A casa que Harry nos tinha dado era totalmente casual, mas no entanto conseguia ser o sítio mais desarrumado onde outrora já estive; haviam quadros por arrumar por cima das mesas, folhas - rascunhos - pelo chão e canetas e tintas espalhadas pelo local, transbordando cores por todos os lados. Olhava um tanto admirada para o local e sorria ao sentir-me confortável no meio daquela confusão insana.
- Nunca pensei que isto fosse um lugar tão desarrumado. - Disse com sinceridade.
- A culpa é do Louis. - Disse bastante alto.
- Porque é que raio a culpa tem de ser sempre minha? - Respondeu um rapaz.
Apareceu na entrada; vinha com as roupas sujas de tinta e com a blusa um tanto levantada. Observou-me com muita atenção e chegou perto de mim, cumprimentando-me formalmente; e na minha mente havia um bloqueio enorme. Ele era o Louis, amigo do Harry e filho de Allison. Algo estava bastante errado nesta história fictícia. Os seus olhos estavam mais luminosos e deu-me um grande sorriso acolhedor; apanhei-o e entreguei-o de volta.
- Eu não acredito que és mesmo tu. - Observei-o com atenção. Era o miúdo de Bakersfield.
Analisei-o como se ele fosse uma prova totalmente confidencial que desse azo à minha credibilidade enquanto cidadã; não parecia real. Haviam muitas coisas a acontecer ao mesmo tempo e eu não conseguia ultrapassá-las; Louis era mais um desafio do que propriamente uma pessoa; agora tinha de interrogar o rapaz que naquela noite ajudou Harry e procurar provas que justifiquem o porquê de ele ser filho da Allison e eu nunca ter desconfiado; o porquê de a Allison nunca ter mencionado o seu filho; o porquê de tudo, o porquê de nada, mas o mais fundamental porquê do tudo e do nada.
- Sou, linda. Em carne e osso. - Beijou-me a mão e sorri-lhe ligeiramente. - Vem, temos muito para falar.
Pegou nas minhas malas e levou-me diretamente para outro andar da casa; andou por um corredor extenso e eu fui observando cada detalhe desta casa; algumas câmeras estavam instaladas pelo corredor e intimidavam-me; era mesmo como se alguém conseguisse ver-nos graças àquela tecnologia minúscula mas eficaz; Louis abriu a porta de um quarto e eu entrei lá dentro, surpreendendo-me com o tamanho dele; era espaçoso, tinha uma grande janela que dava direito à vista do mar e a tintura acastanhada cobria as paredes, fazendo-me viajar naquele próprio sítio. Havia também uma frase numa das quatro paredes mas não dei grande oportunidade de observação à mesma; era típica.
- Este quarto é teu. O Harry meteu algumas coisas nas gavetas. Não lhe ligues, de vez em quando é sentimental. - Retorquiu Louis, pousando as malas no chão.
- Coisas nas gavetas? - Assustei-me, mas de certa forma isso fez com que o meu coração acelerasse.
- Alguns chocolates, livros, coisas que tu gostas. - Encolheu os ombros. - Deves ter algumas perguntas acerca de tudo o que aconteceu, não?
Sentou-se na minha cama e eu sigo-o; saber que de certa forma esta casa pertence ao Harry, é como se ele realmente estivesse aqui, entre nós; talvez esteja em pensamento e não totalmente em forma, mas é como se estivesse das duas maneiras, como se elas coincidissem na totalidade; e na verdade, era estranho. Ou talvez errado; eu era capaz de sentir o seu cheiro propagar-se pelas minhas roupas; o seu toque a alimentar a minha insanidade; os seus olhos a emerger de um sítio longíquo e a perfurarem-me com estilhaços de vidro; eu era capaz de o sentir e isso era a pior coisa que eu podia presenciar: ele, aqui comigo presente em pensamento e em lembranças reais.
- Na verdade, eu não percebo nada do que aconteceu. Ele desapareceu, sem se explicar corretamente e a minha vida ruiu. É insano, certo? - Disse, suspirando.
- Ele queria explicar, provavelmente tu não permitis-te isso. O Harry sempre foi uma pessoa reservada, passou por muita coisa horrenda. E agora, não sabemos dele. De vez em quando, pode tornar-se num bêbado depressivo. Neste caso, num bêbado depressivo fugitivo. - Completou.
- Não consigo compreender o que ele fez, Louis. Nem o que vocês fazem, porque provavelmente tu fazes parte do negócio desequilibrado dele. Essas coisas são tóxicas, vocês são perigosos.
- Eu conheço-o desde que ele entrou nisto. Desde que o obrigaram a entrar. Achas que ele tem um pingo de culpa? Não sejas orgulhosa, Skylar. - Fez uma pausa. - O orgulho, por vezes, mata-nos.
