Pensar não era o forte de Inuzuka Kiba. Boa parte da sorte que o acompanhava era fruto da intuição apuradíssima, que o alertava para o momento certo de agir. Desde que saiu de sua vila natal, conseguiu se manter a margem de problemas e passar despercebido, fazendo pequenos serviços aqui e ali. Ele descobriu, com a experiência, que raros shifters prestavam atenção em um suposto Beta andarilho.
Algumas vezes se viu verdadeiramente encrencado com um Alpha. E, nessas ocasiões, o instinto aterrador que alertava do perigo era o sinal mais característico.
Instinto que não sentia naquele instante, ao caminhar a frente do senhor feudal Aburame, rumo a residência dele.
Não capitava intenções agressivas ou perigosas. Na verdade, o ar estava tão calmo, que acabou relaxando.
Caminharam em silêncio por um longo tempo, tendo apenas o som abafado dos cascos do alazão batendo contra o chão de terra fofo.
As propriedades eram vastas. Só chegaram à casa quando já beirava às quatro horas da tarde. Shino não terminou de abençoar as plantações, mas por uma boa causa na sua opinião.
Kiba se continha a custo, um tanto curioso para espiar o Alpha que veio o tempo todo atrás de si. Queria saber como poderia negociar com ele, para escapar sem grandes entraves da confusão. Pelo que os boatos diziam, aquele homem parecia alguém justo.
Mas as ruminações desapareceram quando a casa despontou no horizonte, tendo os campos de arroz ficado para trás há um tempo considerável, uma das construções mais magnificas que viu na vida.
A fascinação atingiu Shino, e o agradou. Sentiu-se meio infantil quando desviou a rota para a parte dos fundos, ao invés de entrar pela frente através do jardim oriental. Kiba notou a mudança de direção e se apressou para seguir o Alpha. Claro, estava com os pés sujos de lama seca. Nunca que alguém como Aburame permitiria que passasse pela parte principal da casa em que vivia!
Mal sabia o garoto que a decisão do outro tinha pouco (nada) a ver com tais cuidados. Ao contrário, a razão que o fez sentir-se infantil, foi o fato de querer impressionar o Ômega e por isso fazê-lo ter acesso a parte mais bonita da casa. Quase um recanto secreto, lugar que começava com pedras entrecortando um charco límpido e transparente, e levava à varanda de veraneio. Um grande lago chegava perto o bastante da casa para poder assistir as carpas-comum coloridas nadando sob a água.
Uma visão de sonhos.
Assim que chegou perto o bastante da passagem de pedras, servos surgiram rapidamente para cuidar do alazão branco, de modo que Aburame Shino pudesse ir direto para casa, sem mais preocupações.
— Venha — ele chamou.
Kiba hesitou um pouco. Não parecia certo pisar naquele lugar imaculado com os pés sujos! Mas se o dono em pessoa o convidava, como poderia recusar?
A solução veio ligeira. Tão logo venceram o curto percurso no charco, acomodadas no assoalho de madeira, duas servas de meia idade aguardavam com uma tina de madeira cheia de água. Olhou rapidamente para o Alpha, impassível caminhando atrás de si, sem poder conter o gesto. Como aqueles shifters teriam tomado tais providências? A dúvida o fez se sentir idiota. Claro que alguém como Aburame deveria ter guarda-costas o seguindo por todo o percurso, escondidos em pontos estratégicos. Ao notar que ele levava alguém consigo, que precisava de cuidados higiênicos, já tinham avisado a casa e mandado que tudo fosse resolvido quando o senhor chegasse.
— Vou aguardá-lo lá dentro, na sala das cerejeiras — Shino disse mais para as servas como orientação, do que para Kiba.
Chegou a subir na varanda, porém mal alcançou a porta quanto teve que parar.
— Pode fazer o obséquio de tirar suas roupas, jovem convidado? — a mais velha indagou, cheia de simpatia.
— Ti-tirar as roupas?! — o pedido era algo que pegou Kiba de surpresa. Não se sentia preparado para revelar seu segredo ainda! Uma coisa é ser descoberto por um Alpha. Outra, bem adversa, é que os demais shifters, todos Betas pelo que conseguiu verificar, também ficassem sabendo. Seu receio fluiu até o Alpha, agitando os insetos sob sua pele, e foi isso que o fez intervir.
— Apenas lavar os pés é suficiente — ele ordenou, parado à soleira da porta — Teremos uma conversa. Caso necessário, poderão providenciar um banho adequado.
Ambas as servas anuíram, com mais alegria do que seria esperado. Eram dedicadas ao serviço, queriam ser uteis ao senhor feudal! Não tinham muita oportunidade para tanto, pois Aburame-sama era um recluso! Mal conseguiam se lembrar da ultima vez que puderam mostrar a habilidade para receber a visita de alguém. E a promessa de preparar um banho adequado era uma ótima chance de retribuir a proteção que tinham naquele feudo.
