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By hellenptrclliw

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➛ A segunda queda: livro 02 da série "The Four Falls". Apaixonar-se não era sequer a última das coisas que Et... More

OWH. #2 Série TFF
sinopse
dedicatória
epígrafe
prólogo
01. quem está julgando?
02. caos com íris cor de avelã.
03. dever e honra.
04. até onde você é capaz...?
05. ethan.jyoung.
06. se você diz.
07. calum young é um menino sábio.
08. quem é gwen evans?
09.1. eu não sei como você consegue.
09.2
09.3
10. movidos pelo instinto de sobrevivência.
11. precisamos parar de nos encontrar assim.
12. por que se explicar tanto para si mesmo?
13. temos tudo sob controle.
14. a verdade que há e suas promessas.
15. um dia, talvez?
16. até o sol nascer.
17. nada é como se apaixonar pela primeira vez.
18. a reputação que me precede.
19. quando o amor cai em mãos erradas.
20. no meu sangue.
21.1. a garota que me encara de volta.
21.2
22.1. os parágrafos escondidos e descobertos.
22.2
23. a sentença das nossas vidas.
24. misericórdia nunca foi o seu forte.
25. a vida acontecendo através desses sentimentos.
26. as estrelas que testemunham nossa queda.
27. isso é sobre quem eu sou.
28.1. a liberdade do meu verdadeiro eu.
28.2
29. isso muda tudo.
30. e quem a protege de mim?
31. "juntos e essa coisa toda".
32. capítulos em branco.
33. é sempre assim?
34. como viemos parar aqui?
35. o narrador que conta a história.
36. neste momento, ele é o mundo inteiro.
37. aquela filha daquela família.
38. me diga que não é tarde demais.
39. me perdoe, eu me apaixonei.
40. boa fé da mulher que me amou primeiro.
41.1. é como deveria ser.
41.2
42. o monstro debaixo das nossas camas.
43. genuína.
44. o sangue puro e o sangue ruim.
45. julgamento
46. com um coração cheio.
47. rainbow
48.1. as constantes.
48.2
extra: pressentimentos.
49. você vem para o café da manhã?
50. a traição.
51. negação.
52. não esquecer o quanto você o ama.
53. é o único jeito, querida.
55. se apaixonar.
56. este é o meu dever.
57. memórias: nós as construímos e elas nos constroem.
58. sem mais sentir muito.
59. era você que sempre estava lá.
60. o caminho de volta para casa.
epílogo.
nota final.

54. honra e morte.

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By hellenptrclliw

Deus me levantou
E eu não sei porquê
As luzes estão acesas
Mas ninguém está em casa

Não tem amor
Como nosso amor
Não tem amor
Como nosso amor

LIGHTS ARE ON | Tom Rosenthal.







ALYSSA PUXOU A TOUCA de sua cabeça, alisando os fios bagunçados e os colocando de volta em seu lugar. Segurando o pedaço de pano entre as duas mãos em frente ao peito enquanto me observava como um cervo assustado diante de faróis altos, ela esperou silenciosamente enquanto meu olhar percorria o espaço à nossa frente; repleto de itens que, hoje em dia, não significavam mais nada. Exceto pela caixa de recordações e álbuns fotográficos, o restante da estrutura não fazia nada para acalentar a saudade que nos atormentava todos os dias há cinco anos.

Mesmo assim, nunca foi direito de Malorie Young tirar isso de nós, então, eu admirava minha irmã um pouco mais por sua persistência em colocar tudo de volta ao seu lugar, ou pelo menos quase tudo. Duvidava que alguma coisa além dos itens mais pessoais deles fosse chamar a atenção de Calum. No fundo, eu sabia que o que ele mais queria era ter como poder se lembrar de como eles eram, mesmo que não conseguisse lembrar o som de suas vozes e risadas, ou como mamãe cantava para nós em noites de insônia.

Mamãe. Eu deveria começar a me corrigir para "mamãe de coração"?

Engoli em seco, apertando no bolso direito do meu casaco a confissão em forma de carta de nosso pai.

— Eu acabei deixando passar na época — disse ela, hesitante. — Mas isso está aqui há algum tempo. Trenton que me ajudou a achar esse local, e é uma taxa baixa para pagar. Claro, não é para sempre...

— Devíamos vender — anunciei, sem delongas. — Os móveis e esses objetos de decoração.

Alyssa ficou em um longo silêncio, e eu sentia as íris coloridas perscrutando meu rosto. Não sei se ela esperava que eu remoesse o passado, que de alguma forma eu a culpasse ou menosprezasse seu esforço, mas a verdade era que olhando para tudo isso, não conseguia sentir nada. Será que demorei tanto tempo para conseguir entrar na garagem porque, no fundo, sabia que minha insensibilidade me chocaria?

— Você quer dizer vender tudo?

Dei de ombros, dando alguns passos à frente. Passei a digital do indicador na antiga cadeira da varanda, esfregando-a contra o polegar para limpar a poeira resultante. Alyssa se aproximou, olhos atentos vasculhando tudo: os pertences e eu, tentando me entender. Tentando nos entender, porque eu sabia que ela não se importava tanto quanto eu. Não depois de tudo que passamos.

— A maioria, eu acho — murmurei, alheio. — Vamos ficar com o que realmente tem valor sentimental. Algo que você queira para o apartamento, e o que é pessoal.

— Vamos deixar Calum escolher algo também? — perguntou ela.

Assenti. — É justo. Ele vai querer as fotos, com certeza — devolvi seu olhar, pesaroso. — Ele não tem muitas memórias para manter.

Alyssa sorriu, triste. Calum não tinha memórias o suficiente e nós dois tínhamos, mas começamos a esquecer. O som do riso e da voz me falhava quando tentava recordar. A sensação do toque, o calor dos abraços. Até mesmo o tom agudo dos gritos exasperados de nossa mãe, e o timbre forte de quando papai vinha nos dar um sermão.

— Está bem, então — minha irmã suspirou. — Vou falar com alguém, talvez o pai do Trenton ou até mesmo o dono daqui.

