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By hellenptrclliw

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➛ A segunda queda: livro 02 da série "The Four Falls". Apaixonar-se não era sequer a última das coisas que Et... More

OWH. #2 Série TFF
sinopse
dedicatória
epígrafe
prólogo
01. quem está julgando?
02. caos com íris cor de avelã.
03. dever e honra.
04. até onde você é capaz...?
05. ethan.jyoung.
06. se você diz.
07. calum young é um menino sábio.
08. quem é gwen evans?
09.1. eu não sei como você consegue.
09.2
09.3
10. movidos pelo instinto de sobrevivência.
11. precisamos parar de nos encontrar assim.
12. por que se explicar tanto para si mesmo?
13. temos tudo sob controle.
14. a verdade que há e suas promessas.
15. um dia, talvez?
16. até o sol nascer.
17. nada é como se apaixonar pela primeira vez.
18. a reputação que me precede.
19. quando o amor cai em mãos erradas.
20. no meu sangue.
21.1. a garota que me encara de volta.
21.2
22.1. os parágrafos escondidos e descobertos.
22.2
23. a sentença das nossas vidas.
24. misericórdia nunca foi o seu forte.
25. a vida acontecendo através desses sentimentos.
26. as estrelas que testemunham nossa queda.
27. isso é sobre quem eu sou.
28.1. a liberdade do meu verdadeiro eu.
28.2
29. isso muda tudo.
30. e quem a protege de mim?
31. "juntos e essa coisa toda".
32. capítulos em branco.
33. é sempre assim?
34. como viemos parar aqui?
35. o narrador que conta a história.
36. neste momento, ele é o mundo inteiro.
37. aquela filha daquela família.
38. me diga que não é tarde demais.
39. me perdoe, eu me apaixonei.
40. boa fé da mulher que me amou primeiro.
41.1. é como deveria ser.
41.2
42. o monstro debaixo das nossas camas.
43. genuína.
44. o sangue puro e o sangue ruim.
45. julgamento
46. com um coração cheio.
47. rainbow
48.1. as constantes.
48.2
extra: pressentimentos.
49. você vem para o café da manhã?
50. a traição.
51. negação.
53. é o único jeito, querida.
54. honra e morte.
55. se apaixonar.
56. este é o meu dever.
57. memórias: nós as construímos e elas nos constroem.
58. sem mais sentir muito.
59. era você que sempre estava lá.
60. o caminho de volta para casa.
epílogo.
nota final.

52. não esquecer o quanto você o ama.

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By hellenptrclliw

E eu te disse para ser paciente
E eu te disse para ficar bem
E eu te disse para ser equilibrado
E eu te disse para ser gentil
Agora que todo o seu amor está desperdiçado
Então quem diabos eu fui?
Agora estou quebrando as pontes
E o fim de todas as suas linhas

Quem te amará?
Quem lutará?
Quem ficará para trás?

Vamos, amor frágil

SKINNY LOVE | Birdy




NATAL

O ABRAÇO DE HUNTER E CADEN me aqueceu brevemente, mas desviei o olhar assim que eles se afastaram sob o falso pretexto de cuidar as fatias de bacon na frigideira. Ainda senti olhares curiosos em minha nuca, mas me forcei a não olhar. Eles também estavam sofrendo, portanto eu não entendia muito bem o interesse na minha dor. O mês que estava terminando passou para eles também, e sabíamos tanto quanto no primeiro dia, e a sensação de entorpecimento era inevitável e desgastante. A culpa por querer acreditar em algo que não conseguíamos visualizar porque não tinhamos algo para nos basear, e a incerteza que tomava conta a cada dia que passava.

St. John estava desaparecido há quase um mês agora. Não foi encontrado nenhum sinal de vida ou morte, apenas pequenos rastros como ratos deixando migalhas; como se tudo tivesse sido pensado desde o primeiro momento. Eles não precisavam definir um plano de vida. Apenas o plano certo para não serem encontrados até que a busca fosse perdendo sua chama.

As pessoas começaram a perder o interesse. Ninguém estava julgando, teorizando ou acusando. As pessoas nos parando no campus para perguntar se sabíamos de algo foram diminuindo a cada dia, e os sussurros se desvaneceram no espaço.

Flores começaram a aparecer no seu ármario no vestiário dos jogadores.

Os pais de Leon não recebiam mais tantas visitas indesejadas e estavam aprendendo a dar alguns sorrisos rara vez e outra quando nos cruzávamos. Leonard estava magro e Tony tinha severas marcas de expressão, evidenciando o tumulto interno que eles tentavam com assiduidade esconder de suas portas para fora. Mesmo estando em cima da polícia todos os dias, o retorno que esperávamos... não existia.

Ele se foi.

Eu conseguia encarar essas três palavras agora.

Minha irmã tinha algo para ocupar sua cabeça além da faculdade e dos pesadelos: ela voltou a trabalhar com Kiara, tia de Gwen e proprietária da Galeria central da cidade; que era apenas uma das propriedades destinadas ao mundo da arte que possuía. Ela estava sendo paga desta vez, e a mulher percebeu o quão tola foi por confiar na opinião de um terceiro sobre Alyssa - embora esse "terceiro" fosse, aos seus olhos, da família. E do ponto de vista de Kiara, por que alguém próximo tentaria derrubar a família?

É.

Mas Alyssa estava, em parte, bem. Eu dei a ela um novo conjunto de pinceis e telas que parcelei no meu novo cartão de crédito, agora que eu teria uma renda estável por pelo menos seis meses. Ela me deu um dos melhores sorrisos que já vi e me abraçou, mas isso a fez chorar, porque ela queria contar a St. John como estava reencontrando suas partes artísticas novamente.

