Hoje era o dia do esperado coquetel em homenagem aos espanhóis, tão planejado pelo meu pai. Eu tinha chegado cedo à empresa pensando estrategicamente em adiantar o trabalho já que ainda tinha hora marcada no salão de beleza e logo depois iria para casa me arrumar e esperar Roger me buscar.
Ele tinha me convencido a deixar que me acompanhasse a festa. Mas antes de dar meu aval deixei claro pela milésima vez que jamais teríamos nada e que ele não deveria ter esperanças ou imaginar nada além de uma amizade e um amor puramente fraternal entre nós. A manhã estava tranquila até dona Beatriz secretária do meu pai entrar na minha sala agitada sem ao menos bater na porta.
— Aí, senhorita Jade, desculpa entrar assim de repente. — Ela diz com ambas as mãos sob o peito ofegante.
— O que houve, Beatriz?
— Senhor Joaquim mandou te chamar.
— Sim, mas porque o desespero?
Ela não responde, começa a andar de lado para o outro pela sala com as mãos nos fios loiros demonstrando o quanto estava agitada. A cena era no mínimo cômica
— Ele discutiu aos gritos com Maya Campos do Marketing. Ela o deixou falando sozinho. Senhorita Jade me desculpe, mas seu pai tá parecendo o demônio. — Completa fazendo o sinal da cruz diante do corpo.
— Ah, é isso? Já deveria ter imaginado. Já estou indo!
— Ok, senhorita, voltarei ao meu posto. Mas por favor não demore. — A pobre mulher diz deixando minha sala em pânico.
Joaquim, ainda a faria ter um infarto. Nego meus pensamentos com um menear de cabeça. Deixo minha sala e caminho pelo corredor da presidência, entrei na sua sala do meu pai depois de bater rapidamente na porta.
— Mandou me chamar? — Indago calmante já sabendo do que se trata.
Ele me encara por cima dos óculos de grau com seriedade. Tinha o rosto vermelho e uma caneta entre seus dedos, que batia na mesa sucessivamente o que evidencia o quanto estava nervoso.
— Você ainda me pergunta? — diz entre dentes. — A Campos está irredutível em não aceitar a proposta dos espanhóis. Ela rejeitou mesmo sendo uma ordem minha. Aquela ne..
— Papai, veja bem o que vai falar. — Interrompi me aproximando de cenho fechado. — Caso contrário eu mesma serei obrigada a chamar a polícia.
— Era o que me faltava. — diz jogando a caneta com raiva em cima da mesa. — Minha própria filha me ameaçando.
— Jamais serei conivente com racismo, abuso de autoridade ou humilhação que possam acontecer com Maya ou qualquer outro funcionário da empresa.
— Pronto, vai começar a lição de moral. Você fica contra seu próprio pai para apoiar essa abusada. — Diz com desprezo. — Você não entende que mantermos boa relação com os espanhóis é essencial para o andamento dos negócios.
— Ela não é obrigada a aceitar a proposta dos espanhóis, papai. Seu vínculo empregatício é com a cerâmica Albuquerque e qualquer proposta fora daqui é decisão dela aceitar ou não.
— Por isso mesmo te chamei para pedir que a convença a aceitar o pedido dos espanhóis. Sinceramente eu não consigo compreender como existem pessoas que gostam do trabalho dessa mulher.
— Nunca passou pela sua cabeça que talvez seja por que ela é uma excelente profissional. Maya é muito qualificada, papai e seu trabalho é bastante reconhecido no mercado publicitário.
— NÃO ME IMPORTA SUAS QUALIDADES! — Ele grita enraivecido.
— NÃO ESTOU AQUI PARA DISCUTIR ISSO — Completou.
— Então, resolva sozinho essa questão e não me coloque no meio disso.— Inclinei-me para frente tomando uma postura altiva. — Infelizmente não tenho como fazer nada, não compete a mim fazer com que Maya aceite a proposta dos espanhóis.
O silêncio tomou completamente o local e o clima se tornou extremamente pesado entre meu pai e eu.
— Era só isso? Então, acho que já posso voltar para minha sala. — Conclui deixando de vez o escritório do meu pai.
Horas depois..
Já passava das 7 da noite e Roger estava atrasado para me buscar para o coquetel em homenagem aos espanhóis. Decidi mandar uma mensagem no whatsapp com o intuito de apressar e prontamente sou respondida. Ele então explica que o pneu do seu carro furou a caminho da minha casa, mas já havia saído do borracheiro e estava próximo a copacabana. Assenti com um sonoro: "Tudo bem e que estava pronta já à sua espera. Guardo o celular na bolsa e caminho novamente até meu closet. Aproveito para dar uma última conferida no meu visual e atesto que eu estava muito elegante para ocasião. Sorrio satisfeita com a imagem que vejo em frente ao espelho e decidi ir até a sacada da minha cobertura para fazer hora até que Roger chegue. Hoje não tinha pôr do sol e o mar estava revolto e de resseca. Tinha chegado uma frente fria no fim de semana e a chuva intensa tomou praticamente o dia inteiro no sudeste. Isso fez com que a praia e o calçadão não tivessem o movimento e a alegria dos dias quentes pelo qual eu tanto amava. Mesmo assim, as grandes ondas batendo raivosamente sob as pedras não deixavam de ter sua beleza e exuberância diante da força da natureza. Observo toda a extensão do mar e me ponho a pensar na minha vida. Eu me sentia triste, vazia. Já tinha realizado tudo que pudesse imaginar na vida profissional e hoje talvez pela primeira vez acabo sentindo necessidade em me realizar também na vida pessoal. Talvez eu precisasse dar um novo sentido a minha vida, uma nova carreira, novas áreas de formação. Lembro da universidade de psicologia que era uma carreira muito almejada por mim e larguei antes de concluir quando me formei em administração e logo depois fui trabalhar na Cerâmica para tomar posse das minhas ações. Dediquei ao desejo dos meus pais e abdiquei por completo da minha verdadeira vocação. Será que somente isso me traria felicidade e preencheria o vazio que eu andava sentindo? Me pergunto intimamente sem nem saber exatamente o que tanto me fazia falta. Afinal, eu tinha tudo que uma mulher realizada poderia querer na vida. Formação profissional, uma carreira consolidada antes mesmo dos 30 anos, independência financeira e pessoal. Entretanto, mesmo assim eu sentia que faltava algo. De repente meus pensamentos são interrompidos subitamente ao me sentir observada. Busco no olhar que contemplava-me em meio a chuva que cai torrencial no calçadão de copacabana e vejo um homem estático sem se importar se quer com os raios que caiam próximo a ele. Nossos olhares se cruzam, eu o encaro sem desviar o olhar e uma sensação inexplicável acaba acontecendo ali. Meu corpo se arrepia por inteiro e minha respiração fica descompensada. Acabo lembrando do seu rosto e forço a memória a lembrar de onde. O reconheço depois de longos segundos. Era o homem da praia, o mesmo que trabalhava no quiosque e toda vez que por acaso nos víamos era sempre a mesma sensação. Não me despertava medo e nem transmitia nenhum tipo de maldade no olhar, pelo contrário, transmitia paz, confiança, ternura. Talvez, ele me confundiu com alguém, entretanto das poucas vezes que o vi jamais tive a iniciativa de tirar a dúvida.
A campainha toca quebrando assim atmosfera entre nós. Insisto e busco novamente seu olhar, eu não queria ser interrompida daquele momento. A campainha insistia e soa por diversas vezes, juntamente com batidas na porta, forçando-me assim a atender a mesma e quebrar o olhar com o desconhecido.
Era Roger segurando um buquê de flores, vestido elegantemente em um terno azul caneta sob medida.
— Boa noite — Ele me cumprimenta na soleira da porta. — Você está linda! — Elogiou sorrindo evidenciando os dentes brancos e bem alinhados. Meu primo era bonito, tinha porte e apesar da falta de simpatia sua beleza sobressaia a isso. Acho até que qualquer mulher se interessaria rapidamente por ele, menos eu que o via somente como um irmão.
— Para que trouxe flores, Roger? — Indago erguendo uma sombrancelha. — Lembre-se que isso não é um encontro.
— É somente uma gentileza, Jade.
— Ok, então eu agradeço! — Aceito o buquê com sorriso de canto. Não desejava tratar Roger com desdém, só queria que ele entendesse que não tinha chance de nada acontecer entre nós. — Vou colocar as flores no vaso e logo depois podemos ir.
— Tudo bem! — Assente.
Ajeito as flores em um vaso qualquer que vi à disposição na sala e caminho novamente até a sacada, em busca do desconhecido. Observo atentamente o calçadão e não o vejo e acabo ficando frustrada.
— O que foi? — Roger indaga curioso.
— Nada, só achei que tivesse visto uma amiga no calçadão.
— Em meio a esse temporal dificilmente encontrará alguém. — Diz se aproximando do ponto onde eu estava na sacada.
— Verdade! — limito-me a responder.
— Vamos?
— Sim, lógico! — Assinto alheia a tudo ao meu redor.
— Se a gente atrasar de mais tio Joaquim falará na nossa cabeça a noite toda.
— Tem razão! Vamos!
Deixamos meu apartamento juntos e ainda na garagem convenço Roger a ir no meu carro já que eu não pretendia voltar muito tarde e sabia que Roger e meu pai com certeza esticariam a noite com rodadas de whisky e charutos apresentando o grupo de espanhóis a sociedade carioca. Roger, não fez objeção e deixou seu carro com a intenção de buscar no outro dia. Depois de minutos deixamos copacabana rumo ao jockey na Gávea onde estava sendo realizado o coquetel em homenagem aos espanhóis e ao negócio milionário fechado pela Cerâmicas&louças Albuquerque. Cerca de 20 minutos depois chegamos e adentramos ao salão nobre do jockey clube Brasileiro.
Apartir do próximo capítulo as coisas começam a esquentar.
Espero que estejam gostando dessa nova versão do livro vão começar a perceber as mudanças logo em breve 😉
Bjs da Su 🌹🤩