A estrada de asfalto estava vazia e rodeada de uma floresta densa. Lori estava dirigindo enquanto eu permanecia sentada no banco de passageiros ao seu lado. O sol estava se preparando para dar lugar a lua e nós duas sabíamos que era uma corrida contra o tempo, chegar na cidade antes que a noite caísse.
— Qual entrada nós temos que fazer depois da dezesseis? — Lori perguntou sem tirar os seus olhos da estrada. Eu tinha o mapa em minhas mãos e encarava as linhas coloridas de maneira concentrada. Tentando entender exatamente como o pedaço de papel funcionava.
— Ahmmm... — Gemi em dúvida sem desviar meus olhos do papel. — Eu acabei de descobrir uma coisa engraçada. — Olhei para a mulher com uma expressão totalmente tranquila e derrotada. — Eu não sei ler mapas! — Avisei dando um sorriso no canto dos lábios ao entregar o mapa em sua direção. Lori acabou rindo de escárnio.
— Ok. Nós estamos na dezesseis. — Apontou observando o mapa e eu me curvei levemente em direção ao volante em que ela apoiava o papel dobrado. Porém, o movimento era contido pelo cinto de segurança que eu usava. — Se nós pegarmos a segunda entrada à direita... — Começou como se precisasse me explicar.
Lori voltou seus olhos para a estrada e um arfar desesperado escapou por seus lábios. Eu voltei a olhar o para-brisas quando senti a mulher pisar no freio com muita força e os pneus gritaram, mas não consegui distinguir muitas formas quando vi apenas uma coisa muito escura e pesada bater contra o carro, despedaçando o vidro, para então a explosão assustadora me deixar totalmente surda.
Era uma sensação muito esquisita. Em minha mente, parecia que eu havia apenas piscado muito rápido. Apenas fechado e aberto os olhos em segundos. Mas isso não era possível. Afinal, tudo estava escuro e a noite já havia caído do lado de fora daquele carro.
Senti meu corpo pendurado e tentei me lembrar da última coisa que tinha acontecido. O carro. Lori pisando no freio. Alguma coisa batendo contra nós e então o escuro. Não fazia muito sentido, mas me dava uma noção de contexto: Nós tínhamos sofrido um acidente.
Tudo estava escuro demais. Silencioso demais. A não ser pela seta amarela do automóvel, que ainda estava ligada e iluminava a estrada a cada dois segundos. Era o suficiente para me deixar entender que eu estava pendurada por culpa do cinto de segurança; que o carro estava totalmente virado no meio fio da estrada e Lori ainda estava desacordada no banco ao meu lado.
— Lori! — Chamei baixo tentando descobrir se a mulher estava bem. Eu sabia que estaria completamente destruída se por acaso ela estivesse morta. Ou perdesse o bebê. Oh, meu Deus! O bebê! — Lori! — Chamei mais alto enquanto tateava o meu quadril, em busca da minha faca.
Tive dificuldades para conseguir puxar a faca, mas consegui trazê-la até o cinto que me prendia. Coloquei o meu pé contra o painel do carro, agora virado de perfil, e o outro pé no encosto do banco de Lori. Eu não podia cortar o cinto e simplesmente cair como uma pedra em cima da mulher.
Sons de vidro quebrando foram ouvidos do lado de fora, me fazendo tentar enxergar o que acontecia, mas tudo ainda era muito escuro. Porém, não demorou para que eu entendesse do que se tratava quando ouvi o som dos rosnados e gemidos se aproximando cada vez mais do carro.
— Merda! — Xinguei apertando meus dentes quando levei a faca até o tecido que me prendia e o cortei. — Lori! — Chamei ao tentar me equilibrar melhor e sair daquela armadilha. — Lori, se você morrer eu nem preciso voltar para a fazenda! Porque eles vão me matar! — Falei com medo ao tentar ir para o banco de trás e sair de cima da mulher desacordada. — Lori! — Chamei de novo ao dar batidinhas no seu rosto.
Um mordedor se jogou contra o para-brisa rachado com força assim que notou meus movimentos. O rosto apodrecido se lançava fortemente contra uma brecha no vidro, fazendo a superfície cortante simplesmente arrancar a camada da sua pele de um jeito asqueroso.
Puxei a mulher para longe do vidro com força e levei a minha outra mão empunhando a faca até o rosto que se forçava contra a brecha. Enfiando a navalha no olho do monstro o mais profundo que eu pude e depois a girando até que ele parasse de se mover.
— Como eu vou tirar você daí? Eu nem sei se posso te mover. — Sussurrei ao cortar o cinto da mulher também e tentei puxá-la para trás, em direção ao banco de trás que era o lugar aonde eu estava.
Senti quando o seu corpo começou a se mover lentamente. E logo seus olhos claros se abriram de maneira perdida e confusa. Analisando o espaço à nossa volta e depois o meu rosto, ainda a amparando.