Shino lançou um derradeiro olhar aos três shifters e ficou satisfeito. Seus insetos eram uma cobertura extra que o avisariam de qualquer imprevisto.
Entrou em casa e foi recebido pelo clima fresco do interior. Mudas de alecrim e valeriana eram colocadas em locais estratégicos, e isso valia um ar agradável ao ambiente.
Foi direto para o próprio aposento, onde um Beta esperava para ajudar a trocar os trajes cerimoniais e vestir as roupas que costumava usar. Isso levou um tempo significativo, sendo o kimono tão elaborado de tirar.
— Peça para que sirvam uma refeição na sala das cerejeiras— deu a orientação ao rapaz, enquanto ajeitava o casaco cinza. Levava na mente o comentário divertido do camponês: seu convidado tinha uma fome que não cabia no corpo.
— Sim, Aburame-sama.
Dali, Shino foi para a ampla sala de jantar. Encontrou Inuzuka Kiba em pé, perto da janela, observando o jardim dos fundos em silêncio preocupado. Ainda não podia sentir sua essência Ômega, apenas traços dos sentimentos conturbados que ele mal conseguia ocultar. Já sabia o truque usado para se camuflar, graças aos insetos que implantou secretamente. Mas não tocou no assunto, por motivos óbvios. Notou que os pés estavam lavados, igual as mãos que se apoiavam na janela. O rosto trigueiro também foi lavado. As peculiares marcas vermelhas desapareceram.
— Sente-se — foi um simples pedido, indicando a grande mesa baixa cercada por almofadas vermelhas. Deu o exemplo, indo acomodar-se primeiro, à cabeceira.
— Eu... eu não queria enganar ninguém — Kiba disse, sem sair do lugar. Recebeu um erguer de sobrancelhas carregado de ironia que o fez corar forte — Tá, eu queria enganar, mas não pra fazer mal! Só pra levar a vida do meu jeito!
— Do seu jeito?
O garoto suspirou. Não estava acostumado a dar explicações. Sua vida se resumia a fugir, simplesmente escapava. Dando tudo de si para ocultar a origem Ômega. Preferia que fosse assim e não revelasse muito sobre si. Pouco poderiam dizer além de sua descrição física, do nome e das marcas do Clã.
Deveria usar um nome falso e evitar marcar o rosto? Com certeza. Conseguia? Não. De jeito algum, já que perseguia um objetivo definido.
Mas, pelo visto, o proprietário daquele feudo não o liberaria sem a devida explicação. Pensamento que o lembrou de algo mais importante.
— Não fica com raiva do Danzo-san. Ele foi muito correto o tempo todo, fez questão que eu me apresentasse, mas... — soou reticente. Não conhecia tanto assim dos costumes em Konoha, embora concluísse fácil que abriu precedentes para algum tipo de punição. Alphas desafiados em seu poder comumente agiam com fúria irreprimível. E a sociedade aceitava que fossem assim.
Aquele Aburame Shino não reagiu agressivo, mesmo assim, Kiba queria esclarecer tudo.
— Não ficarei com raiva dele. Danzo não tem culpa se o bom coração dele foi usado do jeito errado — Shino alfinetou.
Divertiu-se secretamente por ver seu convidado corar de novo, tão forte que até as orelhas visíveis entre os fios rebeldes se tingiram de vermelho.
Kiba cerrou os punhos, sem poder rebater a acusação. Era terrível que precisasse trair a confiança das pessoas, para poder viver em paz. Lidava com a consciência todos os dias, todavia suas opções não eram muitas.
O dilema foi quase doloroso. Fez Shino suspirar, aliviando.
— Não haverá punição além da metade da porção semanal de arroz, é mais do que suficiente. Tão pouco estou julgando seus atos. Mas quero saber de onde veio e por que achou que poderia enganar os moradores deste feudo para viver aqui. Sente-se.
Antes que Kiba aceitasse o pedido, uma voz feminina pediu licença, em seguida algumas servas entraram na sala reverenciando e foram colocar o almoço pedido sobre a mesa.
Não precisou de novo convite. Kiba deu a impressão de flutuar e foi sentar-se na outra cabeceira da mesa, a boca salivando só de sentir o cheiro agradável de comida.
Shino aprovou o gesto. Ambos esperaram até que toda a refeição estivesse servida, então o Alpha dispensou as servas, para que os dois ficassem novamente sozinhos.
E assim pudessem dar início a conversa.
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Notas finais do capítulo
até sexta! :D
Pra ajudar a visualizar, eu penso em algo mais ou menos assim:
O jardim oriental:
O caminho de pedras:
A parte dos fundos:
A sala das cerejeiras: