TRAGO (2017) - LIVRO (COMPLET...

By FernandoRaposo

1.4K 246 242

Bem-vindos à Parallel, uma cidade decadente. Cinzenta, seus arranha-céus são constantemente abraçados por esp... More

CONSIDERAÇÕES
Vol. 1
Vol. 2
Vol. 3
Vol. 4
Vol. 5
Vol. 6
Vol. 7
Vol. 8
Vol. 9
Vol. 10
Vol. 11
Vol. 12
Vol. 13
Vol. 14
Vol. 15
Vol. 17
Vol. 18
Vol. 19
Vol. 20
Vol. 21
EPÍLOGO

Vol. 16

25 7 1
By FernandoRaposo


O vento beijava o meu rosto em mais uma noite de Parallel. Minha pele, agora fria, recebia a rajada de vento com desprezo, uma vez que não precisava mais me aquecer. Todas as portas foram abertas para mim, e meus olhos contemplavam a cidade como ela era de fato. De um lado a cidade humana, de fundações seculares, que cresceu, evoluiu e que nos dias atuais amarga sua decadência e ao seu lado, a Cidade Escarlate, fervilhando na borda do inferno, liberando seus gases que invadem Parallel, precipitando as chuvas constantes.

Depois de minha morte, passei a descobrir o que a minha nova condição poderia me oferecer. Ganhei força, destreza, meus sentidos ficaram a flor da pele. O feitiço que me colocava à mercê dos lupinos se foi, me tornando invisível aos olhos de Carmelo e de seus acólitos.

Damra não havia me alertado sobre a incansável necessidade de beber sangue. A comida convencional não tinha mais qualquer atrativo. Para sustentar minha existência, precisava consumir sangue.

Era exatamente isso que estava tentando resolver. A filha de Kalisto gostava do submundo, indo de uma estação a outra de Parallel, alimentando-se daqueles moribundos que usam a noite como refúgio, mas optei em ver tudo de cima. Meus olhos monitoravam a cidade à procura de alguém capaz de me saciar. Estabeleci uma regra, só mataria aqueles que a sociedade despreza, criminosos. Não derramaria sangue inocente.

Uma fina chuva cobria a cidade. Comecei a saltar entre os prédios a procura de um novo ponto de observação. Minha sensível audição captou uma movimentação em um dos muitos becos da cidade. Um grupo de vagabundos perseguia um casal que havia saído de uma das inúmeras casas noturnas de Parallel.

Esta cidade se tornou cruel para com as pessoas, principalmente à noite. A lei do mais forte impera no escurecer de Parallel. A sorte deste casal é que eu sou o mais forte.

Continuei a percorrer os terraços, observando a movimentação. O casal acelerou o passo em uma tentativa inútil de fuga. Estavam sendo perseguidos por três meliantes e mais à frente o casal foi cercado pelos demais membros da corja. Ao contrário dos perdedores do metrô, esses usavam jaquetas com espetos, porretes, tinham corpos mais avantajados e cabeças raspadas. A garota começou a gritar em desespero enquanto o seu namorado levava os primeiros socos e chutes. Ele foi engolido pelos vagabundos como um bando de hienas ao se alimentar de uma carcaça.

A garota tentou mais uma vez fugir. O seu medo a fez optar em salvar a própria pele deixando o seu namorado na fogueira. Os delinquentes a impediram de sair e fizeram um cerco. Ela tremia de medo, dava para ouvir os seus batimentos e o fluxo sanguíneo percorrendo suas veias de forma acelerada. Os sinais vitais de seu namorado diminuíram, mas ainda estava consciente. Estava na hora de agir. Me deixei cair do prédio, como se estivesse mergulhando em uma grande piscina. Com um rápido rodopio consegui chegar ao chão com os pés firmes. A escuridão me abraçava, o que ajudava a me manter oculto.

O namorado a esta altura havia perdido os sentidos e todos se voltaram para a garota, que já estava sendo importunada pelo grupo. Sua blusa rasgada exibia parte dos seios. Aquilo ouriçou o grupo que apertou o cerco. A garota chorava bastante pedindo em vão que os brutamontes a deixassem ir.

— Não estão ouvindo os apelos da moça? — Minha voz ecoou através das trevas como um sopro gelado.