Balancei a cabeça, percorrendo meu olhar por tudo uma última vez com atenção, porque voltaríamos com Calum apenas para pegar o essencial. Ou talvez somente Alyssa voltasse aqui com ele, depois do que confessarei em breve. Estava acontecendo. Em um sábado qualquer do final de Janeiro, eu finalmente me livraria desse fardo que carregava contra minha vontade todos esses anos — embora a realidade dele fosse me perseguir até o fim da minha vida.

Inclinei-me contra a parede, fitando Alyssa. Devia haver algo me denunciando nos traços do meu rosto, porque ela se aproximou e apoiou o quadril contra a estante que costumava ficar na sala de nosso antigo lar.

Minha espinha ficou gelada, e meu coração começou a bater de maneira mais pesada, sangrando.

— Como você está? — questionei.

Allie meneou a cabeça, piscando algumas vezes enquanto procurava a palavra certa, que ainda não existia.

— Estou bem — ela franziu a testa, soltando uma pequena risadinha. — E eu finalmente consigo dizer "bem" de verdade. Mesmo que... — ela molhou o lábio inferior. — Você sabe.

— Ele faz falta — confessei, oferecendo a ela minha compreensão.

— Algo perto disso — zombou.

Eu estava feliz que por mais destruída que Leon St. John tivesse a deixado, definhando enquanto espera por ele, ela não quebrava. Ela se reerguia mais forte, e agora, não havia mais medo. Não havia um monstro debaixo de nossas camas. E eu a libertaria de qualquer coisa que viesse a obrigá-la a encarar esse monstro novamente, correndo o risco de que ele apenas fosse transferido e morasse nos traços do meu rosto e nas curvas sinuosas da minha moral.

Eu poderia entregar-lhe a carta e esperar que sua mente absorvesse todas as palavras de nosso pai e que, inevitavelmente, ela fosse imediatamente inclinada a se solidarizar com o pobre garoto abandonado em uma casa empoeirada, vinte e quatro anos atrás, porque a obsessão distorceu a mente de sua mamãe a ponto de deixar um bebê para trás, sozinho. Aquele que foi salvo e motivou nossos pais a terem mais filhos — ela. Quem eu era diante dos olhos deles e que fui para ela, muito semelhante.

E não me faça falar sobre meu tempo nas ruas.

Seria uma jogada esperta, com certeza.

E manipulação.

Era por isso que eu contaria a verdade bruta e com as palavras mais sinceras, e seria total e completamente decisão de Alyssa James Young o que ela veria em mim. Quem ela escolheria. O irmão que teve a vida toda ao seu lado ou... essa parte minha que carregarei por toda a vida, mas que talvez não seja boa o suficiente para estar tão perto dela.

— Leonard e Tony vão morar aqui — comecei —, e eles te adoram por ter feito o filho deles feliz. Os garotos estão sempre por perto, e obviamente também te adoram. E Gwen, Calum; até mesmo os pais de Gwen. Nós temos algo bom aqui, não temos?

Alyssa encolheu um ombro. — Temos. Apesar das perdas, ainda há algo para o amanhã. É muito mais do que tivemos no passado.

— Você ficará bem — eu disse, mais convencendo a mim mesmo. — Ficará bem pra caralho, rainbow.

Você não precisa de mim. Mas eu quero que você me queira ao seu lado.

Alyssa começou a desconfiar das minhas palavras, franzindo aquelas expressivas sobrancelhas castanhas bem desenhadas de forma inquisitiva, mas ainda levei meu tempo controlando o caos que se desenrolava em câmera lenta no meu interior. Tudo havia melhorado entre nós dois, e doía ter que sacrificar isso depois de tantas tragédias. Ela confiava em mim, e era um caminho traiçoeiro de se percorrer.

Eu consegui isso, assim como consegui criar uma base estável para nós três, finalmente.

Apenas... tudo tem um custo, não é?

— Tenho que te contar algo — disse, enfim. — Algo sobre mim. Algo que vai... ser difícil, eu acho.

Alyssa apoiou a mão na estante, subitamente preocupada.

— Você está doente? Você está bem? — ela derramou as palavras apressadas, desconfortável. — Sei que estive vivendo em mundos diferentes, mas eu não...

— Não é isso. Eu estou bem.

— Então...?

Respirei fundo, consternando-me com o momento que foi premeditado há cinco anos, naquela noite triste e fria. Libertando-me desse canto escuro e trágico da minha cabeça.

— Eu sei que as pessoas não me toleram tão facilmente — encontrei seu olhar, inexpressivo. — Sei que não sou "simples". Mas enquanto você precisou se tornar um pouco mais fria a cada dia, eu não precisei me transformar, sabe? Algo sempre esteve aqui. Foi mais fácil do que eu esperava desencadear isso.

Alyssa cruzou os braços, assentindo.

— Nunca entendi emoções ou sentimentos muito bem. Não significa que não sinto, mas... Só era diferente. Ainda é, de certo modo — dei de ombros. — Só tenho mais experiência para lidar agora.

— Eu sei disso — declarou ela. — Você sempre foi carinhoso comigo, com Calum, mas também sempre foi meio indiferente ao resto. Como se tudo fosse muito racional para você — ela sorriu. — E eu acho muito legal. Queria não ser uma louca toda vez que minhas emoções saem do controle.

— Você acha — eu refutei. — Foi difícil ver que você tinha se tornado uma pessoa completamente diferente e não saber o que fazer para ajudar. Não saber como lidar com os seus traumas ou o que Malorie fez.

E aí está. O sorriso anterior sumiu com a menção de nossa tia, sempre roubando tudo de bom que minha irmã plantava e florescia para se alimentar de nossa infelicidade. Eu a removi da minha vida, mas quem garantia que de algum modo ela não estava infernizando minha irmã? Menosprezando todo seu progresso?

E mesmo que não estivesse. O dano já tinha sido feito.

— Ser indiferente. Cínico, para o que acontecia bem na minha frente.

