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By hellenptrclliw

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➛ A segunda queda: livro 02 da série "The Four Falls". Apaixonar-se não era sequer a última das coisas que Et... More

OWH. #2 Série TFF
sinopse
dedicatória
epígrafe
prólogo
01. quem está julgando?
02. caos com íris cor de avelã.
03. dever e honra.
04. até onde você é capaz...?
05. ethan.jyoung.
06. se você diz.
07. calum young é um menino sábio.
08. quem é gwen evans?
09.1. eu não sei como você consegue.
09.2
09.3
10. movidos pelo instinto de sobrevivência.
11. precisamos parar de nos encontrar assim.
12. por que se explicar tanto para si mesmo?
13. temos tudo sob controle.
14. a verdade que há e suas promessas.
15. um dia, talvez?
17. nada é como se apaixonar pela primeira vez.
18. a reputação que me precede.
19. quando o amor cai em mãos erradas.
20. no meu sangue.
21.1. a garota que me encara de volta.
21.2
22.1. os parágrafos escondidos e descobertos.
22.2
23. a sentença das nossas vidas.
24. misericórdia nunca foi o seu forte.
25. a vida acontecendo através desses sentimentos.
26. as estrelas que testemunham nossa queda.
27. isso é sobre quem eu sou.
28.1. a liberdade do meu verdadeiro eu.
28.2
29. isso muda tudo.
30. e quem a protege de mim?
31. "juntos e essa coisa toda".
32. capítulos em branco.
33. é sempre assim?
34. como viemos parar aqui?
35. o narrador que conta a história.
36. neste momento, ele é o mundo inteiro.
37. aquela filha daquela família.
38. me diga que não é tarde demais.
39. me perdoe, eu me apaixonei.
40. boa fé da mulher que me amou primeiro.
41.1. é como deveria ser.
41.2
42. o monstro debaixo das nossas camas.
43. genuína.
44. o sangue puro e o sangue ruim.
45. julgamento
46. com um coração cheio.
47. rainbow
48.1. as constantes.
48.2
extra: pressentimentos.
49. você vem para o café da manhã?
50. a traição.
51. negação.
52. não esquecer o quanto você o ama.
53. é o único jeito, querida.
54. honra e morte.
55. se apaixonar.
56. este é o meu dever.
57. memórias: nós as construímos e elas nos constroem.
58. sem mais sentir muito.
59. era você que sempre estava lá.
60. o caminho de volta para casa.
epílogo.
nota final.

16. até o sol nascer.

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By hellenptrclliw

Vamos nos apaixonar essa noite
E esquecer de manhã
Coloca uma música que você gosta
Você pode apostar que eu conheço a letra
Sou o cara que seu namorado queria que evitasse
Não desperdice seus olhos com caras ciumentos, foda-se esse barulho
Eu sei mais do que te chamar de minha

Eu adoro quando você fala essa coisas de nerd
Estamos com vinte e poucos anos conversando sobre coisas dos trinta
Estamos ganhando dinheiro, mas estamos juntando
Porque falar merda é barato e nós falamos muita
Você não vai ficar comigo, eu sei
Mas você pode ficar comigo até você ir embora

LET'S FALL IN LOVE FOR THE NIGHT | Finneas.


O ÚLTIMO DEGRAU RANGIU assim que coloquei meus dois pés nele, e a cabeça de minha mãe levantou-se como se fosse um mecanismo ativado pelo som. No segundo em que seus olhos pousaram em mim, ela estreitou as pálpebras e passou a esquadrinhar cada centímetro da minha aparência. Eu precisei improvisar com uma chapinha porque meus cabelos estavam insanos por causa da umidade no ar, e eu estava de pijama e meias felpudas quando aceitei o convite de Ethan Young.

Optei por um vestido de verão vermelho e um cardigã branco, e mesmo me convencendo de que minha aparência estava boa, a cada passo que dava gostaria de ter vestido algo mais ousado e sexy. Mas pensei que adicionar mais razões para me sentir desconfortável e nervosa — ciente de que não deveria ser assim — não era um território que eu queria explorar hoje. Claro, não me impediu de colocar um pouco de maquiagem, o que também me fez sentir muito bem, confesso. Sempre gostei de me sentir bonita e sempre tive talento para usá-las, mas meio que era mais uma das coisas que me faziam ser quem eu era que deixei para trás.

— Eu não diria que All Star cairia bem com vestido até ver você usar — minha mãe disse, enfim.

Dei de ombros. Não sabia bem o que dizer. Não era como se eu precisasse pedir permissão e assinar uma ata para sair de casa, mesmo a noite, mas dado meu comportamento antissocial com um quê de fobia a garotos, minha mãe tinha todos os motivos para parecer perplexa e curiosa. Eu estava perplexa por estar tão ansiosa para ver Ethan e curiosa para saber como ele estava após retornar de sua viagem inconclusa.

Agindo como se não me importasse com sua atenção, deslizei meu celular e minha carteira para dentro da minha bolsa, pendurando-a em meu ombro com um suspiro suave. Ela continuava ali, e eu deveria apenas avisar que estava saindo e que voltaria logo, mas Rosie Evans tornava difícil resistir ao seu olhar de mãe. Os olhos castanhos fitavam os meus, suas sobrancelhas arqueadas em espera, mas seus lábios sorrindo com a ternura de me dizer que sua confiança em mim era maior que sua curiosidade.

Portanto, não pude deixar de rir quando ela encolheu um ombro e deu uma breve espiada na escada antes de sussurrar:

— Ele é bonito?

Enruguei a testa, constrangida.

Mãe, não.

Ela veio até mim e afagou meus cabelos, repartindo-os de lado como ela insistia em dizer que me deixava mais atraente.

— Tudo bem, você não tem que me dizer nada — ela suspirou, contraindo os lábios em um sorrisinho maroto. — Toda a garota precisa ter seus segredos de vez em quando, certo?