O apartamento dele foi desocupado há dois dias e seus pertences voltaram para a mansão de Leonard e Tony. Eu não ousei ir até lá, porque não importava como eu era bom em reprimir minhas emoções: nada me preparia para isso. Caden e Hunter iam até lá, às vezes. Mas considerando que levava apenas vinte minutos para que atravessassem o jardim e batessem à nossa porta, eu presumia que eles também não ousavam.

Ele estava aqui em um dia, rindo e contando péssimas piadas. E no outro, minha irmã estava hospitalizada e ele tinha sumido. Como se um mágico tivesse estalado seus dedos e puff. Se foi. Nunca existiu. Era uma das melhores ilusões de sua carreira.

Talvez fosse um castigo.

Eu subestimei a capacidade da vida de me quebrar mais do que quando tirou meus pais desse mundo.

Simbolicamente, ela veio e tirou a primeira pessoa que me ajudou a colocar os pedaços de volta.

Gwen tocou meu antebraço, apertando suavemente para chamar a minha atenção de volta para o presente. Eu virei a cabeça a tempo de pegar aqueles olhos esverdeados, preocupados e compreensivos, perscrutando meu rosto para definir o quão bem eu estava hoje. Como de se esperar da vida, um dia sempre seria mais difícil que outro, especialmente quando você estivesse tentando superar - seguir em frente - algo. Uma perda, a morte, uma decepção. Uma traição, a agonia, o desespero velado e tímido que ficava sussurrando baixo atrás da minha orelha.

Você já sabe o que é luto, ele dizia. Você já sabe o que lhes espera, dizia.

Vai doer pra caralho. Mas melhora.

Eu acho.

— São pedaços de carvão em fatias, aparentemente — Caden cantarolou, soltando um suspiro dramático.

Gwen sorriu para mim, virando apenas um pouco de seu rosto para observar meu amigo, que jogava Candy Crush em seu celular a julgar pelos sons familiares ecoando pela cozinha parcialmente silenciosa. O clima não era mais o mesmo tinha um mês, obviamente. Poucas piadas vinham de Caden. Poucos sorrisos de Hunter. Poucas palavras de ódio de Alyssa. Mas o que não mudou era que continuávamos nos reunindo, talvez, com mais determinação do que nunca. Porque precisávamos um do outro para continuar acreditando - entendendo - que isso tudo era real. O laço entre nós e a quebra dele; o elo que não será mais reparado.

Nunca mais, eu me pergunto?

— Você está livre para fazer seu próprio café da manhã se o dele te incomoda — Gwen respondeu, a voz doce e afável.

Eu mordi um sorriso, virando os pedaços de bacon da frigideira em um prato. A espátula na mão de Gwen era um adorno, porque além de ser um desastre na cozinha, pedi a ela que realizasse a tarefa de preparar os ovos enquanto eu faria mais café, mas entre tagarelar e agir, ela se perdeu em suas palavras. O que era bom, no entanto. O brilho dela era o que estava me mantendo na direção certa ultimamente.

Olhei na direção de Caden por cima do ombro, encontrando seu semblante estupefato com a ousadia de Gwen; considerando que ela cortaria o próprio dedo antes de ser grosseira com alguém de quem gostava. Exceto que a balança ficava desnivelada quando eu era a pessoa que ela amava, e eu meio que gostava de quando ela me defendia, mesmo que fosse apenas uma brincadeira.

— Nossa, pelo visto alguém não transou na noite passada — ele bufou. — Quanta grosseria de graça a essa hora da manhã — ele olhou para o relógio, franzindo a testa profusamente. — Hm. Vou dar uma fumada ali fora e já volto.

Ele saiu ao mesmo tempo em que Hunter entrou na cozinha de braços dados com Allie. Minha irmã ainda deu a Caden um olhar curioso antes de se dirigir a banqueta que ele ocupava, mostrando-me um sorriso agradável de bom dia. Havia sombras sob seus olhos e eu odiava, porque sabia que não importava o quão determinada ela estivesse em seguir sua vida; a dor era uma velha amiga, acompanhando-nos com uma mão triste e solitária em nosso ombro, sorrindo para nós quando ninguém estava por perto.

— Ei, princesa — Hunter deu a volta na ilha, inclinando-se para beijar a bochecha de Gwen que ainda não havia visto.

— Hunter me ajudou a colocar os olhos do boneco de neve do Callie novamente — Allie disse, arregalando seus olhos coloridos. — Ele ia dar um chilique se acordasse e visse que estava quebrado novamente.

Gwen riu, dando a volta para pegar as xícaras e espalhá-las sobre a bancada. Ela tinha métodos de organizar tudo que eu não achava necessário, como usar o jogo completo incluindo o pires com a xícara — coisa que estiveram no balcão acumulando poeira por cinco anos —, e entre outros detalhes que vinham de sua criação, e ao mesmo tempo, ela nunca reclamou porque eu não seguia suas etiquetas.

Ela tinha uma desenvoltura, capaz de suavizar a realidade para todos nós com suas palavras gentis e língua tagarela; um brilho que nenhum de nós poderia explicar, eu acho. Não sabia o que teria feito sem Gwen Evans ao meu lado no último mês. Talvez, entre as madrugadas acordado absorto com pesquisas que não me levaram a lugar algum, como se eu fosse capaz de encontrar algo que a própria polícia não encontrou — não que eu achasse que eles queriam encontrar algo.

Entre os pesadelos, as crises, minhas lágrimas constrangedoras que foram derramadas. Ela não hesitou. É real, tudo isso. A dor, o amor, a tristeza.

Eles não poderiam ser compartimentados ou escolhidos; apenas encontravam uma maneira de entrar e permaneciam ali, moldando o que seríamos.