— Eu nunca facilitei para você, Ethan — ela respondeu. — Não é sua culpa.

— Você tem razão — arqueei as sobrancelhas, enfático. — Não é nossa culpa. É culpa dos nossos pais.

Ela enrijeceu, visivelmente travando a mandíbula para evitar que alguma grosseria impulsiva escapasse de seus lábios pelo meu insulto. Para ela, talvez eles ainda fossem perfeitos, e a saudade e dor fossem os únicos sentimentos proeminentes. No entanto, eu sentia esse rancor. A mágoa, as mentiras. As nuances sombrias cobriam minha existência, e eu precisava caminhar através delas.

— Você deveria sentar — aconselhei. — O que vou dizer vai explodir sua cabeça.

"Eu te disse" acenei com a mão no ar, dispensando-a, "não vou mostrar a porra dessa carta para ela".

"Ethan."

Eu olhei para o rosto de Gwen, seus olhos me implorando para que eu repensasse. Isso fazia parte da coisa toda sobre contar a verdade, mas era opcional. Isso amoleceria o coração de Alyssa, e eu o queria duro, mais resistente do que nunca. Para que eu merecesse estar lá de uma vez por todas, sem nada entre nós.

Mas Gwen não achava certo.

Eu fazia o que queria, segundo ela, querendo dobrar o destino às minhas vontades.

"Por favor. É a coisa certa", tentou novamente.

Se eu não a amasse.

Se eu não a amasse, talvez a verdade nunca fosse tão insistente para vir à tona.

Enquanto Alyssa se acomodou à minha frente, eu empurrei a carta para o fundo do bolso e removi minha mão, inclinando-me para frente ao entrelaçar meus dedos.

— Vá em frente — pediu, resignação em seu tom.

— Na noite em que nossos pais morreram — comecei —, eu estava lá. Antes. Enquanto nosso pai ainda estava vivo.

Alyssa respirou fundo, obviamente despreparada para entrar nesse tópico. Ela piscou, como se para clarear seus pensamentos, e eu vi a dúvida em seus olhos. Afinal, nunca contei detalhadamente o que havia acontecido nessa noite. Eles sofreram um acidente e a ajuda médica não foi suficiente. Nunca disse que não os vi, mas também nunca disse que vi. Nunca disse que coisas aconteceram nesse meio tempo, e na época, Alyssa era jovem. Não sabia fazer os questionamentos certos e, com o tempo, desconfiando ou não, ela apenas escolheu deixar para trás.

Foi um erro, eu admito. Tirar isso dela. Mas o que eu deveria fazer? A garota tinha só dezesseis anos.

— A mamãe também? — perguntou, a voz baixa.

Balancei a cabeça. — Ela morreu no impacto, ou muito pouco tempo depois. Reconheci o corpo dela e esperei nosso pai sair da cirurgia.

— Ok. Então ele estava bem?

— "Bem" é uma palavra forte. Ele teve hemorragia, muitos ferimentos que o deixaram em um estado muito delicado. Quando eu fui vê-lo, precisei... — pigarreei, lutando contra as memórias. — Precisei contar sobre sua esposa. Ele não... não queria acreditar.

— E...

— Ficou pedindo — continuei, interrompendo-a —, pedindo e pedindo para ver vocês. E eu fiquei lá, parado, sem fazer nada enquanto ele não queria acreditar que ela já estava morta.

Alyssa ficou congelada; muito quieta, nem mesmo o suave som de sua respiração era perceptível. Meu peito contraiu com força o suficiente para borrar minha visão, mas continuei em minha mesma posição enquanto ela absorvia minhas palavras, porque não era mais meu direito sentir essas emoções. Não agora. Tive tempo para processá-las, tempo para programar a verdade.

— E eu fico me perguntando — acrescentei —, até hoje, o que teria acontecido se eu tivesse tentado acalmá-lo e ligado para vocês na hora. Ou ao menos você, caso Calum não pudesse entrar. Fico me perguntando se isso não teria o colocado em um estado tão agitado, tão agitado que ele teve duas paradas cardíacas.

Alyssa esfregou as mãos no jeans que cobria suas pernas, nervosa, mas permaneceu sentada enquanto eu falava. Seus olhos encontraram os meus, indo de um lado para o outro neles, tentando encontrar o que vi nessa noite, cinco anos atrás.

— Isso era o que você queria me contar? — perguntou ela, a voz tensa. — Porque sim, é uma merda, mas se você acha que de algum modo eu ficaria brava...

— Malorie é a minha mãe biológica.

Eu desejei imediatamente ter um episódio de amnésia assim que as palavras encontraram sua força em nossa realidade com o peso de nossas vidas, somadas e multiplicadas. Alyssa ficou imóvel, seus lábios ainda afastados no formato de suas palavras anteriores, a completa confusão passando por seus olhos apenas para ser seguida por choque e incerteza. Ela era muito expressiva agora, a minha garota. E eu senti falta dela, que tinha tantos sentimentos para demonstrar sem usar palavras, mas ainda sábia o suficiente para guardá-los quando deveria.

Como agora.

O que você disse?

Eu apenas olhei para ela.

Alyssa arfou, lentamente ficando em pé e dando hesitantes e curtos passos para longe de mim. Seus braços estavam um pouco afastados da lateral do corpo, as mãos cerradas em punhos como se ela nem conseguisse conter o que quer que estivesse sentindo. Sei como é.

Era para ser agora, onde eu começaria o monólogo inteiro da criança abandonada vinte e quatro anos atrás.

Mas com todas as tragédias que nos transformaram diariamente, fora do nosso controle, eu não usaria seu coração à minha disposição assim.

— Nessa mesma noite, antes de morrer, nosso pai me contou a verdade — havia um sorriso em minha voz, e ele era amargo. — Só levou vinte anos. E não me fale sobre o timing perfeito.

Allie permaneceu de costas, os ombros tensos.