— Ele é, — me peguei dizendo. — O que você perguntou. Ele é.

Calor se espalha por minha corrente sanguínea ao pensar nos cabelos escuros e as expressivas sobrancelhas negras acima dos grandes olhos avelã com cílios escuros emoldurando parte de sua beleza fria e reprimida. Os lábios carnudos e corados e o nariz simétrico e arrebitado que ele sempre franzia quando se sentia em desacordo ou confuso.

Rosie sorriu como se pudesse ver o que cruzava por minha mente.

— Vá se divertir, garota — incentivou. — Você merece.

A sorveteria Duncan's foi inaugurada pouco antes da minha chegada à cidade e era um sucesso desde então. As vidraças amplas permitiam a vista da rua e as luzes vermelhas brilhavam contra o vidro polido a cada passada, atraindo minha atenção para a movimentação noturna do bairro onde eu morava. De fato, esta era a parte mais rica da cidade. Famílias de classe alta residiam por toda a extensão de condomínios, de cirurgiões renomados até famílias com gerações e gerações de heranças milionárias. Sempre me perguntei porque grandes famílias como tais moravam aqui quando poderia estar em Nova Iorque, Los Angeles ou Londres.

Meu pai havia investido em alguns negócios na cidade assim que chegara, porque seu nome havia construído sua imagem com polidez e astúcia por toda Califórnia, então a pergunta sempre acabava retornando para minha própria família, assim como as outras.

Eu estava aqui porque estávamos fugindo do meu passado enganando-nos com a promessa promissória de futuro; estava aqui porque era uma vergonha aos olhos de meus pais.

Bem, a quem eu queria enganar? Eu era uma vergonha aos meus próprios olhos.

Casas de estilos clássicos, modernos e sofisticados lotavam ambos os lados, com grandiosos jardins que eram conhecidos pela vivacidade do verde como se grande parte não fosse artificial e forçado para esconder a decadência das vidas reais dentro das paredes de casa. A única coisa que faltava era se tornar um condomínio fechado.

Remexi-me na banqueta giratória do balcão, encarando as mesas que permaneciam vazias enquanto esperava por Ethan. O falatório ao redor misturado à música baixinha que soava pelas caixas acústicas preenchia meus ouvidos, e a ideia de que eu estava aqui durante um dia de semana quase às onze da noite parecia um pouco absurda parando para pensar.

Eu provavelmente deveria ter sugerido outro lugar. Além de ser distante da casa de Ethan, tudo era caro. Não que eu o considerasse pobre e inadequado aqui, ao contrário: sabia que ele se sentiria desconfortável estando ao redor disso e admirando toda a riqueza que era evidente a cada quadra. Mas no fundo, me apeguei à ideia de comodidade que estar em uma área do meu domínio oferecia, mesmo que fosse injusto para ele.

Antes que eu pudesse desistir e voltar para casa, o sininho na porta ecoou em minhas costas e minha nuca arrepiou, descendo por minhas costas e barriga. Desencadeando uma enfurecedora noção de espaço e tempo, virei à cabeça já sabendo quem eu iria ver apenas pela reação do meu corpo a proximidade.

Ethan empurrou a porta e seus olhos imediatamente varreram o interior da sorveteria à minha procura. Ele vestia preto da cabeça aos pés, criando um contraste sombrio contra os tons claros e coloridos ao seu redor. A camisa preta lhe caiu muito bem modelando os músculos magros e os ombros rijos, as mangas dobradas na altura dos cotovelos mostravam os antebraços fortes com as familiares protuberâncias de veias que subiam das costas de suas mãos até o bíceps.

Ethan estava vestido como qualquer outro cara, entrando em uma sorveteria como qualquer outra e mesmo assim, alguns jovens vizinhos que tive o desprazer de conhecer olharam-no como se pudessem ver através dele e julgá-lo pela inadequação de sua presença. Sussurros começaram, mal disfarçados e mesquinhos, e foi o suficiente para que eu me chutasse mentalmente mil vezes por minha escolha.

E, considerando o comportamento sempre atento e autoconsciente de Ethan, tinha certeza que ele percebera a maneira como o observavam. A verificação da cabeça aos pés, o levantar esnobe de sobrancelhas e os sorrisos maliciosos de garotas que não o viam como nada além de um pedaço de carne. Era sempre curioso ver um cara sendo alvo de olhares lascivos quando obviamente não estava procurando por eles.

Porém, o mundo ficou em segundo plano quando as íris avelã me encontraram e um sorriso tímido curvou o canto direito de sua boca. A barba não estava feita e cobria sua mandíbula inteira, rala e escura. Alheio a hostilidade silenciosa que lhe era mostrada, Ethan caminhou em minha direção com a cabeça erguida e os passos comedidos e confiantes, sempre me chocando com sua indiferença para o mundo e sua falta de preocupação com as mentes ao seu redor e como elas trabalhavam para criar a imagem que preferiam com suas próprias e infundadas certezas errôneas.

— Oi — eu disse com a voz trêmula, enrubescendo ao notar. — Você demorou.

— Eu vim caminhando — ele comentou, apoiando o antebraço na superfície de pedra da bancada e inclinando-se para mim. — Oi, Gwen.

Instantaneamente, meu cérebro me desconfigurou. Minha garganta ficou seca com o calor de seu corpo grande me cercando e minhas respirações superficiais não conseguiam sentir o suficiente de seu cheiro. O amaciante suave de sua camisa e o perfume em seu pescoço, talvez um resquício de suor e seu próprio aroma inconfundível de homem. Meu corpo ficou quente, pesado em certos lugares, e eu sentia meu coração em por toda a parte — mesmo nas mais inapropriadas.

— Sorveteria do Duncan's, boa noite. — O filho adolescente do proprietário me salvou de mim mesma, sua voz desinteressada e monótona. — Já escolheram os sabores?

