A semana seguiu em polvorosa.
Não exatamente em "polvorosa", mas Shino não sabia que palavra usar para descrever! Estava acostumado ao silêncio e à paz, à quietude inabalável de quem vive em solidão. Seus servos mais pareciam fantasmas para não atrapalhar sua meditação, sua leitura...
E, de repente, ele ouvia cochichos em todos os cantos. Como se os shifters conspirassem em segredo. Ouvia risinhos, passos furtivos de um lado para o outro...
Mistério.
Não tão misterioso assim.
Estava claro que Ino "comentou por aí" que o próximo dia sete era aniversário do Ômega. E as servas se organizavam para preparar uma boa refeição. Shino não sabia como se posicionar sobre isso. No fim das contas deixou que agissem assim. As pessoas estavam apenas se comportando naturalmente, livres da sombra que parecia ter se afastado do feudo. Incrível milagre realizado por uma única pessoa. Faziam algo bom para seu companheiro, não era nada condenável. Pelo contrário!
Alheio a isso, o próprio Kiba não parecia diferente do normal. Passava as manhãs com a irmã, voltava para brincar e treinar um pouco Akamaru, depois dividia a tarde com o Alpha, fosse nas aulas de etiqueta, nos treinos de auto defesa, passeando a cavalo para conhecer melhor as terras do feudo ou apenas dividindo um chá durante a meditação. Depois que Shino deu aquele passo decisivo, a relação deles ganhou um novo tom de intimidade, de confiança. O peito tornou-se leve, o vinculo que unia o feudo refletiu as boas sensações.
O casal estava na sala das orquídeas, espaço reservado também para alguns instrumentos musicais. No tempo de Aburame Shibi, ali era muito utilizado para tal fim. Shino viu um uso melhor transformando em uma área para meditação, por sua localização direta com a área dos fundos e pelas portas largas que exibiam uma vista encantadora. Era fácil observar o lago das carpas, sem interferência do exterior.
Meditação só na intenção mesmo, porque Kiba sentava-se na almofada, unia as mãos numa posição confortável e cochilava pesado, a cabeça levemente inclinada para o lado, os lábios entreabertos, ressonando suave... e Shino ficava admirando o companheiro na contemplação boboca comum aos apaixonados, que o fazia se sentir meio envergonhado, não tinha mais idade para essas coisas!
E conseguia controlar a mente?
De jeito nenhum.
Naquele momento, pensava que a indiferença de Kiba a respeito do próprio aniversário era triste. Logo ele, que já provou gostar de festivais e de comer bem, não demonstrava nada demais em saber que dia sete de julho estava chegando.
Talvez não soubesse que era o dia do seu nascimento.
Alguém teria lhe dito em Soragakure? Teria alguma vez consciência de que a sociedade shifter preparava fartos jantares para agradecer aos deuses por mais um ano de existência? E, no caso de Ômegas, a festa alcançava toda a Vila. Vinte e três de julho, aniversário de Uchiha Sasuke, era praticamente um feriado em Konoha.
— Caralho! — Kiba despertou do cochilo meio exaltado. Analisou em volta tentando se situar no espaço e no tempo, os olhos inchados de leve por dormir demais — Meditei fundo agora, sabe? Acho até que entrei em transe... — se gabou meio cheio de si.
Shino ergueu uma sobrancelha. Pois bem, o garoto meditou tão profundamente que chegou até mesmo a babar!!
— Parabéns, você é quase um monge! — Ino debochou entrando na sala sem pedir licença — Olá.
Trazia uma bandeja com um bule de chá e três kobati, que colocou sobre a mesinha de centro. Kiba deslizou a almofada pelo assoalho liso e veio se acomodar a mesa, muito interessado no prato cheio de daifuku.
— Olá! Como adivinhou? — apontou o lanche que a Beta colocava em cima da mesinha baixa — Refletir sobre a vida dá uma fome!
— Seu servo estava trazendo. Aproveitei e vim no lugar dele — Ino serviu chá nos três vasilhames e levou um para Shino, antes de sentar-se à mesa junto com Kiba — Terminei de acertar com o feudo em Kinogakure. Chegamos a um bom acordo sobre o rebanho, em seis meses podemos mandar uma equipe buscar as cabeças de gado, incluí alguns novilhos na troca. Esse prazo será suficiente para prepararmos o pasto. Os currais estão quase finalizados.
— Que bom! — Kiba se alegrou — Hana-nee vai gostar de saber disso!
— Excelente.
— Vamos começar com cinquenta cabeças, para sustento do feudo. O rebanho irá expandir naturalmente com os cuidados e podemos pensar em usar como moeda de troca ou para negociações monetárias mesmo. Semana que vem Hana começará a treinar os camponeses que se ofereceram a trabalhar com o gado. Está tudo indo bem.
— Muito bom planejamento — Kiba elogiou, como se realmente entendesse do assunto.
Ino se segurou para não puxar-lhe as bochechas. Aquele Ômega era uma fofura, mas sempre acabava com as mãos manchadas de vermelho e desmanchando a marca que ele fazia todos os dias no rosto. Às vezes lhe parecia um sonho, tanta intimidade e proximidade com um Ômega. Um retorno saudoso à época em que era criança e corria pelos campos com Hinata, Sasuke e os demais. Algo que mantinha guardado no peito, uma sensação tão incrível...
O pensamento a fez lembrar-se de outro tema importante. O real motivo de estar ali.