— Eu não entendi — balancei a cabeça. — Não entendi como diabos isso era sequer uma possibilidade. Quer dizer, Liliana era minha mãe. Eu me parecia com ela, eu fui criado por ela desde que me lembro.

— Mas Malorie e ela sempre foram tão parecidas — Alyssa soprou, as palavras perdidas no silêncio que concedi a ela.

Fiquei um pouco grato por ela estar de costas para mim, para que eu não visse algo que ia fazer com que essa dor crescente em meu peito aumentasse. Imaginei diversas vezes como esse dia seria por cinco anos, e apesar da ansiedade que comia meu peito vorazmente, eu estava me sentindo bem com a decisão. Eu fiz o que queria, que era fornecer a eles uma base para, enfim, construírem suas vidas. Se eu estivesse na foto ou não, então não importaria.

E eu recebi uma recompensa para aplacar a solidão da vida.

Essa era a coisa certa a fazer; o que meu pai deveria ter feito desde sempre, mas que acabou deixando injustamente para mim.

— Eu voltei para casa, depois de tudo — prossegui. — E Malorie estava lá. Eu olhei para ela e... simplesmente... eu vi. E ela também.

— Mas você foi embora — Alyssa declarou, virando-se parcialmente, mas ainda escondendo seu rosto. — Você foi embora. Você nos deixou lá. Com a sua mãe?

— E vou morrer arrependido — disse, minha voz grossa. — Só que não posso mudar isso, Allie. Nossos pais morreram e eu descobri que minha vida foi uma mentira por vinte anos, e a mulher que eu chamava de tia nas raras vezes em que ela aparecia era minha mãe? O que eu deveria ter feito? O que era tão sábio que eu, com meus estúpidos vinte anos, não fiz?

— Eu não entendo.

— Leva algum tempo para assimilar — segui sua figura com meu olhar pelo depósito empoeirado. — Mas Malorie é a minha mãe biológica. Ela teve um caso com nosso pai durante uma briga com sua mãe, e eu acabei surgindo na história. Ela não me quis. Liliana quis. Fim da história.

Fim da história?

Alyssa, enfim, virou.

E nada me preparou para a dor da traição que vi brilhar naqueles lindos olhos coloridos. Os olhos do nosso pai. O sangue "puro" que compartilhamos. Essa única parte, mas que não era suficiente para me livrar do outro lado da linhagem.

Suas bochechas estavam coradas, e as sobrancelhas franzidas em um ódio que eu sabia não ser direcionado para mim. Ele apenas estava lá. E tudo bem, também.

— Você sabia disso por cinco anos — ela ergueu a mão, cheia. — Cinco malditos anos! E nunca sequer mencionou algo, nunca... Você só continuou a mentira deles.

— Era a minha vida, Alyssa — respondi. — Sinto muito por não ter a atitude mais correta de todas depois de descobrir que sou filho da mulher mais repugnante do mundo. E eu ainda nem sabia do que ela era capaz! Mas estou te contando agora.

Alyssa sacudiu a cabeça com força, agitando as mechas bagunçadas de seu cabelo castanho. A acusação estava clara em cada centímetro de seus olhos, misturado à traição e completa incredulidade por ter o jogo virado de ponta cabeça tão de repente, especialmente após tudo o que estávamos passando.

Respirei fundo, acalmando meu próprio temperamento.

— Malorie sempre teve uma obsessão por nosso pai — comecei —, sempre, mas ele se apaixonou por Liliana primeiro. Sua mãe. Ela nunca superou isso, e na primeira oportunidade trágica, nosso pai caiu nas graças dela. Não sei se fui planejado, mas no final das contas, sei que fui indesejado. Sua mãe me salvou de um futuro ruim com Malorie.

Exceto que eu nunca estive realmente incluído no futuro de Malorie. Mas ela não precisava saber disso agora.

— Ela me criou como seu, mas sou apenas metade, Alyssa — engoli em seco, a garganta dolorida. — Apenas meio filho. Meio irmão. Você e Calum são irmãos e vieram da irmã Young certa. Eu sou filho de Malorie, e ela sabe, e estou te contando para me livrar do fardo que colocaram em mim. Eu quero me livrar dela, porque já serei castigado para sempre por carregar parte dela em mim.

Alyssa desviou o olhar para o chão, não rápido o suficiente para esconder as lágrimas que se acumularam sob seus cílios. Eu gostaria que Gwen estivesse aqui, porque essa distância crescendo entre Alyssa e eu estava doendo mais do que nunca, porque esse era o fim da linha. Estávamos conseguindo superar, então eu voltei e larguei outra peça extremamente pesada de nosso passado em cima de sua cabeça, como se não estivéssemos permanentemente arruinados.

Minhas mãos estavam dormentes e havia uma sensação fria em minha barriga, arrepios em minha nuca.

— Então... — ela susurruou. — Você é dela. Você é dessa mulher...

Inclinei minha cabeça para o lado, rasgando meu olhar para longe da minha meia-irmã. Quando contei a Gwen, afirmei que isso mudava tudo. Que não importava o que ela dissesse, ela me veria de forma diferente. Mas Gwen não foi torturada por nossa tia, ela apenas sabia que a mulher era desprezível. Para Alyssa era outra história. Agora todos aqueles meus traços questionáveis estavam se ligando em uma teia interminável, tornando difícil a separação dos fatos.

Era triste, doloroso, mas esperado.

— Por isso ela sempre queria sua atenção — prosseguiu. — Sempre querendo ser boazinha para você e me vilanizar. Abusando de mim, porque eu não era você, e porque você me ama mais do que a ama.

Ergui minha cabeça, animado com o rumo de suas palavras. A emoção surgiu forte atrás das paredes do meu peito, tornando quase impossível mantê-la em silêncio.

— Sim. Porque nunca houve uma única dúvida do que você e Calum significavam.

Alyssa levou as mãos até o rosto, arrastando os dedos entre os fios de cabelo com uma expressão alarmada em seu rosto.