Ethan foi o primeiro a agir como a pessoa normal que ele era, analisando as opções no cardápio disposto a nossa frente. Encarei o perfil de seu rosto por alguns segundos antes de me forçar a desviar o olhar, com medo de que ele reparasse.

— Eu quero duas porções de cookies 'n' cream e uma de morango no cone com raspas de chocolate.

— Oh, temos um corajoso aqui — comentei distraidamente, discorrendo entre as minhas opções.

Senti o olhar dele no meu rosto. — Ah, cara. Não me diga que você ainda não aprendeu a comer no cone?

— Não, ela nunca nem arrisca — Duncan Júnior respondeu em meu lugar enquanto montava o sorvete de Ethan. — É um desastre.

— E quando você não é? — Ethan replicou, ignorando o garoto como se eu tivesse respondido. — Vamos lá, escolha o cone hoje. Vou te ensinar a comer como uma adulta.

— Eu não quero comer como uma adulta — sorri, displicente. — Ninguém tem que comer sorvete como um adulto.

Ethan claramente não pensava assim.

— Eu quero um sorvete de Magnum no pote, de... — crispei os lábios, repassando a lista até ver um que não havia provado. — Cookies & cream.

Ouvi um bufar ao meu lado que conscientemente optei por ignorar. Tinha um pequeno passatempo em dias que não estava suportando a mim mesma: visitar diferentes sorveterias na cidade e provar diferentes sabores de sorvetes e misturas improváveis. Quando estava deprimida em casa, entretanto, sempre acabava retornando ao bom e velho pote de chocolate e especiarias.

Tornando a olhar para Ethan, encontrei-o de cenho franzido e olhos estreitos enquanto observava nossos pedidos serem preparados. O garoto checou as planilhas de preços antes de voltar-se para nós e entregar os respectivos sorvetes, nunca desviando os olhos verde escuros dos meus.

— Façam bom proveito — ele disse, sorrindo. — As mesas externas tem um acréscimo de um dólar.

— Jesus — Ethan arfou, quase ultrajado.

— Para você — o garoto frisou, encarando Ethan. — Gwen é freguesa.

Abri a boca para repreendê-lo, uma vez que essa taxa deixou de existir há meses — porque era sem noção, mesmo para ricos —, mas nesse meio segundo, lembrei que não sabia seu nome.

— Tanto faz — Ethan deu de ombros, puxando um dólar do bolso e deslizando pela bancada. — Se um dólar o faz se sentir melhor, cara, tudo bem.

Eu segui Ethan para fora, feliz que não ficaríamos no mesmo ambiente que os idiotas olhando torto para ele. Respingos finos e frios repousaram no alto de minhas bochechas, nariz e lábios, mas demoraria a começar molhar nossas roupas. A calçada de tijolos laranja estava molhada e o ar cheirava a terra molhada e borracha queimada. Luzinhas em pisca piscas ligadas por cordões em toda a volta iluminavam a área externa da sorveteria e a placa colorida com cores fluorescentes tremulantes acima da nossa cabeça refletiam contra os olhos dele.

— Você não tinha que pagar — eu disse a ele quando nos sentamos. — O cara estava cheio de besteira. O pai dele nunca cobra nada.

Ethan colocou o celular sobre a mesa de madeira e ferro, reclinando-se confortavelmente na cadeira com o sorvete em sua frente. Um olhar divertido cruzou por seu rosto muito brevemente, mas para seu azar, eu estava começando a ficar boa na missão de comprovar que Ethan Young era um emaranhado de um milhão de camadas abaixo de sua superfície fria e imperturbável.

— O garoto é apaixonado por você — contou, o tom repleto de obviedade. — Ele só cobrou porque queria estar no meu lugar.

Fiz uma careta. — Ele tem quinze anos. Ele deve ser apaixonado por todas as garotas que atende.

— Ah, Gwen — suspirou, pegando seu sorvete. — As paixonites de quinze anos diferem de muitas maneiras.

Arqueando uma sobrancelha, peguei a colherzinha de plástico vermelha e cavei meu sorvete, provando o primeiro pedaço. Sabor explodiu em minha língua, animando minhas papilas gustativas e enviando um pequeno raio de dor em meus dentes por causa da frieza inesperada.

— Ah, é? Conte-me sobre isso.

Ethan sorriu de maneira nostálgica, lambendo a gota de sorvete que escorria antes de passar a língua no topo, engolindo boa parte da primeira bola de morango.

— Bem, tem a paixonite de infância — começou, categórico. — Tem a paixonite mais velha, tem aquela para qual você sente vontade de tomar banho e agir como um adulto, mesmo que você seja um moleque e acabe passando vergonha com isso. E, ah, — ele lambeu novamente o sorvete, franzindo as sobrancelhas — tem a paixão lá debaixo.

— Paixão lá debaixo? — perguntei, congelando com uma colherada de sorvete a caminho dos meus lábios. — Como assim?

Enviando-me um antecipado olhar de desculpas, ele explicou:

— Para quem você bate uma — o sorvete passou reto, torcendo meu rosto em uma careta. — E por quem você passa um tempão em sites, hã... baixos, procurando um rosto parecido.

AimeuDeus! — eu arfei, horrorizada. — Vocês realmente fazem isso?

Ethan deu de ombros como se não fosse grande coisa.

— Bem, sim? Eu fiz, mas não achei interessante, então fiquei por aqui mesmo — ele apontou para sua cabeça, distraído com seu sorvete. — De qualquer forma, eu diria que você é a paixão da qual ele sonha não só de madrugada, mas como todos os dias da vida dele desde que te conheceu.

— Para com isso — resmunguei, resistindo a uma risada. — Não vou conseguir encará-lo pensando que ele pode estar me procurando em sites deploráveis que nem deveriam existir mais.

— Se serve de consolo, também acho que ele sonha em ser pai dos seus filhos, então...

Cobri meus lábios para esconder uma risada porque minha boca estava cheia de sorvete. A cena certamente não foi sexy, mas o fez sorrir, então eu estava bem assim.