— O que aconteceu? — Ela perguntou com voz baixa e perdida.
— Nós capotamos! — Expliquei com pressa enquanto a ajudava a se arrumar no espaço confuso que o carro virado havia se transformado. — Você está bem? — Perguntei preocupada.
— Estou. — Lori passou a mão pelo cabelo e então retornou sua mão para a frente do rosto, agora suja de sangue.
— Você está sangrando! — Apontei para o ferimento aberto em sua testa.
— Foi superficial. Eu estou bem. — Alegou ao tocar também o lábio que estava inchado por causa de um corte. — E você? — Ela apontou para o meu antebraço e só então eu notei a mancha de sangue na manga da minha jaqueta, talvez dos furos ou arranhões que provavelmente o vidro me causou.
— Eu estou bem. Você é a grávida aqui, então você é a prioridade. — Lembrei suspirando profundamente ao me virar para os fundos do carro. — Vamos sair pela porta traseira! — Chamei ao me direcionar por cima do banco e alcançar a porta aberta atrás do automóvel.
A luz prateada de um raio cortou o céu escuro por um mísero segundo. Segundos depois o som alto do trovão cortou o céu, mostrando que uma tempestade estava chegando. E eu comecei a me apressar em sair logo do carro revirado para me virar e começar a ajudar Lori a sair também.
— Não está sentindo nada? — Perguntei enquanto ela saía com dificuldades. — Algum sangramento suspeito? Náuseas? Tontura? — Questionava sem ao menos saber o que estava perguntando. — Temos que ter certeza que o bebê está bem! — Aleguei quando a ajudei a sair do carro e ela se pôs de pé em minha frente.
— Está tudo bem, querida, não estou sentindo nada. — Avisou tentando me tranquilizar. — Além de dor nas costas. — Completou ao esticar sua coluna e fez uma expressão de dor até ouvirmos o som das suas costas estalarem nos fazendo rir logo em seguida. — Heidi! — Os olhos da mulher se abriram mais quando a mesma encarou a estrada atrás de nós e eu me virei.
Estava muito escuro, mas eu pude ver quando as silhuetas de três mordedores começaram a se aproximar pela estrada. E eu levei a minha mão automaticamente para a minha cintura, porém a pistola não estava mais lá, havia caído por causa do acidente. Tudo o que tínhamos era a faca em minhas mãos.
— As armas! — Pedi ao me preparar para enfrentar o primeiro que se aproximava. Lori correu em direção ao carro enquanto eu me direcionava até o local aonde a seta ainda ligada iluminava a estrada e me daria uma visão melhor de tudo.
O primeiro morto-vivo avançou sobre mim com determinação. Eu desviei levemente para o lado e enfiei a lâmina em sua cabeça, agradecendo por estar mais ágil após me recuperar da lesão na perna. O monstro caiu totalmente imóvel no chão, enquanto o segundo rosnava em minha direção sem me dar chance de recuperação.
As mãos apodrecidas se agarraram em minha jaqueta jeans e se penduraram em meu corpo para morder o meu rosto. O seu peso acabou me derrubando no chão e a faca em minhas mãos estava de mau jeito, fazendo com o que o corte pegasse bem dentro da sua boca e arrancasse um pedaço da carne desde o rosto até a orelha.
— Puta merda! — Gritei totalmente desesperada quando o terceiro mordedor tentou cair sobre nós com seus dentes podres à mostra.
Eu sabia que tinha sido uma má ideia. E sabia que isso era demais para mim. Tudo o que eu conseguia pensar era no fato dos outros vindo atrás de nós e encontrando um monte de restos de ossos roídos por um bando de desgraçados. Só esperava que acabasse logo e não doesse muito. Que ingenuidade!
Ultimamente eu não estava muito convencida de milagres, porém parecia que os céus estavam sorrindo para mim.
O morto apodrecido fincou seus dentes no tecido jeans da minha jaqueta folgada. E antes que ele pudesse recuperar a mordida, eu pude ouvir o som alto de dois tiros sendo desferidos contra os crânios dos dois errantes em cima de mim. Os fazendo parar imediatamente e caírem imóveis em cima do meu corpo.
Reagi rapidamente e os empurrei com dificuldades, até Lori guardar a arma e vir me ajudar a me libertar dos dois corpos pútridos que me prendiam.
Uma expressão de dor se torceu em meu rosto contra a minha vontade e quando dei por mim já estava chorando totalmente jogada no asfalto como uma criança.
— Eles morderam você? Você está bem? — Lori perguntou preocupada com a minha reação e ficando de joelhos ao meu lado, procurando por mordidas.
— Não! Eles não me morderam! Eu estou bem! — Exclamei levando minhas mãos até o meu rosto molhado pelas lágrimas e o escondendo de forma envergonhada.