— Você é dela — repetiu. — Você... esses traços da mamãe. Na verdade, meio que são dela. Essas coisas que você me disse, sobre sua frieza, sobre... — ela respirou fundo, engasgando-se com um soluço seco. — Você é filho daquela coisa monstruosa...

Ela chorou, cobrindo seus olhos. — Isso não pode estar acontecendo. Isso não pode estar...

— Alyssa.

— Ela vai conseguir te tirar de mim...

Alyssa.

Minha meia irmã afastou as mãos do rosto, os olhos vermelhos e os cílios molhados. Com uma grande atenção alargando o tamanho dos olhos, ela esquadrinhou meu rosto quando fiquei em pé, e meu estômago deu uma volta inteira, aumentando a produção de saliva em minha boca. Eu sabia o que ela estava procurando. Não parei para identificar exatamente onde eu era mais semelhante à Malorie, e talvez nunca fosse. Eu tenho uma mãe, apenas. Ela me ofereceu tudo o que eu precisava, e me fez ser capaz de construir uma base para meus irmãos crescerem, finalmente.

Não fui o mais honrado, correto e moral durante o caminho. Mas fiz o que tinha que fazer para protegê-los, incluindo os sacrifícios incompreendidos que meu pai disse que seriam necessários. Eu fiz, e assumi as consequências. Com tristeza ou não, segui em frente.

A vida era uma coisa extraordinária na maioria das vezes. Nos momentos bons e ruins, sempre surpreendendo. Se eu não fosse forte, ela apenas me levaria na maré, como um ninguém.

No entanto, pensei que estava preparado para ver a assimilação em seus olhos enquanto ela reconhecia Malorie Young em meu rosto. O desgosto, uma nova camada de incredulidade e esse olhar completamente novo em seu rosto, como se eu fosse uma pessoa completamente diferente agora. Como se eu fosse outro irmão, e não aquele que esteve ao lado dela por uma vida.

A carta queimou novamente em meu bolso e eu contraí meus dedos, resistindo ao impulso de pegá-la.

— Nada mudou para mim — disse, a voz grossa. — Eu ainda te amo como amei desde o dia que você nasceu. Ainda vou dar a minha vida por você, sem piscar, se algum dia precisar. Você ainda é a minha rainbow.

Ela se encolheu com o apelido, enfiando uma faca em meu peito.

— Mas você é dela — respondeu. — E é como se ela estivesse roubando mais uma parte da minha vida. E ela já tirou tudo o que eu tinha de bom por cinco anos...

— Eu entendo.

Afastei-me alguns passos e enfiei as mãos nos bolsos, porque eu não lutaria. Contei a verdade porque devia isso a nós dois, mas a decisão do futuro seria dela. Eu morreria cuidando dela e de Calum da maneira que pudesse e nada mudaria isso, mas se ela precisasse de espaço, se ela precisasse alterar o relacionamento de uma vida por seu bem estar depois de tudo que passamos, eu a respeitaria. Meu pai me avisou sobre os sacrifícios. E desde que houvesse uma vida feliz esperando por ela, então tudo bem.

— Eu preciso — ela arfou, agitando suas mãos ao lado do corpo. — Sinto muito, Ethan. Mas não posso fazer isso agora. Não posso... olhar...

— Para mim — concluí, poupando-a da admissão cruel. — Não pode olhar para mim.

Uma nova onda de lágrimas fez as íris coloridas cintilarem e, assim, Alyssa me deu as costas e correu para fora do armazém. Caminhando lentamente até o interruptor, apaguei a luz. O clique da fechadura pareceu rasgar meus tímpanos, mantendo o passado trancado nesta sala até que nos livrássemos dele de uma vez por todas.

Na rua, dediquei um olhar significativo na direção do céu nublado.

Sacrifícios, certo? pensei comigo mesmo, desejando que meu pai pudesse ouvir.

. . .

Com gotículas de suor umedecendo sua testa e a ponte de seu nariz, Gwen olhou por cima da caixa de papelão que terminava de lacrar com fita, contendo em seu interior todos os meus livros e cadernos que estavam porcamente distribuídos pelo quarto. A incredulidade que enrugou suas sobrancelhas em um quê de irritação muito enfático me fez estremecer, porque eu sabia que aconteceria.

— O que você quer dizer com "contei só o que era importante"? — questionou, congelada no meio do movimento. — Porque Alyssa e você não tem estado no mesmo lugar há cinco dias, Ethan. Sua versão de importante parece bem diferente...

— Eu te disse que não contaria — respondi, rangendo a mandíbula. — Disse a você que contaria a verdade, e eu fiz.

— Bem, certo — ela se afastou da caixa, sentando-se sobre uma perna. — Você contou a ela que viu seus pais mortos e que precisou protegê-los. Você contou que eles mentiram por uma vida inteira e você não soube lidar. Você contou que Malorie te manipulou por todos esses anos. Contou que morou na rua, passando frio e fome e perigo, e contou, primeiramente, que a razão por vocês dois serem irmãos é que Malorie te abandonou...

— Gwen, fala baixo — pedi, sussurrando ao espiar pela fresta da porta. — E não. Não contei, porque não importa.

— Importa, sim — disse ela, incisiva. — Isso é o que mais importa. É parte de quem você é, Ethan.

Sacudi minha cabeça, deliberadamente concentrando-me na tarefa de dobrar minhas roupas muito cuidadosamente, na óbvia tentativa de evitar esse assunto com todas as minhas forças. As coisas estavam indo bem entre minha irmã e eu, até que de repente eu não a via há cinco dias, mesmo que ainda morássemos na mesma casa. Sei que devo respeitar o tempo dela, mas sem o esforço de ao menos tentar me ver de maneira diferente, então nunca poderei reconquistá-la para além do que eu significo.

Apesar de tudo, apesar da mudança estar sendo muito diferente do que imaginei que seria, eu não contaria a ela a triste verdade que espreitava por baixo das camadas de quem eu era. Ela me escolheria ou não, mas com base em tudo que compartilhamos nos últimos vinte anos, o bom e o ruim, o feio e o bonito. E nada mais importava agora.

