritei pelo susto e por instinto apertei os braços em volta de quem quer que fosse, para não cair. Vi a vegetação primeiro, reconhecendo o salgueiro que encontrei enquanto seguia Taehyung. O Destino tinha me enviado de volta.

— Acho que ele está consciente agora — não tinha reparado até então no rapaz que caminhava ao lado, a pessoa que me carregava olhou para trás, me possibilitando ver seu rosto e o sorriso largo que vi apenas numa foto.

— Yixing?

— Olha, ele sabe quem sou eu — ele pareceu satisfeito com isso. — Procuramos você a ilha inteira. — Olhei o outro, que me encarava como se eu fosse um nada, mas por fim sorriu também. — Esse é Yifan. — Não era o esperado, Odin em minha mente sempre fora um velho barbudo e gordo, com um tapa olho, mas Yifan apenas usava óculos escuros e roupas escuras como as de Min Yoongi.

— Você é tão magro — eles começaram a rir. "Eu disse isso em voz alta? ", tentei aliviar minha humilhação descendo as costas de Yixing, mas Yifan me segurou pela blusa e me empurrou de volta.

— Fica aí, garoto. É menos pior que te pegar no colo, acredite — do ponto onde estávamos já conseguia ver o casarão. Por que o destino não me colocou no mesmo lugar? Seria bem mais simples e menos humilhante, contudo, eu já devia estar acostumado a ser carregado de um lado para o outro - da maneira mais humilhante - por figuras divinas.

— Taehyung está te procurando há dois dias, vasculhamos a ilha mais de cinco vezes, onde estava?

Dois dias? Puta merda, quanto mais tempo eu vou acabar perdendo por causa de atos divinos? Pelo que percebi, tinha passado algumas horas, no máximo um dia com Moros, não dois! Será que nossa curta conversa valeu por um dia inteiro? Imaginei se tivesse de visitá-lo de novo, por quanto mais tempo eu sumiria.

— Estava com o Destino — lembrei de explicar, os dois riram como se eu tivesse contado a piada mais engraçada do mundo.

— Acho que ele bateu a cabeça — Yixing disse. — Ou bebeu água do mar.

— O destino não existe, garoto. Acho que Taehyung tem de levá-lo a um médico.

Não insisti no assunto, eles não estavam me levando muito a sério e nem eu mesmo estava no meu melhor momento, meu corpo estava sentindo a exaustão dos dois dias e quando Yixing me colocou no chão finalmente, no topo da colina, eu mal tinha forças para andar, mas não quis transparecer isso ou seria carregado o resto do curto caminho, então forcei minhas pernas a funcionarem corretamente.

Taehyung estava na borda rachada do penhasco, com os olhos no mar. Ele havia mudado de roupas para peças mais escuras e o tridente estava cravado no chão ao lado dele. Parecia ameaçador e acho que não fui o único a pensar assim.

— Boa sorte — Yifan apertou meu ombro, lançando seu melhor olhar de "Você está encrencado, garoto".

— Até logo e cuidado com os peixes — Yixing desejou antes de ambos me deixarem sozinho. Taehyung virou-se e de repente me senti pequeno e acuado. E ele nem tinha me dito nada ainda. Olhei para trás e os outros dois já haviam sumido. É... eu teria de encarar essa sozinho. Comecei a me aproximar já me explicando.

— É... em minha defesa, eu não sumi porque queria, fiz o que você disse, voltei para a casa e só fechei a porta — ele começou a andar em minha direção e minha vontade foi de sair correndo, ele não podia me olhar sem parecer um homicida?

— Onde estava?

— Não vai acreditar se eu disser.

— Tente.

— Eu achei a casa do Destino — se sua expressão não estava boa antes, conseguiu piorar um pouco mais.

— Me conte uma mentira melhor.

— Porque eu mentiria? De que outra maneira eu poderia desaparecer? Eu realmente o encontrei e... — cometi o erro de olhar em seus olhos. — E... o destino me mostrou... — "ele me mostrou você. O seu passado. Você sorria e era feliz. Sobrou alguma coisa daquele Taehyung? " — Não importa — desviei o assunto, ele não estava disposto a acreditar de qualquer maneira. — Eu já estou aqui, não estou?

— Foram dois dias. Ninguém em nenhum lugar conseguiu achar você, mas aqui está. Tem ideia de como me senti? — Sua expressão suavizou quando deu um suspiro exausto. — Achava que você não ser totalmente humano era bom, uma preocupação a menos. Em milênios, você seria minha primeira exceção. Nunca estive tão errado. Era uma desculpa perfeita demais.

Ele estava... terminando comigo? Tudo bem que nem tinha começado algo para terminar, porém soou muito claro como um ponto final. Mas... por quê? A culpa do sumiço foi do maldito Destino! Mas antes que pudesse recolher minha dignidade e ir embora, suas mãos seguraram meu rosto e no primeiro segundo meus olhos permaneceram bem abertos, enquanto sentia sua boca pressionar a minha. Era a última reação que eu esperava depois de sua fala, mas no fim cedi, a sensação era boa demais para ignorar.

— Vou te levar para casa — assenti, abrindo os olhos devagar, ele já havia me soltado, tomando um passo de distância.

— É... o que isso... O beijo. O que significa?

— Não tem de significar nada — "O quê? " A sensação foi como receber um grande balde de água fria. — Vamos, você não vai querer perder o barco.

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