Seguir em frente não era mais como uma escolha, totalmente. Em certo ponto da vida, nos tornamos condicionados a fazer isso.

Arrumando a "mesa" do café da manhã, contive um sorriso ao ver Gwen alcançar uma xícara de café para minha irmã.

— Como está o trabalho? — Gwen questionou à Allie, dando a volta para ocupar o espaço ao meu lado. — Minha tia está fazendo um mistério sobre um novo projeto ou algo assim, e ela não quer contar. Nem pro meu pai.

Allie encolheu os ombros. — Não sei de nada. Ainda estou esperando que ela me demita do nada porque alguém disse que eu chutei um cachorro na rua e roubei o pirulito de uma criança.

Gwen se encolheu, o sorriso animado diminuindo uma polegada. Eu dei um olhar incisivo para Alyssa, que ergueu as sobrancelhas depreciativamente ao perceber sua atitude. Hunter sacudiu a cabeça, como se soubesse que Alyssa não tinha conserto.

— Quero dizer, estou gostando, é claro — gaguejou, as bochechas coradas. — É o que eu quero fazer...

Gwen balançou a cabeça, mas não perguntou mais nada. Eu não gostava muito do instinto defensivo de Alyssa que muitas vezes acabava levando o melhor dela, mas preferia isso à sua versão de dias atrás, semelhante a um fantasma. Pálida, sem rumo e com olhos vermelhos de tanto chorar. A busca e a espera e aquela decepção que me partia o coração, quando íamos para a cama e nada de diferente havia acontecido.

Até mesmo me sentia mal quando tinha demonstrações públicas de afeto com Gwen ao seu redor, ou quando elas se davam boa noite para que Gwen viesse dormir na minha cama. Eu sabia que isso a fazia pensar no que ela não estava podendo mais ter. Que foi tirado dela.

Alguém por quem ela sangrou, mas não foi suficiente.

O latido do cão de Caden me chamou de volta, levando-me a pensar se era tão ruim assim deixá-lo ficar aqui dentro. Calum provavelmente daria um jeito de levá-lo para sua cama, então...

Gwen encontrou meu olhar timidamente, e eu meio que entendi. Eu também queria alguns momentos a sós com ela... eu amava estar com a família, é claro, mas sentia falta da minha mulher. Entre a dor e a agonia, não estava sobrando muito espaço para respirar.

Isso precisava mudar. Eu...

— Malorie-fodida-Young está na porta de vocês — foi o que Caden anunciou ao voltar para a cozinha.

Alyssa se engasgou com o café, tossindo e espirrando algumas gotículas escuras na manga do casaco de Hunter, murmurando um rápido pedido de desculpas. Eu respirei fundo, em silêncio, absorvendo o choque inicial de suas palavras. Malorie? Minha pulsação começou a ficar acelerada, uma camada fina de suor gelando minhas costas. O que ela queria? Tinha mais de um mês desde que nos falamos pela última vez e eu admiti, pela minha liberdade, que nossa ligação biólogica nunca significaria algo. Ela me entregou a carta, e eu enfrentei.

Eu estou bem.

Eu perdi meu melhor amigo. Malorie Young... por que eu sofreria por ela?

Seria o mesmo que sofrer por Leon, mas Leon era uma parte de mim. Honrosa e leal, apesar do que fez com a minha irmã.

Malorie Young... ela não era nada.

Ela não é nada, eu disse a mim mesmo, cerrando o punho enquanto a turbulência em meu interior ameaçou diminuir. Ela não é nada. O que importava estava aqui dentro desta casa, com exceção do meu irmão de coração, e ele era o único que merecia que eu sofresse. Ela não é nada, ela não é nada, ela não é nada porque foi ela quem tomou essa decisão.

— Vou chutar a bunda dela para fora — Gwen anunciou, largando a espátula e pisando firme com uma paixão odiosa. Antes que pudesse dar outro passo, no entanto, eu enlacei sua cintura magra com meu braço, puxando-a contra meu peito. — Me solta — resmungou. —Por que diabos ela está aqui? Vocês já têm o suficiente nas costas. Eu vou dar um jeito nisso.

Notei Caden inchando o peito, motivado pela bravata da minha pequena namorada.

— Sabe o quê? Você está certa — ele deu um aceno conciso. — Vou soltar o Buddy nela.

Desde que todos estavam chocados com a falta de criatividade de Caden por ter um cachorro chamado Cão, muito original, há alguns dias ele havia alterado a certidão de nascimento de seu filho para James Buddy. Eu sei. Como James Bond? Sim. Idiota como ele, aparentemente. Eu duvidava que aquele labrador fosse capaz de morder uma mosca no ar, mas ainda assim, me senti grato pela tentativa.

Não posso dizer que me ressentiria de vê-lo correndo Malorie rua afora.

Finalmente, corri meu olhar pela cozinha até encontrar Alyssa, congelada em seu lugar com os olhos fixos na bancada. Não estive pensando em Malorie Young nos últimos dias nem de longe. Eu decidi que iria removê-la da minha vida e apesar de ser um trabalho difícil, eu estava me dedicando. Disse a mim mesmo que deixaria claro para Allie de qual lado eu estava e então ela não precisaria questionar quando a derradeira hora de contar a verdade chegasse.

Meu sangue congelou. Será que era isso que Malorie veio fazer?

— Allie — chamei, aliviado por notar a firmeza em minha voz.

Minha irmã ergueu a cabeça prontamente, orbes arregalados de surpresa, alívio, descrença e outras coisas mais profundas que eu não saberia identificar. A decisão era dela, porque apesar de não saber, eu já havia feito a minha, tornando claro para Malorie que a única mãe que tive nessa vida estava descansando em paz agora. Ela não existia. Ela nunca existiu. Depois de alguns segundos de silêncio, afrouxei meu braço ao redor da cintura de Gwen e ela pousou as mãos em meu antebraço em uma carícia suave.