— Bem, tanto faz — abanei a mão no ar, dispensando o assunto antes que se tornasse mais constrangedor. — Como foi a sua "quase viagem"?

O sorriso dele ficou frouxo, desaparecendo através do momento emoldurado diante dos meus olhos. Senti muito por minhas palavras ao vê-lo retraindo-se desconfortavelmente, brincando com o lado pontiagudo da casquinha de sorvete. Queria o mesmo cara que conversou abertamente — o máximo que pôde — no celular antes de tomar a melhor escolha para si mesmo, não o reprimido e tenso que estava na minha frente.

Meu pai e eu costumávamos jogar um jogo quando eu era criança. Algo aleatório e algo real, para que ao mesmo tempo em que estimulássemos a confiança com algo trivial, também lembrássemos que poderíamos deixar algo mais profundo ir porque era do que éramos feitos. Um empilhado de detalhes banais e pensamentos profundos que se cruzavam entre si e nos faziam agir e pensar e ser.

Portanto, concentrando-me em meu sorvete por estar com medo de olhar em seus olhos se ele me rejeitasse, dei meu primeiro passo desde que ele veio até mim.

— Eu só consigo dormir ouvindo música — falei. — E você me deixa nervosa, principalmente quando fica tenso. Sério, — soltei uma risada anasalada — se há alguém no mundo que é completamente inofensiva para você, sou eu.

Quando o silêncio fez meu corpo esquentar de constrangimento, ergui meu olhar para encontrá-lo já fitando meu rosto. O vento soprou meu cabelo para trás dos meus ombros e eu me empertiguei, de repente, autoconsciente demais para ser suportável. Nervosismo fechou minha garganta e uma maré de pensamentos azuis e amargos começaram a aparecer em minha cabeça. Como em por que o trouxe aqui até por que ainda estava aqui — mesmo que nosso acordo mútuo de testar águas tivesse apenas um dia, considerando que ele esteve fora por quase quatro —, e por que diabos eu estava compartilhando um costume pessoal e talvez meio patético com ele, quando claramente não era confortável.

— Uh, eu... — Ethan começou, sua testa toda enrugada em uma carranca. — Desculpe, mas por que você está dizendo isso?

A ponta das minhas orelhas queimavam e meu tom era mais baixo quando encontrei minha voz:

— É como um jogo que meu pai e eu costumávamos fazer quando eu era mais nova — expliquei nervosamente. — Soltar um fato aleatório e um algo mais profundo e verdadeiro para equilibrar, sabe?

A testa dele ficou mais enrugada; as sobrancelhas negras claramente tinham vida própria.

— É bobo — suspirei, odiando-me por ter tornado tudo tão estranho. — Vamos falar sobre outra coisa que não seja pornografia e você.

— Não, eu... — Ethan balançou a cabeça e endireitou a postura, esfregando as mãos nas coxas antes de assentir novamente. — Eu quero jogar.

Meu rosto se iluminou ao passo que meu coração expandiu dentro do peito, completamente molenga e derrotado quando se tratava de vencer a batalha que era resistir as diferentes versões dele.

— Vou ser uma droga nisso — avisou ele, sério.

Ethan parecia tão sem jeito e era tão adorável que eu queria pedir-lhe para parar, porque estava fazendo coisas com a região do meu peito. Coisas que eu não queria aqui.

Coisas que eram traiçoeiras e, portanto, tão boas.

— Eu gosto de estudar o universo e... — olhou para mim, quase acanhado. — Não quero te fazer se sentir nervosa, porque gosto de como você se solta quando fica à vontade.

Fiz uma pausa antes de decidir que precisava me livrar do cardigã, porque estava tão quente aqui fora. Deixando-o em meu colo junto com minha bolsa, lutei para ignorar o olhar incisivo dele enquanto pescava mais uma colherada de sorvete. Precisava de algo refrescante, porque tudo estava ficando tão íntimo muito rapidamente e eu jurei a mim mesma que, de alguma forma, saberia como agir se isso acontecesse.

Claro, era de madrugada e eu estava fingindo que poderia ser aquela que queria ser no escuro solitário da noite e na luz extraordinária do dia, mas mesmo assim.

— Fiz errado? — perguntou ele, irritado.

— Não — garanti. — Estou pensando no que dizer.

Suas feições suavizaram como em um "ahh" aliviado e ele começou a mordiscar o cone de seu sorvete. A neblina começou a aveludar a pele em meus braços e peito no decote recatado em "V" na altura do topo dos meus seios. Se Ethan estava tentando, eu também precisava fazê-lo e essa era a parte mais assustadora.

Sempre estávamos prontos para exigir, mas morríamos de medo quando chegava a hora de devolver o justo porque isso significaria dar de mão beijada pedaços de si mesmo ciente do risco de que poderia ser um grande arrependimento mais tarde.

— Eu deveria ser bailarina hoje, mas quebrei meu tornozelo quando tinha doze anos e não quis ter mais nada a ver — dei de ombros, mordendo um sorrisinho. — Minha mãe ficou mais deprimida do que eu, mas não era o que eu pensava em fazer, de qualquer jeito.

— O que você quer fazer? — perguntou ele, interrompendo-me.

— Design Gráfico — assenti entusiasmadamente. — Não sei ao certo em que área, mas é o que quero fazer.

Ethan assentiu, concentrado em mim.

Pigarrei, continuando: — E eu não sei ao certo como agir na sua presença.

Ele levou seu próprio tempo organizando seus pensamentos, e eu respeitei.

— Eu queria ser astronauta quando era criança, então meu pai me contou que para descobrir planetas, precisava entender que o "tempo funcionava de outra maneira" — Ethan arregalou os olhos, encarando seu sorvete. — Não quis nem pensar nisso, ainda mais depois que assisti Interestelar.

Sorri, descansando meu queixo na palma da mão e apoiando o cotovelo na mesa.