Todos se viraram tentando saber de onde veio à minha voz. Até a garota parou de chorar, ficando os soluços. O cerco à jovem se abriu, e brevemente as atenções se voltaram para o gueto. A garota recuou tentando cobrir seu corpo parcialmente nu. Neste momento apenas o progressivo gotejamento dos antigos canos era ouvido, lembrando um tic-tac de relógio.

— Apareça! — Disse um dos malandros. — Não temos medo de você!

— Pois deveriam. — Falei, deslocando-me.

O grupo se virou, tentando encontrar a origem da minha voz. Eles estavam dispostos em círculo. Essa formação era involuntária, mas foi no meio deles que me projetei, vindo do alto. Todos se assustaram com a minha presença. Naquele instante não era mais eu que estava ali, mas sim a criatura primitiva que havia me tornado. O grupo tentou reagir, em vão. Rasguei o rosto de um deles, fazendo o seu sangue explodir sobre os demais. Tiros foram disparados ao vazio enquanto saltava sobre mais um dos delinquentes. Estava sobre ele, enquanto recuava. Puxei sua cabeça separando-a de seu corpo. Tiros foram disparados em minha direção. Saltei usando a parede como apoio e trampolim. Investi sobre os demais. Desferindo golpes em sequência, ferindo-os brutalmente.

Uma faca rodopiou no ar, acertando o meu ombro. A dor era inexistente. Olhei profundamente para o último integrante que se mantinha de pé. Estava contra a parede, sua pulsação vibrava fazendo todo o seu corpo tremer. O medo havia tomado aquele indivíduo. Estava em pânico. Caminhei em sua direção. O peguei pelo pescoço e o suspendi, deixando seus pés dançando no ar, tentando encontrar apoio.

Desviei minha atenção para o casal. A jovem mantinha o olhar fixo em mim, como se estivesse em transe. Seu namorado havia despertado e movia-se ainda de forma irregular.

— Saiam daqui agora! — Ordenei, sendo obedecido de imediato.

Por mais assustador que o momento se mostrou, o casal poderia ter vivido instantes ainda mais aterradores. A dor é passageira, eles vão superar o susto.

Meu olhar se voltou ao delinquente, que tentava respirar.

— No final das contas, seus comparsas deram sorte, tiveram uma morte rápida. No seu caso, agonizará, até sumir deste mundo.

Meus dentes perfuraram seu pescoço. Aquela sensação era incrível. A minha pele que outrora se mantinha gélida, adquiriu um tom rosado e aquecido, bem próximo à normalidade. O liberei minutos depois, quase seco. Ainda estava vivo, mas não por muito tempo. Olhei brevemente para os corpos dilacerados. Instantes de pois, caminhei ao encontro da escuridão, desaparecendo em seguida.


O comissário sempre foi conhecido como um workaholic, reputação construída ao longo da carreira. Ele gostava de bancar o durão, desta forma, era respeitado. A luz de seu gabinete ainda estava acesa. Imaginei que estivesse queimando seus neurônios para juntar as peças deste grande quebra-cabeças. Desde que entreguei o meu distintivo não tive a chance de conversar com o comissário. Chegou a hora de fazer uma visita.

Entrei em sua sala de maneira furtiva, me aproveitei da parca luminosidade para me esgueirar sob a penumbra. O comissário estava debruçado sobre alguns papeis.

— Pelo visto você vai passar a noite nesta sala. — Minha voz assustou o comissário que se virou sacando sua arma.

— Quem está ai? — O comissário apontava sua arma de um lado para o outro, tentando cobrir todos os lados possíveis, evitando ser pego de surpresa.

— Abaixe a arma comissário, sou um amigo. — Desta vez minha voz soou familiar, fazendo com que o comissário enfim pudesse me ver, ligeiramente camuflado pela escuridão.

— Rick?

— Sim.

— Como conseguiu entrar aqui?

— Entrei pela janela.

— Como conseguiu subir por fora?

— Uma longa história. — Respondi o deixando intrigado.

— Não importa... O que veio fazer aqui? Não irei devolver o seu distintivo.

— Não preciso mais dele, vim me despedir de você.

— Como assim?

— Vou atrás do meu pai.

— Seu pai está morto Rick. — O comissário rebateu.

— Ele não está... Vou precisar de algumas automáticas!

— Você está maluco? Não posso liberar aquelas armas, ainda mais para você que tem um mandado de prisão nas costas!

— Estou pedindo de forma educada. Não tenho muito tempo. Se você não me der por bem, terei que tomar a força.