- Vocês dizem sempre a mesma coisa, todos vocês. Dêem-me tempo, não sou capaz de esquecer o que aconteceu num dia, muito menos em um mês. Levo o meu tempo, e não esperes que perdoe já o Harry. Levei muito tempo para confiar nele. - Retorqui, suspirando profundamente.
- Querida, leva o tempo que precisares. Se quiseres, não falamos mais dele, se facilita as coisas para ti. - Disse, agarrando na minha mão com força e sorrindo com todos os dentes para mim.
- Isso é impossível, o facilitar das coisas. Neste momento, estou numa das casas do Harry. Como posso facilitar as coisas, se estou na casa de uma pessoa que quero evitar? - Terminei, fazendo-o pensar.
Queria chorar, aniquilar a dor de mim; e tudo se restringia a um único pensamento: Harry. Era apenas um nome, quiçá um nome por quem muita gente é chamada, porém era o pior que eu poderia ouvir ou relembrar neste momento. Mas era inevitável; foi quando uma lágrima desceu pelo meu semblante, que me relembrei de tudo; e o tudo é doloroso, porque o tudo se tornou em nada; as duas realidades entrelaçavam-se e criavam um relevo minucioso, incapaz de ser desfeito.
- Oh querida, não chores. Vem cá. - Agarrou-me no braço e entrelaçou as suas mãos à minha volta. Pousei a cabeça no seu ombro e deixei-me ficar assim.
Louis era um rapaz tremendamente querido; sentia-me bem no seu apego, enquanto tresandava tristeza por todos os cantos. Separámo-nos e ele ficou a observar-me, dando-me um pequeno e triste sorriso; e foi naquele sorriso que eu consegui ver a mentira camuflada, o ego maior que a lucidez; todos, mas todos sem exepções, mentiram-me; até este momento parecia ser feito, retirado de um sonho, de algo ficticio; com certeza eu não era uma adolescente normal: as mentiras faziam de mim uma insana, uma rapariga apegada a mentiras.
- O que achas de irmos ver um filme? - Disse e eu assenti, limpando as lágrimas.
Deitámo-nos na minha suposta cama; Louis ligou a televisão e procurou um filme; aproveitei para descansar a minha cabeça no seu ombro acolhedor quando ele selecionou o filme: assassino americano. Baseava-se num rapaz que se encontrava numa praia com a namorada; retratava um local feliz, duas pessoas completamente conectadas uma à outra: almas gémeas. E então ele pediu-a em casamento, no meio do mar, e o seu sorriso deu-lhe a resposta: ela aceitou, aceitou compremeter-se com ele. Prosseguiu com um beijo, porém ele deixou-a sozinha dentro de água, para ir buscar qualquer coisa: e mal ele sabia que aquele seria o último sorriso que ele teria dela.
Houve um atentado; mais de três homens a disparar, no meio da praia para toda a gente; e ele no meio da algazarra, chamou pelo nome dela; e chamava, mas não havia resposta. O desespero dele era notório e foi quando ele a encontrou, que dispararam contra ela e seguidamente contra ele: mas ela morreu, morreu estendida na areia: e essa foi a última recordação que ele teve dela: a sua morte.
A Jasmine abriu a minha porta devagarinho e juntou-se a mim e a Louis,sorrindo: e eu comecei novamente a chorar como se eu fosse uma criança sem ter o que deseja; o rapaz do filme perdera o amor da sua vida e eu podia determinar como é fácil perdermos as coisas valiosas: podemos perdê-las a qualquer momento: no meio de uma discussão explosiva, num sorriso tímido, num cinema acolhedor ou numa passadeira; podemos perder tudo em segundos, e isso assustava-me; o Harry podia estar perdido, podia na verdade, sucumbir e desaparecer para sempre.
"Posso estar longe, mas espero que saibas que o meu longe está mais perto do que tu imaginas". Ele disse-o na carta; e de alguma forma, eu acredito nele. Ele está aqui, e eu sinto-o. A última coisa na qual eu pensei antes de adormecer, cair num sono profundo, foram nos seus olhos esmeralda. Eles olhavam-me com toda a intensidade que tinham. Ele estava a olhar para mim e de certa forma eu sabia.
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Boa noite lindas! Como estão? Espero que esteja tudo bem nas vossas vidas!
Demorei muito tempo para escrever este capítulo, porque a minha mãe teve um acidente. Está internada no hospital e tenho estado com ela quase sempre; o meu namorado e as minhas têm-me ajudado um pouco a ultrapassar isto e o meu choque foi tanto que me impossibilitou de escrever. Sorry for that babys.
E o que acharam disto? A d o r o o Louis! Seriously, melhor pessoa do mundo.
Talvez o próximo capítulo seja Ponto de vista do Harry. Estou a pensar nisso.
Beijinhos grandes meus amores!
Kate.