— E — ele trouxe seu olhar ao meu — você só precisa ser você mesma. Não há muito mais para me chocar depois de como nos conhecemos até então, e eu não me assusto fácil.

Será que ele não sabia que ser eu mesma era a coisa mais difícil do mundo?

— A primeira vez que eu tive uma "paixonite", foi aos doze anos. Ele era meu vizinho e costumávamos andar de bicicleta todo fim de tarde nos finais de semana — balancei a cabeça, rindo. — Pensei que era o fim do mundo quando o encontrei na pista de skate que costumávamos ir beijando outra garota. No outro dia, ele tentou me beijar.

Ethan riu, mostrando a fileira superior de seus dentes brancos.

— Por que isso é tão previsível? — ele brincou, referindo-se ao seu próprio gênero estúpido.

— Certo? Eu corri, furiosa e chateada porque pensei que ele era um príncipe encantado e contei tudo para minha mãe. Ela me consolou e me explicou que garotos eram idiotas colossais, especialmente quando cresciam. Contei a meu pai mais tarde e ele me incentivou a cortar os pneus da bicicleta dele.

Ethan reprimiu os lábios, sua expressão iluminada com diversão.

— Você cortou?

— Cortei, mas chorei porque minha consciência ficou muito pesada — arqueei uma sobrancelha, enfática. — Foi aí que meu pai me ensinou sua própria lição sobre os garotos: fique longe deles. Todos eles.

— E o garoto?

— Nunca mais falei com ele — dei de ombros. — Me pergunto se hoje em dia, meu pai cortaria mais do que os pneus por mim.

Ethan riu novamente, e eu nunca amei esse jogo mais do que hoje por isso.

— Você fica mais bonito quando ri, — deixei escapar, sob o falso pretexto do jogo.

Os orbes avelã esquadrinharam meu rosto, concentrando-se no rubor em minhas bochechas antes de vaguear mais abaixo em meu pescoço e ombros quase nus.

— Essa é a sua "verdade profunda"? — perguntou ele, seu olhar pesado ainda demorando-se a região do meu colo.

Apertei o pote quase vazio de sorvete entre minhas duas mãos, falhando ao fingir que sua atenção não me enervava.

— É, sim.

Ethan balançou a cabeça e mexeu na gola da camisa como se ela estivesse sufocando, mesmo que os três primeiros botões estivessem abertos revelando a porção de pele branca da região abaixo do pescoço, um vislumbre de sua tatuagem e um punhado de pelos escuros no peito.

Sorvete. Mais sorvete.

— Eu ganhei o primeiro lugar em todas as feiras científicas da minha escola, mesmo no Ensino Médio — ele assentiu, relembrando. — Alyssa não sustentou o legado, no entanto.

Sorri, mas não deixei de notar que ele fugiu do padrão que equilibrava nossas revelações.

— E você fica bonita pra caralho sem se encolher como um bichinho assustado apesar de tudo — ele torceu o lábio. — Ainda. Você não tem que se preocupar com o que eu estou pensando. Esse é o seu jeito da mesma forma que o meu é o meu, então...

Ele deu de ombros em um gesto que só poderia ser interpretado como "foda-se", e eu me senti internamente compreendida, curiosamente, através da aceitação de nossas diferenças. E não era comum ver um palavrão escapando dos lábios de Ethan, então me senti mais motivada a me deixar levar por suas, estranhamente, reconfortantes palavras.

— Mande algo suculento agora — incentivou ele, terminando seu sorvete e inclinando-se para frente na mesma posição que eu.

— Meu primeiro beijo foi aos dezessete anos, na janela do meu quarto — confessei. — Minha mãe viu o garoto saindo pela janela do meu quarto, mas não disse nada até o dia em que o apresentei para eles no almoço de domingo.

Ethan ergueu as sobrancelhas, surpreso. — Isso é recente.

Queria que nunca tivesse acontecido.

— Eu não suporto multidões — continuei, ignorando a curiosidade que surgiu em seus olhos. — Ser o centro das atenções é uma espécie de tortura para mim, e eu não escolho uma noite agitada acima de uma no meu quarto.

— Nunca? — indagou, soando incrédulo.

— Não mesmo.

Ethan ponderou, mas fez a sábia escolha de não comentar sobre isso.

— Meu primeiro beijo foi aos... Treze, se bem me lembro, no quintal da minha casa. Foi babado e desajeitado e Alyssa terminou de arruinar o episódio quando mentiu para meus pais que eu estava fazendo coisas obscenas. Levei uma hora convencendo-os de que tinha sido um beijo; meu primeiro e traumatizante beijo.

Eu gargalhei, sem me preocupar em esconder dessa vez.

— E eu sou muito chato sobre ter meu próprio espaço, fisicamente e emocionalmente falando — ele fez uma pausa. — Mas tenho que estar em ambientes mais agitados que minha própria mente, então gosto de festas e tal.

— Quão agitada?

— O quê?

— Sua mente — reiterei, — quão agitada ela é?

Ethan assoviou, meneando a cabeça.

— Não queira saber.

Por alguma razão estranha, um sorriso se espalhou por meu rosto. Acho que um miserável reconhece outro miserável com simpatia, não aversão, então.

— Está bem — abanei a mão no ar. — Você não tem que me dizer. Mas é bom saber que temos coisas em comum.

— Você percebe que é bom gostar das mesmas músicas, filmes e comidas do que bagagem emocional, certo?

Bem, sim? Mas este não era o nosso caso, e também não precisava necessariamente ser algo ruim.

— Tanto faz — suspirou ele, endireitando-se. — Vamos lá. Vamos caminhar um pouco.

As ruas estavam silenciosas e bem iluminadas como sempre. Tudo ao nosso redor parecia úmido e grudento por causa da oscilação do tempo com a garoa e a neblina e sol rachando pela manhã, mas o ar tinha cheiro de grama e terra molhada conforme avançávamos pelas calçadas estreitas da minha vizinhança. Os olhos de Ethan percorriam tudo com interesse, desde as lojas até as enormes casas que desciam pela rua, os jardins repletos de flores e utensílios caros que não possuíam utilidade alguma além de estarem ali para enviar a mensagem de "eu posso ter tudo isso porque tenho dinheiro".