Neste momento o comissário mudou sua expressão. Senti uma mudança em sua pulsação. O meu tom de ameaça de alguma forma o deixou apreensivo.

— O que aconteceu com seus olhos rapaz?

— Não sou mais o mesmo comissário.

Ficamos um tempo em silêncio até que o comissário voltou a sua mesa de trabalho. Apoiou-se rapidamente sobre a papelada, pensativo, e voltou suas atenções para mim.

— Me diga que você não tem nenhuma ligação com esses incidentes! — Disparou um olhar quase paternal para mim. — Problemas no cemitério, vagões do metrô destruídos, corpos dilacerados, decapitações.... Quem são os seres com asas?

— Como disse, uma longa história e insólita! — Neste momento deixei as sombras fazendo o comissário recuar — Se sabe de tudo isso, também sabe que no lugar do corpo do meu pai, havia a ossada de um cachorro.

— Sim... O que torna tudo muito mais estranho. — Falou enquanto dava um tapa nos papéis fazendo as folhas se dispersarem no ar. — A imprensa está na minha cola! Tivemos que manipular os locais dos crimes! Nunca fiz isso em toda a minha carreira!

— Esta cidade esconde muitos segredos comissário. Um deles é o verdadeiro paradeiro do meu pai.

— Conte-me! — Pediu. — Se não contar, não poderei acreditar em você! Eu vi o corpo do seu pai, inerte, sem pulso. Custei a acreditar que ele estivesse morto. O Thomas era o grande orgulho desse departamento. Eu estava começando minha carreira e tinha nele um norte. Você me diz agora que ele está vivo, mas onde? Por que tanto tempo longe para retornar agora? Deixe-me ajudar?

— Preciso das armas. — Pedi mais uma vez, desviando o assunto. O comissário não estava preparado para sabe de toda a verdade.

O comissário parou, me analisou com os olhos, como se tentasse me decifrar. Ele sabia que estava diante de um Rick diferente daquele que acompanhou ao longo de sua carreira. Sabia também que existiam perguntas demais e respostas de menos. Tentei ler sua mente, mas ainda era difícil interpretar os pensamentos, mas conseguia, mesmo que vagamente, perceber suas inquietações. Ele gostava de mim e sabia que permitir que eu levasse as armas poderia ser uma forma entender o que estava acontecendo em Parallel. Subitamente, abriu sua gaveta e pegou um molho de chaves.

— Siga-me!

Descemos até subsolo, onde ficavam os cofres. Havia armas de diversos calibres. Desde aquelas apreendidas em diligências, quanto as armas do departamento.

— Obrigado por confiar em mim. — Disse.

— Não sei mais em quem confiar. Você não é mais o mesmo, vou ter que pagar para ver.

— Quando tudo isso acabar, meu pai precisará de um amigo para recomeçar. Espero que você possa ser este amigo.

— Rick, conheço o seu pai desde que entrei para este departamento. Se ele não tivesse sumido, era para estar ocupando a minha cadeira. Não se preocupe com isso.

Retribui com um pequeno sorriso. Coloquei as armas na sacola e deixamos o subsolo. Ao retornarmos à sala do comissário me encaminhei para a janela.

— Não prefere usar a porta?

— Não.

— Rick, esse papo de despedida, é sério?

— Sim, o caminho que estou trilhando é sem retorno.

Neste instante saltei pela janela, indo parar no telhado do outro prédio. O comissário correu para a janela. Antes de desaparecer na escuridão pude vê-lo à distância, parado, ainda tentando entender minha visita e o meu pedido. Segundos depois seus lábios se abriram, ainda titubeante:

— Preciso de um trago...

Continue Reading

You'll Also Like

287K 35.5K 46
Após vários dias em coma, Malu acorda em uma cama de hospital, sem lembrar nada sobre seu passado. Sua única companhia - além de colegas de quarto es...
1.1M 156K 93
Trilogia COMPLETA ⚠ ATENÇÃO! Este é o segundo livro da trilogia A RESISTÊNCIA, a sinopse pode conter spoilers. Após descobrir que Emily faz parte da...
16.1K 1.9K 32
Jeongguk desde pequeno tem paralisia do sono, que vinha e voltava periodicamente, onde nunca vira nada de estranho. O garoto associara os episódios a...
80.6K 7.4K 11
Após ser expulso do paraíso, James teve que levar a vida como um mortal, tentando a todo custo voltar para o lugar de onde o mandaram embora. Rachel...