— Ne, Shino. Naruto mandou uma mensagem. Ele quer saber se você está disponível para jantar amanhã e conversar — deu um olhar significativo, sem aprofundar detalhes.
O Alpha viu nas entrelinhas. Se Naruto queria falar com ele e Ino usava aquele tom reticente, o assunto só podia ser um.
— É sobre Soragakure? — a pergunta atraiu a atenção de Kiba. E serviu como sinal de que Ino podia falar livremente.
— Ele não me disse. Creio que sim, eu ouvi de Shikamaru que um grande destacamento ANBU saiu em campo. Kakashi liderou uma operação secreta. Só consigo pensar em Soragakure como alvo dessa missão — deu de ombros.
— Eles iam libertar os Ômegas? — Kiba perguntou.
— Com certeza — Shino respondeu — E atacar a Akatsuki.
Queria que Naruto tivesse dado detalhes da montagem e andamento da operação, mas compreendia que, apesar da amizade de longa data, o posto de Hokage exigia certo sigilo em muitas situações.
— Diga a ele que poderemos ir — a decisão de Shino incluiu Kiba na ida à casa do Hokage. Ele era o principal interessado em saber do resultado da operação. Supondo-se que foi por isso que Naruto o chamou.
— Tudo bem, vou informá-lo de que terá dois convidados para o jantar.
O Alpha soprou o kobati e deu um longo gole no chá amargo. Na época da operação "Kyuubi", os conflitos duraram mais de um ano. Teria, dessa vez, os governos em conjunto agido com mais assertividade? O caso estaria encerrado? Fazia quase dois meses desde o último jantar na casa do Hokage, parecia pouco tempo para resolver algo tão grande. Não ouviram nenhum alvoroço, nenhum boato, nenhuma consequência.
Talvez o assunto fosse outro.
— Espero que sejam boas notícias — Kiba suspirou, pensando nos colegas que deixou para trás. Seria fantástico se todos fossem resgatados! Se Soragakure era um país que roubava bebês de outros países, então haveria muitas famílias para acolhê-los e... — Caralho! Shino!
— O que foi? — ele franziu as sobrancelhas de leve.
— Os Ômegas eram trocados por Betas, as famílias receberam um bebê no lugar do que foi levado. Vai ser um choque pras pessoas saber que criaram o filho errado. E esses Betas vão perder o lar, não vão?
Shino ponderou.
— Vai ser um escândalo sem proporções — Ino entendeu o raciocínio — Não sei se eles vão perder o lar, porque há o vinculo com a família e isso não vai quebrar tão fácil. Mas quais as chances de encontrar o lar de todos os Ômegas de Gin-Io? Suas origens? Você tinha a dica de quem te criou e contou das marcas e da manta. Quantos mais saberão seus nomes reais?
A questão era muito mais complexa do que se podia imaginar.
— Se não fosse Haku-san eu nem saberia meu nome! — a compreensão dos fatos caiu sobre Kiba. Não que ele não tivesse essa percepção antes, todavia visualizou a grandiosidade da sua sorte. Se não tivesse ao menos uma pista sobre seu passado, não teria partido em busca da família. Talvez nem chegasse tão longe. Não conheceria Hana, nem Ino. Nem Aburame Shino — Caralho, como a vida é foda.
— Não é certeza encontrar todas as famílias. Mas é certeza que terão um lar muito melhor do que o atual — Ino sorriu. Os pensamentos impressionados estavam escritos no rosto de Kiba — Cada um tem seu caminho, moleque. Tudo acontece do jeito que deveria acontecer.
— É, tem coisas que eu nem tento entender. Mas que surpreende, surpreende — observou a kobati em suas mãos por alguns segundos — Haku recebeu uma requisição definitiva. Fiquei muito feliz por ele, espero que esteja bem e que um dia eu possa agradecer.
Ino sorriu. Talvez tenha sorrido um tanto largo demais.
— Dependendo do que o Naruto disser no jantar, podemos usar os ninjas para outra investigação. Se conseguimos encontrar Inuzuka Hana, lá em Sunagakure, porque não encontraríamos o homem que trouxe a peça mais importante para você chegar até aqui? — piscou — Né?
— Sim — Aburame Shino assentiu com seriedade.
— Seria incrível — Kiba emocionou-se. Não demonstrou o abalo fisicamente, mas Shino sentiu pelo vínculo.
Preferiu manter a ilusão do garoto. Contudo não precisava ser nenhum gênio para chegar à uma terrível conclusão: se Gin-Io era um distrito ilegal, nunca permitiriam que um Ômega saísse de lá para iniciar um convívio social com outros shifters. A mirada significativa que Ino lhe deu e aquele sorriso exagerado, indicaram que a mulher pensava igual.
A primeira vez que Kiba comentou sobre tal requisição, estavam em um contexto diferente. Após tantas investigações e descobertas...
Se parassem e analisassem bem, infelizmente, a conclusão era dolorosa. Uma requisição definitiva talvez levasse o Ômega para uma situação ainda pior. Todavia, Shino não quis pensar no que significaria "pior" em comparação a toda feiura que manchava aquele distrito.
Shino&Kiba
Notas:
E vamos para o último jantar com o Hokage Uzumaki!! Dessa vez nem vou fazer piada com o Sasuke. Haushaush sem shows suspeitos!
Ou teremos um showzinho?
Até sexta!!