— Tudo bem, querida. Foi uma péssima ideia! — Ela apontou ao me puxar com dificuldades até que eu sentasse no asfalto. — Mas nós não podemos ficar aqui paradas esperando os próximos. Nós temos que ir! — Avisou com pressa e eu acabei assentindo algumas vezes enquanto ela me ajudava a ficar de pé e eu engolia o choro.
— Vamos voltar agora! — Pedi quando fiquei de pé com a sua ajuda.
— Não! Não podemos voltar. Temos que chegar até a cidade e trazer Rick. — Avisou começando a caminhar em sentindo contrário ao meu.
— A pé? No meio da noite? — Mostrei como aquilo soava absurdo. — Lori! Não temos chance na estrada e está escuro demais! Nós temos que voltar! — Chamei ao correr em sua direção e tentei segurá-la pelo braço.
— E se fosse Daryl? — Ela se virou em minha direção de forma irritada. — Você iria atrás dele ou esperaria por ele em casa contando com a sorte? Hãm? — Questionou como se já soubesse a resposta. E eu não soube o que responder, apenas fiquei encarando o seu rosto sangrento enquanto a mulher parecia decidida e descontrolada. — Foi o que pensei! — Rebateu ao perceber o meu silêncio e continuou caminhando com pressa.
Eu voltei a segui-la de maneira preocupada, pois sabia que precisava protegê-la mesmo assim. Mas nós nem havíamos nos afastado demais do carro quando um automóvel apontou suas luzes em cima de nós e freou bruscamente assim que se aproximou o suficiente.
— Você está bem? — Shane pulou de dentro do carro parecendo muito desesperado.
— Ah, graças à Deus! — Comentei aliviada assim que percebi que o homem com certeza obrigaria a mulher a voltar.
— Eu estou bem! — Lori respondeu quando o homem segurou seu rosto com as duas mãos para analisar melhor os cortes que ela tinha ali.
— E você? O que você pensa que está fazendo? — Apontou seu dedo em minha direção se virando com irritação e raiva, como se me acusasse de fazer aquilo com Lori.
— O quê? — Questionei surpresa ao não entender a sua reação e franzi o cenho com dúvida.
— Você deveria tê-la levado de volta! — Acusou se aproximando como uma ameaça e eu voltei a apertar a minha faca na mão com firmeza de novo.
— Ela quis vir atrás do marido porque ela quis! Eu estava a protegendo! — Me defendi tentando me preparar para qualquer reação violenta que ele poderia ter.
— Se você quisesse protegê-la teria a impedido e me contado isso! — Apontou seu dedo em riste em direção ao meu rosto de forma desrespeitosa e veio para cima de mim como se realmente fosse fazer alguma coisa.
— Hey! O que pensa que está fazendo? — Lori ficou entre nós dois na intenção de me proteger e o encarou de maneira incrédula. — Não foi ideia dela! Foi minha decisão! Se alguém é culpado aqui, esse alguém sou eu. Ela simplesmente tentou me ajudar. O que há de errado com você? — Defendeu enquanto usava um tom muito firme com o policial.
— Quer saber? Não podemos ficar na estrada. Vamos embora! Agora! — Shane levantou o seu tom de voz e tentou obrigar Lori a entrar em seu carro.
— Não! Eu preciso encontrar Rick e saber o que aconteceu. — Rebateu segurando o pulso do homem, como se o implorasse para que ele nos levasse até a cidade.
— Ele voltou, Lori! — Shane respondeu calmamente ao amparar a mulher pela cintura. — Todos já voltaram e estão à salvo. Estávamos procurando por você! — Explicou enquanto a guiava para dentro do carro e Lori acabou aceitando entrar no automóvel.
— Graças à Deus! — Lori exclamou baixo antes de se sentar no banco dos passageiros quando Shane abriu a porta educadamente para ela.
— Eles deveriam passar por essa estrada para voltar para a fazenda. Como eles passaram e não viram o acidente? — Perguntei ao policial assim que ele colocou a mulher sentada no banco dos passageiros e fechou a porta logo em seguida.
— Entra na porra do carro agora, Heidi! Ou você vai ter que voltar a pé! E sozinha! — Me ameaçou com a voz tão baixa que não pode ser ouvida por Lori dentro do carro. E os seus olhos assassinos em minha direção me deram a certeza que ele era capaz de fazer algo do tipo.
Suspirei pesadamente e semicerrei os meus olhos como uma ameaça silenciosa. Então realmente aquilo era uma mentira.
Entrei no carro, me sentei no banco de trás e me mantive em silêncio por todo o caminho até a fazenda. Apenas ouvindo as perguntas de Shane sobre coisas que Lori estava sentindo e, às vezes, dando algumas broncas e recomendações sobre o que poderia ter acontecido caso tivéssemos quebrado o pescoço, ou o carro tivesse pegado fogo.