Perdi meu melhor amigo há três meses. Libertei-me do passado, embora ele vá viver comigo até meu último suspiro. Fiz a coisa certa; fiz o que meus pais deveriam ter feito. Ofereci a eles uma chance melhor nesse ano. A mudança estava quase no fim, tudo empacotado e quase completamente carregado. Alyssa não precisaria me ver, porque tive o cuidado de pegar dois apartamentos em andares diferentes. Paguei seis meses adiantados com a grana que guardei por anos, jurei que nunca tocaria até que fosse útil, e meu esforço — o frio, a fome, o desamparo —, valeram a pena.

De alguma forma, pelas linhas tortas de Deus, as coisas estavam funcionando.

Infelizmente, a vida só era um sonho enquanto éramos crianças.

— Ethan... — Gwen chamou, a voz mais suave dessa vez. — Você pode ser um pouquinho egoísta dessa vez, sabe?

Balancei a cabeça. — Já fui quando os deixei para trás há cinco anos. Agora vou fazer o que gostaria que tivessem feito por mim.

Gwen se levantou e deu a volta na cama, sentando na beira, ao lado de onde eu estava arrumando uma mala velha. Aqueles sempre gentis olhos esverdeados procuraram por algo em meu rosto e independente do que fosse ela sempre encontrava, mesmo o que eu poderia jurar que não existia. Não teria feito metade das coisas que fiz se não tivesse o apoio constante dela através de tudo isso, e seria tolo da minha parte tentar me convencer de que ela não era a melhor parte de mim. Eu adorava ver o orgulho que enchia seus olhos quando eu tomava a atitude mais mundana de todas, mas muito mais sensível do que poderia prever. Quando eu tomava a decisão correta, independente das consequências.

Mas ela seria a única a me oferecer um refúgio em paz sem que eu precisasse pedir.

Por causa de como aprendi a amá-la, não me tornei amargo com o amor depois de perdê-lo novamente. Os últimos meses seriam bem diferentes sem ela.

E é mais uma razão pela qual eu devo espaço a Alyssa. Eu tenho Gwen. Ela perdeu St. John. Ela pensa que me perdeu, de algum modo.

Continua sendo demais para todos nós.

— Eu respeito você — disse Gwen, enfim. — Respeito muito, e entendo a razão por trás de tudo o que você fez. Mas Ethan, você precisa parar de se punir por coisas que não foram sua culpa. Alyssa vai saber entender que você sofreu, assim como ela, e que vocês só tem um ao outro.

— Sendo minha culpa ou não, G, isso reflete em mim. Sempre vou ser o cara que abandonou os irmãos. Aquele que não via como nossa tia afetava minha irmã. Aquele cínico, indiferente e de moral questionável — fiz uma pausa, acrescentando em voz baixa. — Aquele que não percebeu que o melhor amigo precisava de ajuda, bem debaixo do meu nariz.

Ethan.

— Estou seguindo em frente, G. Porque preciso, por meus irmãos — devolvi seu olhar, pesado com sentimentos. — Por você. Mas tem coisas que vou carregar comigo para sempre, e em madrugadas de insônia, vão me comer vivo. Essa é a dívida que permanece com a gente, mesmo quando superamos os traumas. Há sempre um resto, um pensamento, uma ideia... que vai fazer voltar.

Eu disse isso à terapeuta que Gwen me indicou e que se mostrou surpreendentemente agradável. Ela disse que eu achava isso agora, mas que eventualmente perceberia que nada disso aconteceu, porque eu superaria. Acho que ela está errada, mas não disse isso em voz alta. Meus erros permanecem escritos em minha pele para sempre, e talvez, no futuro, eu possa ser capaz de não cometê-los novamente, apesar de quem eu sou.

Esfreguei minha têmpora direita, arrastando os dedos pelos fios de cabelo curtos em minha cabeça.

— Eu só quero que isso acabe — confessei. — Quero parar de pensar em St. John o dia todo. Parar de me acostumar com a ausência de Alyssa. Parar de sentir que estou me afogando em todas essas mudanças e...

— Você quer um recomeço honesto — Gwen concluiu. — Eu entendo. E você terá a chance, Ethan, a partir dessa semana. Mas me prometa, por favor, que vai parar de acreditar que suas emoções estão contra você. Elas estão aí por uma razão, todas e qualquer uma.

— Elas estão me fodendo, Gwen.

Ela sorriu, divertida. — E qual seria a graça se não estivessem?

Diante da minha pausa pensativa, Gwen suspirou e tocou meu antebraço antes que eu propositalmente me concentrasse na tarefa inconclusa. Alyssa já havia empacotado todas as suas coisas e de Calum, e eu gostaria que ela tivesse pedido minha ajuda. Gostaria de não perceber que ela estava fazendo isso tão rápido para se distanciar de mim o quanto antes lhe fosse possível. Eu me perguntava se ela sentia a presença de Malorie como um obsessor somente em me ter no cômodo ao lado.

Malorie desapareceu desde nosso último contato, e precisei pedir a Gabriel que intermediasse as negociações da devolução de nossa casa para longe de suas garras, porque ela quis colocar um advogado ao seu lado. Como ela pagou? Tinha medo de descobrir. Atualmente, ela poderia estar vivendo sob uma ponte e eu não teria ideia — tampouco me importava. E no entanto, lá no fundo, escondido e empoeirado, ainda havia aquele desejo de descobrir como as coisas poderiam ter sido se... se ela fosse diferente.

Se ela fosse capaz de amar, e não somente de possuir.

— Eu te amo — Gwen sussurrou, encostando sua bochecha em meu bíceps. — Muito.

Algo quente correu por meu peito, satisfeito, pesado e permanente. Essa mulher. Minha estrela mais brilhante; a que me guia através das noites escuras.

— Eu te amo — respondi, porque essa era a única verdade inalterável da minha vida.