Alyssa espalmou o balcão, em pé, e me ofereceu um olhar decidido. Essa era a minha garota.

Eu a segui, como deveria, sem precisar dizer uma única palavra, e a familirialidade disso encheu meu peito com uma sensação nova, bem vinda e agradável — um tipo de conexão, remetendo a que criamos por tantos anos e perdemos nos últimos.

Não tinha medo — não mais.

Minha família estava aqui.

Portanto, quando abri a porta a figura familiar de Malorie Young se revelou, eu me preparei para o baque de vê-la... Até que percebi que só havia um grande, repleto e marcante nada. Nada. Não havia nada que ela pudesse torcer aqui, com exceção da verdade, mas tinha a desconfiança de que ela não a levaria levianamente. Afinal, era a última maneira de me controlar.

— Pensei que tivesse sido claro — disse, a voz neutra. — Quando disse que não queria você aqui. Eu não estava blefando.

Pelo canto do olho, vi a maneira com que os ombros de Allie se endireitaram e suas narinas dilataram com um riso abafado e discreto de aprovação.

— O que você quer? — minha irmã questionou.

Malorie franziu as sobrancelhas, imediatamente desaprovando o tom e atitude da minha irmã. Talvez ela esperasse encontrar a garota que manipulou por todos esses anos. A mesma que convenceu a voltar ao "lar" para seu aniversário, para nos torturar. Para nos quebrar e afastar para que, enfim, procurar seu consolo fosse nossa única opção. Malorie nunca seria capaz de entender o que era um amor saudável.

Então, para meu choque, ela disse a coisa mais ridícula de todas:

— É Natal.

— Obrigada —, Allie sorriu — mas a gente tem calendário aqui em casa.

É Natal, ela disse. E meu irmão não estava aqui fazendo uma lista de quinze páginas sobre as festividades.

— E Calum? — Malorie teve a audácia de perguntar. — Ele está bem?

Uma brasa de ódio ameaçou acender no centro do meu peito.

— Perfeito. Graças a Allie, no entanto — não pude conter a rispidez em minha voz. — Você sabe que deveríamos te denunciar, não sabe?

Porque minha irmã em cinco anos nunca esqueceu de cuidar dele. Coincidentemente, no dia em que ela estava aqui, Calum não tinha bombinhas. Mas que loucura, certo?

Alyssa desviou o olhar, desinteressada, esperando por outra coisa que merecia mais de sua atenção. Esperando por Leon St. John. Esperando. Esperando.

Malorie fixou seu olhar castanho em meu rosto, palavras silenciosas sobre o segredo que nos ligava. Você contou?, ela queria saber. Você leu?, ela queria saber. Eu queria zombar dela nesse mesmo instante. Zombar porque, mesmo segundo ela, ninguém nos conhecia melhor do que nossa própria mãe e diante disso, como ela poderia achar que eu seria tão fraco? Que desistiria tão facilmente sem lutar, sem tentar?

Eu quis, isso era verdade, mas não cedi ao desejo.

Sou mais forte agora. Mais sábio e experiente e, portanto, minha família nunca mais me verá partir.

— Eu soube o que aconteceu com aquele rapaz... seu amigo...

Alyssa congelou, a fúria enchendo seu rosto como uma pintura viva retratada diante dos meus olhos quando ela fitou Malorie, incrédula, como se não pudesse acreditar que ela teria a coragem de mencioná-lo. Como se fosse um pecado mencioná-lo. Assim como sempre tentei manter Gwen isolada de Malorie e o que ela representava, percebi agora que St. John nunca teve contato direto com ela também. Nós protegemos o que amamos, afinal. Isso nunca mudaria.

E então, não pudemos salvá-lo mesmo assim.

— Não fale sobre ele — Allie cuspiu —, nem sequer diga o nome dele.

Ela tremia, com tanto ódio, tanto ódio.

— Vai embora. Só vai embora, por favor, vai embora...

Curvei os dedos ao redor do cotovelo de Allie, endireitando-me para expulsar Malorie novamente e proteger minha irmã que, querendo ou não, ainda era afetada pela existência de Malorie. E como não, depois do que sofreu?

— Você ouviu ela, Malorie. Fora daqui.

— Espera — Malorie respirou, brusca, antes que pudéssemos entrar. — Eu vim... devolver o dinheiro... todo o dinheiro que é de vocês.

A saliva desceu grossa, por minha garganta e eu me engasguei, o choque agindo primeiro do que pude processar o que suas palavras significavam. Dei um prazo para sua estadia nas costas da casa dos nossos pais, mas não imaginei que ela faria... Ah, claro. Talvez há alguns meses eu cederia pela atitude nobre e sensata, no entanto, agora eu sabia melhor. Sabia mais. Sabia que era apenas mais um desvio inesperado que ela precisou pegar, uma nova medida para nos conter, algo para nos seduzir com alguma ideia ilusória...

E no fundo, era triste, porque a criança que ela deixou em uma casa empoeirada gostaria que fosse de verdade.

— Ótimo —Alyssa elogiou. — Então transfere para a conta do Ethan e está resolvido.

Malorie pigarreou, balançando-se nos calcanhares.

— Na verdade eu transferi para sua conta, Alyssa.

Estreitei meus olhos, contendo a vontade de sacudir a cabeça em uma negativa, perplexo com sua capacidade de atuar em diversos personagens. Revelar suas intenções perversas, sua falta de amor, o que ela fez comigo, e mesmo assim ter a audácia de vir até nossa porta com o propósito de uma redenção que só existia em sua cabeça. Mas sua revelação foi o suficiente para pegar Allie de surpresa, e eu não gostei, porque não queria que ela tivesse ideias que nunca existirão.