Quando chegamos na fazenda pude perceber que todos os outros estavam esperando no centro do acampamento. Se levantando e vindo em nossa direção assim que viram o carro estacionando próximo dali. E não foi surpresa alguma perceber que os únicos que não estavam ali era Hershel, Rick e Glenn. Além de Daryl.
— Oh meu Deus! Vocês estão bem? — Andrea perguntou preocupada quando nos viu sair do carro. — O que aconteceu com vocês? — Ela olhava de mim para Lori ao perceber o sangue manchando nosso corpo.
— Nós capotamos o carro na beira da estrada. — Contei enquanto procurava uma iluminação melhor para examinar os cortes ainda abertos em meu braço.
— Eu estou bem! Eu estou mesmo! — Lori avisou quando todos tentaram examinar o corte em sua testa. — Aonde está o Rick? — Perguntou procurando pelo marido entre as barracas ali.
Um silêncio constrangedor e tenso se espalhou pelas pessoas que não entenderam muito bem aquela pergunta. Mas eu acabei abrindo um leve sorriso de escárnio, pois já esperava por aquilo.
— Aonde ele está? Ele não voltou ainda? — Questionou ao verificar o rosto de cada um ali. — Shane? — Ela se virou para o policial ao exigir explicações.
— Eu tinha que te trazer de volta, não importava como! — Ele alegou de maneira séria e nada arrependida.
— Você é um cretino! — Lori xingou quando avançou sobre o homem para bater suas mãos em seu peito e empurrá-lo para trás como uma punição. — Ele é o meu marido! — Lembrou com raiva na voz ao continuar o empurrando.
— Eu vou atrás deles, ok? Eu vou! — Shane advertiu ao segurar a mulher perfeitamente e afastá-la do seu corpo com delicadeza. — Mas temos prioridades primeiro! Eu tenho que cuidar de você e garantir que o bebê esteja bem! — Exclamou quando a mulher se afastou.
— Você vai ter um bebê? — Carl perguntou de maneira surpresa e animada quando apareceu vindo de trás de Dale e só então nós lembramos que ele ainda estava ali.
Lori encarou o filho com o rosto pálido de choque. Era óbvio que ela ainda não estava preparada para contar aquilo e aquele não parecia um bom momento. Mas Carl ainda continuava encarando o rosto da mãe como se aquela fosse a melhor notícia da sua vida.
— Por que você não me contou? — O garoto questionou mostrando-se um pouco chateado, mas ainda parecia entusiasmado com aquela notícia.
— Surpresa! — Eu exclamei de um jeito animado, tentando fingir que aquele era o momento certo. Fazendo Shane me encarar novamente com um dos seus olhares ameaçadores.
— Vem. Vamos ver se você está bem mesmo. — Dale pediu quando esticou a mão em direção a mulher e tentou guia-la de volta para o casarão principal da fazenda.
Eu me afastei do carro de Shane e comecei a seguir os outros pela grama na mesma direção. Entretanto, acabei me sentindo um pouco diferente quando meus pés pareceram dormentes e pesados demais para andar, com uma sensação de formigamento. Me fazendo desequilibrar levemente e me segurar no braço de Andrea antes de cair de joelhos no chão.
— Você está bem? — A loira me perguntou de maneira abalada assim que me ajudou a ficar novamente de pé e então todos pararam para examinar o meu rosto cansado.
— Estou! Acho que foi só a minha pressão caindo. Você sabe, emoções fortes! — Brinquei ao tentar dar mais alguns passos. Porém a minha visão começava a ficar embaçada aos poucos e eu tive que segurar o antebraço de Andrea com mais força.
— Quando foi a última vez que você comeu alguma coisa? — Dale perguntou ficando ao meu lado, colocando suas mãos em minhas costas para me amparar, mas ouvir a sua voz foi como ouvir alguém falando debaixo da água.
— Ahmm... não sei, eu não me lembro! — Aleguei com um riso baixo. E a simples menção da palavra comida acabou fazendo o meu estômago embrulhar completamente, não me permitindo segurar a ânsia que se ascendeu em meu esôfago e trouxe de volta todo o líquido que ainda permanecia em meu estômago.
O pânico pareceu tomar não apenas a mim, mas também todos os outros em volta, quando nós encaramos a pequena poça vermelha e viscosa que acabara de escapar por meus lábios e agora jazia sobre a grama em frente aos degraus da grande casa.
— Isso é sangue? — Eu questionei de forma idiota enquanto um riso estúpido escapava por meus lábios. E a última coisa que me lembrava era de Andrea segurando meu braço e movendo os seus lábios algumas vezes quando alguém me pegou no colo, mas eu já não conseguia ouvir mais nada enquanto tudo ia escurecendo.