Uma torrente de emoções me invadiu quando girei a chave na fechadura pela última vez, e o som pareceu irritantemente mais alto que o normal. Essa foi a casa "estepe" de um garoto de dezessete anos há um tempo, até que seu bom coração a colocou à minha disposição simplesmente porque ele queria me ajudar, porque eu o ajudei, mas talvez nunca tenha sido sobre isso. Eu dei a ele uma nova chance, e ele me deu outra, e fizemos disso um hábito.

Hoje, cinco anos de história eram encerrados quando puxei a chave para fora da fechadura e a apertei em meu punho cerrado. Doeu. Entrei e saí por essa porta tantas vezes, com tantos sentimentos, mas ainda me lembro de quando olhei para ela pela primeira vez.

Você mora aqui? questionei ao garoto, que estava balançando nervosamente a chave em mãos. Eu tenho uma entrevista de emprego nova daqui a duas horas. Você pode querer se apressar.

O garoto revirou os olhos. Dá um tempo. Estou pensando nas palavras certas para você não recusar.

Recusar o quê?

Morar aqui.

Ergui as sobrancelhas, chocado com a estupidez do garoto. Ele definitivamente não era bom em "pensar nas palavras certas" para suavizar uma notícia complexa. Desde que eu o tirei das mãos daqueles marginais de rua e comecei a fazer boas entrevistas de emprego enquanto mantinha um temporário, pude me recompor o suficiente para que ele não sentisse certa repulsa por mim. Ainda não sei se isso era bom, porque ele não tinha me dado muito espaço desde então.

Leon St. John arregalou os olhos, percebendo sua própria tolice. Ele sacudiu as chaves novamente até que cerrou o punho com elas no interior, esfregando algo em seu pulso direito. Notei uma cicatriz ali recentemente, mas nunca demonstrei prestar atenção o suficiente para deixá-lo desconfortável. Ele era só um garoto de dezessete anos. Por que parecia que em algum momento, ele havia experimentado muito mais dessa vida do que apenas dezessete anos?

Bem, então, é isso ele gaguejou. Eu morava aqui, mas vou me mudar para um apartamento, e essa ficará vaga porque meus pais não sabem o que fazer...

Não.

Ah, qual é...

Não quero caridade, St. John balancei a cabeça. Agradeço a intenção, mas...

Quem falou em caridade? Você vai pagar aluguel, seu idiota ele fez uma careta. Quero te ajudar, não te assumir como filho.

Esse merdinha.

Olha, claro que conversei com meus pais e não vamos alugar por um valor irreal. Considere isso como agradecimento deles, porque eles não conseguem superar você por ter me salvado.

Por que você está fazendo isso?

A pergunta pareceu surpreendê-lo, fazendo com que ele franzisse as sobrancelhas loiras com confusão.

Sério. Eu ajudei você porque quis, não porque espero algo em troca declarei, procurando seu olhar. Nunca foi sobre isso. Estou me virando sozinho desde que cheguei, e vou continuar me virando depois.

Mas esse é o ponto respondeu ele. Você não precisa mais estar sozinho. Estou retribuindo a chance que você me deu simplesmente porque é o que eu quero fazer, assim como você quis me salvar.

Dizer que eu tinha dificuldade para acreditar em "boas ações" era eufemismo. As pessoas sempre tinham uma motivação oculta que seria revelada quando conveniente, ou queriam "ajudar" para que pudéssemos ficar em débito com elas. Sempre tinha algo mais, e depois de ficar seis meses na rua sem receber um único copo de água, era fácil evitar cair nas armadilhas dos seres humanos. Você vê o pior de si mesmo em seu pior momento, e as pessoas revelam seu pior quando você é alguém que não pode oferecer nada mais nesse momento.

Eu o salvei porque senti que era certo.

E no entanto, o que um garoto de dezessete anos rico e cheio de cicatrizes poderia querer de mim?

Apenas dê uma olhada e pense no valor. Nós podemos conversar e resolver, e então se você não quiser, vou continuar te ajudando a procurar um lugar legal para viver ele tocou meu ombro, cauteloso. Você disse que quer trazer seus irmãos, não disse? Eles não vão poder dormir em um apartamento apertado ou de hotel em hotel, não é?

Pela esperança nos olhos dourados de Leon St. John, eu me permiti esses instantes do mesmo sentimento. Encarei a porta branca de madeira enquanto ele girava a chave na fechadura, tagarelando sobre tudo e nada ao mesmo tempo, como gostava de fazer. Sobre como era bom sentar na varanda de manhã cedo, sobre como tinha um sistema de segurança em torno de todo o terreno, sobre como eu sempre poderia pedir algo a eles, sobre como...

Leon St. John abriu a porta e entrou, me esperando com grandes olhos extasiados.

Não olhei a casa por alguns segundos, percebendo algo que me irritou e emocionou profundamente, nas mesmas proporções.

A esperança que vi nessas amigáveis íris douradas refletiu em mim.

Essa era a primeira vez que eu percebia que tinha esquecido como era isso.

A esperança.

— Nostálgico, não é? — a voz de Anthony me puxou das memórias para a manhã fria de domingo. — Você é o melhor inquilino que tivemos. Meio que queria que você ficasse para sempre.

Eu ri, girando em meus calcanhares para encontrá-los parados ao pé da escadaria da varanda. Leonard havia emagrecido nos últimos meses, perdendo a parte da fisionomia redonda de seu rosto. Anthony ainda tinha seus traços de idade evidenciados demais para a real idade que tinha, e ainda me trazia uma tristeza incapaz de ser medida ao olhar para eles. Mesmo tendo decidido voltar para cá após a breve mudança para Nova Iorque no ano passado, para estar perto do que era considerada a família de St. John além deles, sabia que era porque as partes dele ainda residiam, e não tinha certeza até que ponto isso realmente fazia bem.

Tentei estar presente, mas com todas as mudanças, talvez não tenha sido tanto quanto deveria. Tanto quanto era suficiente para retribuir toda a gentileza que eles me ofereceram. Todo o carinho e suporte que mesmo sem que soubessem, fez a diferença naqueles dias solitários e amargos. Não posso sequer começar a imaginar como a saudade deve fazer ecos intermináveis naquela casa. Ouvi dizer que a porta do quarto de infância do filho deles estava trancada há um mês. Ouvi dizer que às vezes, Leonard tem crises onde precisa de medicação.