— Não fez mais do que a sua obrigação — cortei, severo. — Depois de tudo o que você fez com ela...

— Vou depositar tudo na poupança do Calum — Allie interrompeu. — Não preciso mais desse dinheiro, Malorie. Se de algum modo você pensou que isso redimiria você, pode ir indo.

Malorie sacudiu a cabeça, o desprezo enfim nascendo nos traços de seu rosto.

— Você não muda mesmo, não é? — questionou ela à minha irmã.

— Te incomoda?

— Sempre fez.

— Problema seu — Alyssa respondeu, blasé.

Sufoquei uma risada, mas que morreu depressa quando Malorie se virou para mim com um olhar maníaco — ou o olhar de "carinho" que ela conseguia expressar.

— Ethan, você sabe que ainda vou estar aqui para o que você precisar, não sabe?

Jesus, que porra era essa.

Isso era uma loucura — tudo isso. Ser filho biólogico de Malorie, ter tido a verdade escondida por toda uma vida. Saber que meus pais não eram quem eu pensava que, de fato, eram, somente após a morte. Recomeçar a vida, deixar meus irmãos para trás, ter tentado redimir Malorie Young apesar de tudo, acreditando que meus irmãos ficariam bem. Encontrar uma nova família para preencher o vazio da existência; pessoas em quem confiar. E a perda. Novamente.

O passado era parte da minha história. Mas a partir de agora, ele tinha que começar a ser apenas isso. O passado. E o que não foi e jamais será.

Então, eu ri. Foi um som feio, incrédulo.

Que se fosse pela decisão que ela tomou vinte e quatro anos atrás, eu nem deveria estar aqui hoje. E então, duas décadas mais tarde, ela queria ser o meu suporte.

— Você 'tá usando droga?

Alyssa riu, mas se ela soubesse da metade, esganaria Malorie com suas próprias mãos.

— Só cai fora — eu repeti, olhando nos olhos da minha mãe biológica ao reafirmar palavras já proferidas. — Simplesmente não dá pra acreditar em você.

Ela inspirou, disposta a lutar. — Eu sei que vocês estão passando por um momento delicado por causa...

— Vai embora — Alyssa vociferou. — Vai embora da minha casa, Malorie. Deixa a gente em paz.

Malorie ainda teve a capacidade — coragem — de procurar em meu rosto algo que dissesse que eu sairia a favor dela. Me arrependeria amargamente de cada atitude que tive e não tive que, em algum momento, levaram Alyssa acreditar que eu era indiferente ao que Malorie fazia. Talvez eu fosse, até certo ponto. Entretanto, ninguém poderia me julgar por ter desejado que ela fosse diferente da mulher que me abandonou.

Era isso que St. John pensava, talvez? Que Joseph poderia fazer algo diferente?

Tchaaaaau! — a voz exageradamente dócil de Caden atraiu minha atenção. — Vai pela sombra, queridinha!

De soslaio, identifiquei a mão de Hunter e Gwen enfiadas na janela, acenando em despedida para Malorie Young; essa que parecia extremamente ofendida e envergonhada neste momento. Parada diante de nós, significando nada.

— Tudo bem — expirou, recuando. — Eu vou. Sinto muito.

Eu a observei partir, meu olhar fixo em suas costas enquanto imaginava o cenário para o qual ela voltaria. Uma casa vazia que não lhe pertencia e da qual ela seria, querendo ou não, despejada em breve. Ninguém em quem confiar, ninguém para lhe oferecer um meio sorriso amigo. Ninguém para aquecê-la a noite, ninguém com quem fazer planos, ninguém para lhe oferecer suporte. Ninguém para ressaltar o quão boa ela era, como ela precisava continuar construindo coisas boas.

Ninguém estava esperando por ela.

Isso era... profundamente triste.

Foi por isso que estendi o braço e peguei a mão de Alyssa e, sem desviar o olhar de onde Malorie desaparecia, pressionei um beijo nas costas de sua mão. Porque isso era tudo. Isso aqui — nós dois, as pessoas lá dentro —, isso aqui era a vida. Tudo o que a fazia atraente, mesmo quando eventualmente demonstrasse que todo extremo tem seu outro lado. Que todo o amor que sentimos era poderoso o suficiente para arrancar um pedaço, aos poucos, dos nossos corações. As mesmas coisas que nos faziam nos sentir vivos tinham o poder de nos matar.

Mas isso não me assustava. Não mais, eu acho. Enquanto havia vida, então havia uma chance. Certo?

— Eu ainda não consigo entender — Allie murmurou. — Não consigo entender o que aconteceu. O que está acontecendo.

Dei a ela um aceno conciso, porque não tinha muitas palavras a dizer. Nunca tinha, mas desta vez em especial, eu me sentia ignorante como jamais me senti na vida.

— Ele era bom demais em se concentrar no lado bom da vida, tão bom que o filho da mãe sempre acabava arrastando a gente pra isso.

— Sim, ele é.

Algo se encolheu no meu interior pela maneira com que ela falava no presente.

Então, eu tive que perguntar.

— Você acredita?

Que ele pode estar morto agora, porque não podia ser só eu que tinha a percepção de que a morte era tudo o que esperava por ele depois da escolha que fez. Que a vida estava aqui, e ele era uma parte vital.

— Vai fazer um mês — acrescentei, querendo que ela entendesse. — Fica cada vez mais difícil de tentar entender. De tentar manter a esperança.

Alyssa ficou quieta com seus próprios pensamentos, e eu respeitei isso. Os dois tinham uma breve história, mas tão intenso quanto o que Gwen e eu tínhamos. Ele esteve orbitando ao redor dela desde seus dezoito anos e ela ainda nem sabia disso. A memória de um St. John me prometendo que um dia contaria, me implorando para que eu não o obrigasse a ficar longe dela queimou um novo e doloroso lugar em meu peito, porque era nítido o que ele sentia por minha irmã. Então...

As roupas de inverno escondiam a cicatriz. As lágrimas eram reservadas e a dor, isolada. Dividida, mas não completamente.

Quando baixei o olhar novamente, não deixei de notar o suave brilho da corrente dourada em torno de seu pescoço; apenas um vislumbre. Um sorriso entristecido ameaçou curvar minha boca. Não era ontem que ele estava me mostrando isso?

— Ele estava tão feliz — continuei. — Com você. Esse colar? — sacudi a cabeça, divertido. — Ele me mostrou antes de mostrar para você porque estava ansioso demais.

Ela me observou. — E o que você disse?

— Que você poderia dar uma surtada, mas provavelmente aceitaria.

Alyssa riu, e o som aqueceu algo em meu peito. No entanto, tão inesperadamente quanto surgiu, se foi, deixando um soluço em seu rastro que provocou ansiosamente as lágrimas que fizeram as íris coloridas nadarem em... arrependimento e mágoa.

— Eu não tive tempo — ela pigarreou. — Não tive tempo de dizer que amava ele. Por que ele fez isso, Ethan?

Desviei o olhar, incapaz de lidar com isso agora. Estávamos presos nesse ciclo de proximidade, deixando as ideias sombrias e suposições trágicas para as madrugadas solitárias, sem querer encarar o que esse acontecimento faria conosco a longo prazo. Entre a culpa de não termos percebido que ele estava com problemas, o arrependimento por tudo que poderíamos ter feito, mais, e que talvez não pudéssemos fazer. Era familiar, ambos os sentimentos. A provocação traiçoeira da culpa, torcendo nossos órgãos com o arrependimento do "e se" e o "porquê".

Alyssa suspirou, e apesar de não ter o conhecimento completo do que ela viveu com Leon, eu entendia. Quer dizer, se de alguma maneira Gwen tivesse sido tirada de mim sem ter o conhecimento admitido e real do que significava para mim, também não me recuperaria.

Nunca me recuperei de perder meus pais sem que eles soubessem o quão grato eu era por ter tido uma chance de vida, farta e feliz, pelo tempo em que viveram nessa terra.

Limpei uma lágrima irritante que deslizou pela lateral do meu rosto. Chega de chorar. Estava cansado disso.

— Eu só... — Allie suspirou. — Não consigo entender. Em um minuto ele estava lá e parecia completamente normal.

— O que você acha? — questionei.

Alyssa contou como tinha sido seu último dia ao lado do homem desaparecido. Como eles se divertiram, se amaram, dançaram e dormiram. E como ela acordou de madrugada, incapaz de formar um punho com a própria mão, drogada, minutos antes de descer e descobrir que Joseph Reed estava no apartamento fazendo companhia para os dois. Minutos antes de ser ferida, pega na linha de tiro inocentemente. Deixada para trás, ajudada por vizinhos. E não pelo homem que a tirou da segurança de casa, em primeiro lugar.

Como ele disse a ele, convicto, que não iria voltar.

Em cinco anos, ele nunca foi de dizer coisas que, de fato, não queria dizer.

Alyssa gesticulou para que voltássemos para dentro e eu a segui, sentindo-me fisica e mentalmente exausto. Os três ergueram a cabeça ao notar a movimentação, procurando por algo que acusasse a perturbação de Malorie, mas ela era tão significante quanto qualquer um que batesse a porta, a menos que fosse Leon.

— A polícia diz — Alyssa começou — que ele foi embora porque voltar a manter uma relação com o pai sempre foi inevitável, mas agora, estão dizendo que não tem certeza se Joseph Reed não fez ameaças que o obrigasse a voltar para essa vida com ele. Eu sei que St. John estava dando dinheiro para o pai dele. E se para isso eles estivessem se encontrando com frequência? Tem acontecido há muito tempo. Desde aquela noite.

Caden balançou a cabeça, ponderando. — Ele sumia algumas vezes. Principalmente depois da lesão no joelho onde foi afastado dos treinos. Às vezes, no Red, rostos estranhos apareciam por lá. A maioria falava com Ryan. Eu pensei que era... vocês sabem.

Ryan era um ser humano que me causava extremo desgosto. Primeiro, ele era um babaca completo e, segundo, lidava com o negócio ilícito atrás das portas fechadas do Red Nightmare, com quem dividia sociedade com os rapazes. Os fornecedos eram terceiros, mas era óbvio que Joseph teve uma grande participação nisso mesmo que nunca tenha mostrado seu rosto. E St. John colocou a mão na frente dos olhos e seguiu sua vida, como se Joseph não estivesse se espalhando em cada canto de sua vida como uma doença.

No Red com as drogas. Na faculdade, nos jogos — o futuro dele. Com a nova namorada, que não era protegida por ser filha de um policial. Comigo, há anos atrás. Pelas ruas, subornos. A falsa veemência que Leon tinha ao dizer que estava tudo sob controle, eu quis acreditar, porque anos era tempo suficiente para conhecer essa história pelo menos um pouquinho. Para saber que se as coisas ficassem difíceis, ele confiaria em mim. Em nós. Em alguma coisa.

Foi diferente desta vez.

— Nosso erro — eu disse —, e eu nunca pensei que diria isso, mas nosso erro foi confiar nele.

Gwen baixou o olhar, a tristeza nublando os traços suaves de seu rosto.

— Como eu disse no meu depoimento — Allie alcançou sua xícara de café —, alguma coisa aconteceu, e foi naquela noite onde Joseph apareceu no Red Nightmare. Talvez eu esteja louca, mas acho que o perdemos naquela noite.

Na noite em que Hunt me ligou. Na noite em que fui até lá, apaziguar mais um de seus episódios sombrios e aquela mala de dinheiro estava lá e... Joseph estava chegando. Ele me prometeu que não estava usando drogas novamente, mas eu... fiz a pergunta errada. Na verdade, não, fiz a certa. Eu errei em aceitar a resposta.

— Depois que eu te deixei em casa e voltei, ele já tinha ido — Caden explicou, debruçando-se na bancada ao lado de G. — Falei com Ryan, mas ele disse que não tinha visto nada demais. Tentei um montão de vezes falar com ele, mas só tive resposta um dia depois.

Hunter e eu trocamos um olhar, mas como nenhum teve a coragem de dizer uma palavra, ele foi o primeiro a quebrar a interação.

— E ele sempre sumia, vez ou outra — Hunter acrescentou. — Era como um pacto. Ele tinha um dia para se resolver. Independente do que ele quisesse, um de nós iria até ele depois.

— Dessa vez, ele garantiu que não tivesse o que ser encontrado no próximo dia — Gwen divagou, expondo um fato que era doloroso demais de ser assimilado.

— Ele me deu um gelo depois disso — Alyssa disse, amarga. — Tive que gritar que nem uma doida e ir atrás dele para tirar a bobagem da cabeça dele, mas ele nunca me contou o que aconteceu naquela noite. E olha que tentei.

Fiquei quieto, armanezando as informações cuidadosamente.

— Hunter o viu do lado de fora da boate uma noite, conversando com um cara que nunca vimos — Caden declarou. — Ele estava dando dinheiro a ele, mas quando Hunter o colocou contra a parede, ele não disse nada com nada.

— Ele me pediu para que eu confiasse nele — Hunter comentou, a ironia presente em sua voz. — Como sempre fizemos. Ele me prometeu que tudo estava bem. Filho da puta mentiroso...

Então, voltei à conversa. — Eu sabia que algo estava errado. Há dias tentava falar com ele. Cheguei a segui-lo um dia depois da aula, mas não vi nada. Mesmo assim, eu só... só sabia. Mas como você, confiei nele.

E ele nos traiu. Todos nós. Cinco anos de amizade que, no fim, não serviram para nada. Afinal, se isso — a cumplicidade de anos — não foi o suficiente para que ele ao menos tentasse reverter o que quer que estivesse acontecendo, confiar que poderíamos ajudá-lo ou ao menos protegê-lo, independente do quão arriscado fosse, então foi o quê? Aproveitando o tempo que restava? Tudo isso, sabendo o que lhe esperava? Conquistar minha irmã foi sua última tentativa de viver a vida como uma pessoa normal?

Se isso estava acontecendo há tanto tempo, por que ele fez todas as escolhas adversas? Por que continuou nos enganando se sabia o final dessa história? Ele escolheu a mentira e seguiu com ela até o último dia. Ele usou toda a confiança que tínhamos contra nós mesmos.

Eu o amava, era verdade, mas não sabia se era bom o suficiente para entender o que ele fez, seja qual for a motivação. Por nós? Por nossa segurança? Não era escolha dele sacrificar sua vida pela nossa, não quando ele sequer havia tentado procurar outro caminho.

Leon Reed St. John desapareceu. Isso era tudo o que sabíamos e, de certa forma, tudo que importava.

— Foi tudo uma despedida — Allie soprou, consternada com o fato. — Os últimos dias. Foram despedidas. Todas as noites nos reunindo, todas as noites me convidando para passar a noite, sempre ao nosso redor.

Rangi a mandíbula, ainda odiando encarar esse fato. Nós percebemos isso ontem à noite, Gwen e eu, mas tinha certeza que no fundo, quando a notícia veio à tona e a poeira baixou, essa foi a primeira coisa em que todos pensaram. Em como estavamos juntos todos os dias, horas atrás, e de repente ele...

Ele o quê?

Desapareceu?

Fugiu?

Morreu?

Olhei para minha irmã, que aparentemente estava lidando com sua própria negação tardiamente.

— Aquela ligação de quando vocês estavam indo para Paris — ela proferiu. — Ele disse que amava vocês e, quando desligaram, ele só ficou parado encarando o celular de um jeito tão estranho...

— Foi a última vez que falei com ele — Caden murmurou.

— Foi a última vez que estivemos todos juntos — foi o que Hunter concluiu por último, deixando essa verdade cair sobre nossos ombros.

Fui o primeiro a me afastar e sair para a frente, parando diante das escadas da varanda e enfiando os dedos entre os fios do meu cabelo, pressionando a dor em minhas têmporas. O ar frio arranhou a ponta das minhas orelhas e bochechas, arrepiando meu corpo com calafrios intensos. Eu quase me esqueci de como era frio nessa época. Quase me esqueci, muito envolvido com os almoços na casa dos St. John's na beira da lareira. As bebidas à noite com o filho deles.

Todas essas coleções de memórias que me fizeram ser quem eu era hoje, todas elas... sempre manchadas pelo preço de viver. Todas as pessoas que amávamos, tudo o que construíamos por um bem maior. Tudo que de repente era tomado de nós e nos obrigava a refazer tudo novamente; novos planos, novas pessoas, novos amores. Novas dores para viver.

E mesmo assim, mesmo parecendo impossível sair do lugar e ir em frente, a vida também não oferecia nenhuma outra opção. Você só podia viver, perdendo suas partes e encontrando novas — mas nunca esquecendo do que foram um dia. De como foram parar ali.

Eu tinha um novo propósito agora, uma chance real de fazer algo com a minha vida e que incluiria as únicas pessoas que sempre quis, exceto...

Por que, irmão?

Por que?

— Você sabe o que foi isso — a voz de Hunter me parou, sombria. — Você sabe. Por que, se a situação fosse toda inversa, você faria o mesmo.

Engoli em seco, dispensando a verdade que eu não queria encarar. Não agora e provavelmente nem amanhã, nunca.

— Irônico, né? — sua voz derramou uma diversão que não existia. — Que ele morreu pelo que o fazia se sentir vivo.

Rangi os dentes. — Ele não está morto.

— Eu acho — ele continuou, parando ao meu lado — que de alguma forma, você saberia. Pelo vínculo que vocês tinham, você saberia. E é pior, não é?

Que ele está por aí, ele quer dizer. Sozinho, em qualquer lugar, passando por qualquer coisa, com qualquer pessoa, sofrendo tantas e poucas coisas. Que ele está pensando nos dias de verão e inverno com a família, e que talvez alguma parte de sua mente esteja aqui ainda, planejando o Natal. Planejando a festa. Planejando a vida.

Planejando a vida.

— Todos nós já passamos por isso — ele pigarreou, levantando a gola da jaqueta para sair. — Vamos passar de novo. Vou para casa, com a minha família, vou conversar e beber e abraçá-los, porque só o que sinto é que não fiz isso o suficiente com St. John.

Pelo canto do olho, peguei a silhueta de Gwen parada no limiar da porta, respeitosamente ficando fora da nossa conversa. Queria que ela não precisasse ver essa parte de mim; a pessoa de luto. Novamente.

Era um contraste muito frio, muito sombrio contra sua existência.

— E de noite, vou vir aqui, e vamos pedir pizza e beber um pouco mais — ele franziu o nariz, impedindo que as lágrimas que nadavam nas íris caíssem. — Porque no fim do dia, isso é tudo o que temos. A família.

— Por quem faríamos qualquer coisa — eu concluí seu raciocínio, respirando fundo.

— É — murmurou, descendo os degraus. — Qualquer coisa.

— Ele sacrificou alguma coisa, certo? — Gwen perguntou apressadamente. — Pelo bem estar de alguém - todos vocês.

— Ninguém pediu para ser salvo — respondi, mantendo a voz baixa enquanto Caden conversava com Allie na cozinha. — Nenhuma vida vale mais do que a outra.

— Ethan...

— Ter motivos não justifica todo o resto — eu me virei para ela, arqueando as sobrancelhas. — Eu o quero aqui, vivo e bem, mas isso não vai me fazer esquecer. E isso provavelmente é errado da minha parte, não é?

Gwen balaçou a cabeça. — Não é. Você tem todo o direito de se sentir assim. Eu só não quero que você...

Ela respirou fundo, aproximando-se cautelosamente como se medisse seus gestos e movimentos perto de um animal arisco. Encontrei seus olhos verdes, sentindo a calmaria característica que eles me proporcionavam instalando-se e atravessando minha pele, correndo no meu sangue e despertando meu coração.

Gwen espalmou meus ombros, manteu-me cativo de seu olhar.

— Não quero que você se esqueça, nunca, do quanto você o ama.

— Nem se eu quisesse — disse. — Mas eventualmente, G, tudo o que restará de palpável será saudade e ressentimento. E ódio, pelo que ele fez com Allie. E eu não quero que isso me consuma, Gwen. Eu não quero.

Gwen não hesitou ao me puxar para seus braços e, nessa manhã fria e nevada, eu me escondi no consolo da mulher que eu amava — e me amava tanto quanto eu a amava — e a única que me entendia e era capaz de me acolher nesse mundo brutal. A única que nunca soube que precisava até que não conseguia mais me afastar. St. John viu isso primeiro que eu; o bem que ela poderia me fazer, e me fez ir atrás. Ele sempre viu demais. Até para o próprio bem.

Uma vida sem ele não era algo que eu queria, mas precisaria ter.

Por tudo o que continuava aqui, eu precisaria. Por Gwen, Alyssa, Calum. Caden e Hunter e as pessoas que estavam se aproximando, assistindo tudo pelos cantos — Gabriel e Rosie, Leonard e Tony. O que era real e constante: o que me fazia levantar da cama apesar da dor que pesava meus ossos. O medo e a dúvida. A dúvida sobre o que — onde — ele estava e o medo de nunca mais vê-lo.

Nunca mais vê-lo com vida.

Mas e quanto a vida que continuava aqui?

Ele me perdoaria, certo? Por ter que continuar lutando?

E quanto a mim? Eu seria capaz de perdoá-lo?

— Quero te levar a uma pessoa — ela murmurou —, e você não é obrigado a voltar se não quiser. Eu quero que você tente, e não vou me decepcionar se você não gostar. Mas é necessário.

— Para que? — respirei em seus cabelos, afundando-me mais contra seu corpo.

— Para melhorar — ela beijou minha têmpora, gentil. — Para deixar as coisas irem.

Tudo o que fiz foi assentir, desesperado por uma nova perspectiva. Desesperado por uma nova maneira de sentir todas essas coisas sem que parecesse que elas iam me engolir. Desperado para voltar a ter o controle da minha própria vida. Para ser o que as pessoas esperavam que eu fosse. Nada como um homem confuso e rancoroso que era incapaz de seguir em frente.

Ser melhor.

Cinco anos atrás eu fugi, mas isso nunca aconteceria novamente.

Porque o meu lugar era aqui.

Um sorriso meu foi escondido entre os fios macios do cabelo de Gwen Marie Evans.

— O que seria de mim sem você, minha estrela?

.

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