Estava prestes a dizer algo, qualquer coisa para quebrar o silêncio, mas meu pé escorregou em uma pequena poça de água e eu escorreguei, abrindo meus braços em busca de qualquer apoio. Por favor, não. Cair de bunda será a gota d'água e eu irei me mudar para o Brasil depois dessa.

No entanto, Ethan era um milhão de vidas mais ágil do que eu e antes que atingisse o chão, ele segurou meu cotovelo com firmeza, mantendo-me em meus pés.

— Obrigada — pigarreei, tentando me livrar do constrangimento aquecendo minha pele.

Eu esperei alguma piada de humor medíocre, porém, Ethan se limitou a deslizar a mão por meu braço nu e envolver seu braço no meu, como se quisesse se certificar de que eu não escorregaria novamente. A pele do meu braço absorveu o calor da sua por cima da camisa escura dele e os pelos da minha nuca arrepiaram, fazendo aquela sensação gelada e quente ondular em minha barriga como uma onda infinita de calafrios felizes.

Nós não havíamos entrado nesse terreno ainda.

Tocar.

E até então, ele era exatamente como eu imaginava todas as noites: quente, duro e macio ao mesmo tempo. Firme.

Em silêncio, ergui minha cabeça para poder ver seu rosto. Eu quase não alcançava seu ombro com meus 1,75m, o que era absurdo porque eu sempre regulei com a altura dos caras com quem saí. Talvez porque eu os escolhesse justamente por avaliar suas aparências e escolher os mais inofensivos.

As íris avelã verificavam o caminho a nossa frente, sua quietude me atraindo como uma mariposa em torno da luz. Ethan poderia não ser o melhor com as palavras, mas eu as queria. Eu queria extorqui-las dele pouco a pouco até que ele as desse por livre e espontânea vontade, porque sentia que eu era digna.

Mas todas as características dele — que eu havia notado — não eram limitações. Era ele. Não como eu, que só queria manter meus segredos a salvo; manter-me a salvo de um futuro consequente do passado que marcava profundamente minha pele com a mais espessa vergonha. Era rigorosa, todos os dias me lembrando de que uma vez um garoto bonito também me fez sentir nas alturas.

Ethan não era assim, provavelmente, mas não significava que eu ainda não acabaria de uma forma parecida por circunstâncias diferentes só porque ele estava segurando meu braço e caminhando tão lentamente quanto podia para me acompanhar, ou porque agia como se ansiasse por minha companhia tanto quanto eu estava começando a ansiar pela sua.

Eu não queria ter medo porque não queria que ele tivesse medo.

Não queria recuar porque não queria que ele recuasse, mas então, quem garantiria minha segurança se eu não podia resistir ao caos taciturno e voraz que residia naquelas tão lívidas íris avelã?

— Então, estamos mesmo fazendo isso — comentei, ansiosa para ouvir sua voz novamente.

Eu não queria que ele se fechasse, mesmo que tivesse que sacudi-lo para arrancar algumas palavras nessa noite. Antes que se tornasse mais frio e antes que o sol surgisse. Aqui, nestas horas secretas das quais ninguém saberia, eu o queria ao meu lado contando-me mentiras ou meias verdades — qualquer coisa — antes que o inevitável acontecesse.

Porque alguém iria recuar.

Alguém sempre fazia.

— Caminhando no seu bairro chique? — Ele sorri. — Aparentemente.

Empurrei seu ombro, aproveitando que podia usá-lo como apoio o quanto quisesse — e cara, que bíceps. Ele sacudiu a cabeça, revirando os olhos dramaticamente.

— Sim, eu sei — Ethan olhou para mim, precisando inclinar o queixo apenas um centímetro. — Estranho demais, certo?

— Certo.

— De zombar da sua camiseta do Shrek... — Ele parou, apertando delicadamente meu braço no dele. — A propósito, você não a queimou nem nada, né?

Eu o queimaria antes de queimar minha camiseta.

— Não — uma risada abafada correu por meus lábios. — Eu decidi usá-la só em casa, no entanto. Como em só no meu quarto.

— Hã — Ethan divagou, arqueando as sobrancelhas. — Uma triste perda para o mundo, então.

Engraçadinho.

— Você tem que ter algum prazer secreto do qual se envergonha — insisti, sem tirar meus olhos dele. — Vamos, me conte. Temos que ficar quites, certo?

Ethan tentou esconder um sorriso e como se a consciência de algo o despertasse, ele permitiu que um sorrisinho resignado, mas genuíno, surgisse em seu rosto. As marcas de riso nas bochechas fizeram algo quente correr em meu peito, porque de repente, eu o queria rindo até sua barriga doer. Eram pensamentos estranhos e desordenados que me invadiam a cada momento mais adentro nessa noite, e uma vez se instalando na minha mente, não queriam ir embora.

Como eu faria isso se mal conseguia não vomitar de nervoso, ainda?

Gentilmente, aguardei com um olhar ansioso no rosto.

— Eu não sei — ele estalou a língua no céu da boca, inclinando a cabeça pensativamente. — Não há algo que eu realmente me envergonhe se me faz bem. Talvez assistir os filmes de romance da Allie, às vezes.

Sim, eu podia pensar nele espremido no sofá sendo "forçado" a assistir filmes clichês, lutando para esconder sorrisos em uma carranca mortal quando o casal finalmente se declarava.

— Eu não consigo imaginá-la como uma garota dos filmes de romance — apontei, divertida.

Ethan franziu o nariz. — Absurdo, né? Acho que é para equilibrar com a personalidade assustadora dela.