Ouvi dizer que isso era insuperável.

— Venha aqui — Anthony gesticulou com a mão, abrindo um sorriso paternal.

Eu obedeci como uma criança faria, descendo os degraus e mergulhando em seu abraço, porque nós dois precisávamos disso. Porque acolhemos alguém que amamos com tudo o que tínhamos, família, e perdemos. O luto permanente pelo qual vinhamos passando e as tentativas diárias de seguir em frente. Era um esforço contínuo, consciente e árduo. Não poder marcar para vê-lo após um longo dia, desejando beber uma cerveja e jogar conversa fora.

Não poder odiá-lo por ter arriscado a vida da minha irmã, porque o luto era mais forte.

Mas, ainda assim, odiá-lo.

E amá-lo.

— Nos mantenha por perto, rapaz — ele pediu. — Você se tornou um filho para nós ao longo dos anos. Demoramos para vir, mas temos sentido orgulho de todas as suas conquistas. Você sempre mereceu, James.

Um nó firme que jamais se tornaria menos presente em qualquer menção a ele apertou meu peito, mas apenas murmurei um "obrigado", que não era capaz de descrever o quão realmente grato eu era. Talvez, sem o filho deles, nada disso estivesse acontecendo agora. Talvez, se uma das nossas decisões naquela noite há cinco anos tivesse sido um pouco diferente, hoje em dia seríamos estranhos que se cruzaram pela rua. Rostos temporários que se tornaram amor e dor.

Meses de desaparecimento deixava apenas uma hipótese. A única que não queríamos. A única que o pai de Jessica nos alertou.

Talvez aquele dia no sofá, sorrindo e me mostrando o presente de Alyssa, tenha sido a última vez.

— Nada é tão incrível — falei — sem ele aqui.

Anthony suspirou, profundo, triste, doloroso.

— Eu sei.

Eu me afastei de Anthony apenas para ser recebido pelo ainda mais caloroso abraço de Leonard St. John, o tio por parte de pai do meu bom e velho amigo. Aquele que provou que nem todo o sangue era contaminado só porque existia uma falha no elo, e que esteve presente enquanto descobrimos que esse mesmo sangue nunca definiu o que era uma família. Ele me aconselhou mais vezes do que lembrava, sentiu empatia por mim, viu o que seu filho e eu compartilhamos.

Viu o que ele fez com a minha irmã.

Ele entendia.

Diferente de Hunter, Caden, Allie e Gwen e qualquer pessoa, ele entendia.

Ele entendia que nos amávamos, mas que isso deu errado.

As alegrias violentas e seus fins violentos.

— Não desapareçam, está bem? — pediu ele, humilde. — Para nós, você e sua irmã ainda são só crianças. Estaremos aqui para o que precisarem, como sempre foi, não é?

— O mesmo vale para vocês — desvencilhei-me do abraço para poder encarar os dois. — O que fizeram por mim por todos esses anos, nunca vou agradecer o suficiente. Só o que posso dizer é que vou começar sendo grato pela vida de vocês todos os dias.

Os olhos de Leonard ficaram marejados e Anthony passou o braço em torno seus ombros, amparando-o. Com mais dificuldade do que esperava, ergui o braço e depositei a chave na mão aberta de Leonard, que cerrou o punho com um breve suspiro entrecortado que se tornou um sorriso. Muitas memórias foram criadas e eternizadas aqui. Todos esses laços que se fortaleceram aqui, no ninho deles. Todos os amigos que ficaram para trás, todas as coisas boas na recordação porque... ninguém sabia se haveria uma outra vez.

A vida mudou. Não da maneira que sonhamos quando criança, ou como planejamos na vida adulta. Entre coisas boas e ruins, imprevisibilidades e planos, ela continuou nos levando em frente. Se você não for forte, então você ficará na margem enquanto tudo acontece ao seu redor, porque você está preso demais em tudo o que poderia ter sido. Tudo o que você não fez quando pôde, imaginando se terá uma nova chance.

Todo dia era uma chance.

E entre tragédias e belezas, nós continuávamos vivendo.

— Obrigado — Leonard começou, a voz rouca, o vento soprando seus cabelos —, por tudo que fez por nosso filho. Ele foi amado, muito amado, e este sempre será o meu consolo. E se alguém chega perto de entender esses sentimentos, esse alguém é você. Então, Ethan, honre sua história.

— Vá conquistar a sua vida, Ethan — Anthony disse, sorrindo. — Você merece.

Nós merecemos — eu respondi, porque essa era a única coisa que não devíamos abrir mão.

A morte. A perda. A tristeza e as tragédias, elas nunca irão parar. Nunca. E quando eu menos esperar, estarei perdendo outra pessoa, outra coisa. Mas para tudo que se vai, algo retorna em troca. Somos feitos de todos os pedacinhos daquilo que amamos ao longo da vida e se moldam aos nossos ossos, nos dando significado. Mostrando os motivos pelos quais lutamos tanto, que devemos lutar, não importa quão cansativo seja o caminho.

Nunca vou superar as três grandes perdas que tive na vida, até então.

Nunca vou superar aquela pequena ideia traiçoeira no fundo da minha mente, o que poderia ter sido se Malorie fosse diferente.

Se Alyssa não superar minha ligação com ela, também nunca irei superar essa perda.

Mas enquanto há vida, há esperança.

Esperança.

A primeira vez que senti, aqui.

Era um encerramento satisfatório, se alguém me perguntasse. Cheguei nesta casa sem me lembrar o que era e agora, secretamente, tento cultivá-la com um esforço louvável, motivado por tudo aquilo que amo e que me faz diferente das minhas origens.

Tudo aquilo que me faz sentir vivo me faz encontrar o caminho de volta para casa.

.

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