Nós dois rimos, longe de estar caçoando dela. Aquele familiar brilho que só cintilava em seus olhos quando ele falava de algo que amava — especialmente os irmãos — retornou aos seus orbes e eu desviei o olhar, despreparada para a intensidade contida que ele deixava escapar na superfície em momentos raros e fugazes.

Nossos pés avançavam lado a lado conforme fazíamos caminho rua abaixo, desalinhados e errantes porque estávamos simplesmente andando sem rumo, semelhante à noite em que dirigimos por toda a cidade ignorando o fato de que éramos desconhecidos àquela altura. Por mais tolo que soasse, eu me sentia mais próxima dele esta noite, e isso fazia meus pulmões tornarem minhas respirações mais fáceis, menos dolorosas.

Não conseguia explicar a maneira que meu coração estava ali, descansando dentro do meu peito e muito bem escondido, vital e esperançoso, há muito tempo esquecido no silêncio dos meus lábios e assustado com o barulho em minha mente. Eu não deveria me sentir assim quando o conheço há tão pouco tempo, se esse fosse meu único erro, entretanto.

Mas eu sentia. Assim como ele passou a sentir desde que nos encontramos.

Não tenho medo de Ethan Young porque ele parece tão arruinado quanto eu.

Tenho medo do que ele representa, e tenho medo de não ter forças o suficiente para ficar em pé se algo acontecer.

— Me conte sobre seus pais — eu pedi suavemente, encarando seus lábios e implorando para vê-los tremulando com mais um pouco de suas palavras esquecidas. — As boas lembranças.

Ethan vacilou pela primeira vez desde que o conheci. A astúcia de sua imponência se curvou, quase imperceptivelmente, mas eu vi. A devastação mal contida que ficava enterrada nas profundezas, porque ninguém neste mundo era capaz de escapar da dor. Ela vinha em pequenas ondas até que você estava se afogando, com os pés presos no fundo e nadando até seu corpo se render.

E mesmo que você chegue à superfície, o mar ainda estará te cercando.

Até você se afogar novamente.

E novamente.

Ethan não sabia que eu havia descoberto o que acontecera, portanto, deixei-o presumir que apenas juntei os pontos e tirei minha conclusão. Em um primeiro momento, impedi-me de pedir desculpas porque jurei que ele soltaria meu braço e voltaria para casa sem me dirigir um segundo olhar, porém, ele apenas soltou um longo e pesado suspiro que se perdeu no ar gelado da noite.

— Meu pai era um grande homem — disse. — Ele cometeu seus erros como todo mundo, mas foi o melhor que já conheci. Ele era honrado, persistente e tão forte que mesmo tendo idade o suficiente para compreender o conceito da morte, ainda jurava que ele mais forte que ela.

Uma rajada de vento frio passou por nós e eu estremeci, pensando em vestir meu cardigã, mas não querendo soltá-lo. Não agora.

— Mas minha mãe era a pulsação da vida dele — Ethan assentiu, reafirmando suas palavras com a convicção de sua alma. — Eu nunca me importei com a ideia toda de estar apaixonado e amar alguém romanticamente e, para mim, não fazia sentido que alguém se entregasse tão completamente para outra pessoa, compartilhasse uma vida, sendo que tudo é tão imprevisível. Nada disso fazia sentido, até que eu os via juntos.

— Eles pareciam se amar tanto — comentei, desviando o olhar.

— Eles amavam — havia um sorriso em sua voz. — Não é como se tudo tivesse sido um conto de fadas, claro. Mas tenho certeza absoluta de que eles se saíram melhor do que a maioria.

Acho que eu entendia isso, porque meus pais também guardavam uma espécie de amor que era extremamente raro hoje em dia. Inabalável, inesquecível e maior do que todas as armadilhas que a vida impunha em seus caminhos. Não conseguia me imaginar sem descer as escadas no domingo de manhã e vê-los trocando carícias às escondidas e sorrindo timidamente quando me notavam.

Não conseguia me imaginar nunca mais vendo nada disso.

Sem vê-los.

— Eu me pergunto — continuou ele, murmurando —, como teria sido se eles não tivessem saído naquele dia. Se tivéssemos pedido para que eles ficassem.

Meu coração ficou apertado, contraindo e queimando enquanto pulsava de forma lenta, mas com força.

— Tudo acontece por uma razão — Ethan torceu os lábios. — É o que dizem, embora não faça sentido. É só mais uma frase vazia dita por pessoas que não sabem quando manter a boca fechada. Em quatro anos, provavelmente ouvi isso e variações mais do que ouvi um bom dia, e até hoje, não sei que diabos estão pensando.

Não sei bem o que dizer. Também não conseguia ver onde perder os dois pais de uma só vez aos vinte anos acrescentaria em algo no qual faria sentido mais tarde; que você compreenderia que aquele fatídico acontecimento havia se destinado por um grande e brilhante motivo que faria suas ausências serem plausíveis. Suportáveis.

Ethan sacudiu a cabeça, dispersando seus pensamentos e olhou diretamente nos meus olhos, prendendo-me na intensidade de seus orbes conhecedores que tanto já viram e memorizaram em tão poucos anos.

— Posso te dar um conselho?

Eu deixei meu rosto suavizar, tocando seu antebraço com a outra mão.

— Claro.

— Não se prenda as besteiras — uma suavidade hipnotizante atravessou seu rosto quando ele sorriu. — É clichê, mas vindo de alguém que sabe o quanto esse clichê pode destruir: você nunca sabe quando é a última vez que vai tocar neles, ou vê-los sorrir. Merda, ou até mesmo ouvi-los brigar com você.

Lágrimas picaram atrás dos meus olhos, porque inadvertidamente senti-me como se fosse eu e a ideia de perder alguém que amo tão bruscamente parece insuportável. Eu não aguentaria. Meus pais eram o centro do meu mundo. Eles eram bons, atenciosos, sempre dispostos a colocar o mundo aos meus pés — mesmo meu pai, apesar de nossas recentes desavenças. Eu sabia que ele me amava mais do que qualquer coisa, apesar de não gostar de mim em determinados momentos.

Mas a vida funcionava dessa maneira e víamos acontecer todos os dias.

Só nunca pensamos no que faremos quando for conosco.

— Eu não guardo nenhum remorso da última vez que os vi e mesmo assim há arrependimentos, porque na morte sempre queremos ter a chance de ter feito tudo diferente. Ter pedido desculpas pela briga boba de sexta à noite e ter largado o celular quando estava na sala com eles, apenas para conversar mais um pouco.

Ethan passou a língua nos lábios, molhando-os antes de continuar.

— Ou ter os feito rir mais, ter ajudado nos programas bobos que eles inventavam para ficar ao nosso redor — ele sorriu, divertido. — Principalmente quando somos adolescentes.

Você guarda algum remorso de verdade? — perguntei. — Algo que você realmente se arrependa de não ter dito ou feito?

— É diferente. Eu me arrependo de não ter feito mais, mas sei que não fiz nada que me fizesse sentir remorso. Porque remorso pode te comer vivo, mais do que arrependimentos jamais farão.

— Eles estavam felizes? — Franzi o cenho, genuinamente curiosa. — Na última vez que vocês...

— Sim — ele me interrompeu, cheio de segurança. — Eles estavam. Esse é o meu conforto.

Assenti, não querendo pressioná-lo além do que era suportável para ele. Não era um conselho do qual eu divergia, e também não era um conceito desconhecido para mim, mas vindo de alguém que valorizava tudo porque sabia como era perdê-los era diferente; como se tornasse mais possível, mais crível.

Uma dor como essa deve mudar uma pessoa.

Transformá-la completamente a um ponto do qual não haverá retorno. Talvez isso explicasse a frieza de Ethan e Alyssa; como se parte deles também estivesse morta para sempre.

E era um pensamento tão triste que eu estremeci, arrepiando-me com um calafrio intenso que fez meu peito queimar.

— Cara, eu sei mesmo como criar um clima — Ethan resmungou ao meu lado, irritado.

Baixei meu rosto, um sorriso divertido esticando meus lábios gelados.

— Não, está bem — eu dei de ombros. — Nós já sabemos que somos uma droga nisso, certo?

— Eu nunca fiz isso, sabe? — disse ele, calmo. — Com uma mulher.

Confusão contraiu meu rosto em uma careta quando procurei seus olhos em busca de uma explicação. Talvez eu estivesse vendo para mais ou talvez fosse o ar gelado, mas havia um tom rosado no alto de suas bochechas onde a barba escura não alcançava.

— Fez...? — deixei a perguntar pairar, observando a maneira como sua mandíbula estava endurecida com algo irritadiço, frustrado. — Ethan?

Conversar — ele respondeu, baixinho. — Nunca quis... Nunca senti vontade de deixar alguém me conhecer.

Meu peito começou a palpitar, pulsando na veia do meu pescoço e reacendendo o calor em meu sangue. Ele nunca conversou com uma mulher? Isso era impossível dado o seu histórico com metade da cidade e considerando que ele estava longe de ser invisível no campus. Ethan era lindo, inteligente, seguro. Poucas mulheres não se sentiriam atraídas e ele, definitivamente, já conhecera uma pela qual não pode resistir.

Porém, me ocorreu.

Ele não estava apenas conversando. Nós não estávamos.

Era meia noite e estávamos vagando pelas ruas apenas porque estávamos mais interessados em apreciar nossa companhia do que nos preocuparmos em seguir uma direção fixa. Não precisávamos demarcar limites, porque quando tentamos, nunca conseguimos.

Era como tentar fazer com que duas almas perdidas se comunicassem.

O que elas farão se forem obrigadas a seguir por um determinado curso senão o seu próprio?

Elas serão esquecidas, porque jamais o encontrarão.

Ethan piscou para longe e eu arriscaria dizer que ele estava envergonhado, arrependido por ter deixado essa verdade vulnerável escapar. Entretanto, ele não deveria se sentir dessa maneira, e o pensamento de que sua honestidade só ia até onde ele permitia deveria me enervar, mas só estava tornando-o mais impressionante aos meus olhos. Somos semelhantes, mas completos opostos. Conhecemos dores diferentes e temos nosso próprio passado e lidamos com eles de maneiras distintas, mas dor é dor e eu ainda podia ver o reflexo da minha vergonha em seus olhos e, cedo ou tarde, ele veria a minha também.

Portanto, não fiz nenhum comentário sobre sua revelação. Ele se permitiu ser vulnerável esta noite, e eu estava lhe dando a liberdade para ser quando quisesse. Se a noite fosse quando Ethan Young se deixava levar e abaixava a guarda para o mundo, eu gostaria de estar com ele na maioria delas.

Encostando minha cabeça em seu ombro, não me importei com o frio, porque meu corpo estava absorvendo o calor do seu. Caminhando ao seu lado e sem rumo, não me importei quando as estrelas adormeceram e o sol começou a surgir na linha azulada e alaranjada do horizonte.

Não me importei em estar perdida até o sol nascer.

De todos os cenários que imaginei, nada poderia ter me preparado para isso.

Ethan Young era frio, taciturno e emocionalmente distante.

Não vulnerável.

Não com o mundo, porque essa opção não lhe era aceitável.

Mas comigo, aqui estava ele.

Um Ethan vulnerável não é nada menos do que uma perdição para todas as regras que eu precisava manter para salvar a mim mesma no fim desta história.

Esse capítulo tá na lista dos meus preferidos :')

Vocês acreditam em alma gêmea? Que exista alguém que talvez tu nem conheça ainda e que ao encontrar, vai bater um tipo de sintonia que vai te fazer gravitar até essa pessoa de qualquer forma, com distância ou não, muito além do que pode explicar? Só em ouvir a voz, olhar, tocar? Estar perto?
[Sabendo que almas gêmeas não existem apenas no sentido romântico]

Vejo vocês no próximo!
💜

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