Amor

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Olá Amor, meu amigo.

          Não sei dizer por que me refiro a você no masculino, parece-me uma convenção a se pensar, mas não foi nada disso que vim lhe falar. Achei que você chegaria como um furacão, que me romperia o peito com tanta emoção, mas isso não aconteceu, né?! Sabemos bem disso.

          Por bastante tempo achei que nunca tinha te visto, que você estava em alguma caverna platônica onde eu não conseguia alcançar. Cheguei até a pensar em me internar. Achei que havia algo de muito errado comigo. Comecei a usar óculos, e ainda assim não te enxerguei. Não conseguia sentir isso que todos estavam a falar.

          Procurei em vários lugares. Até achei que você estava lá, mas não imaginava quão sorrateiro você seria. Você sempre apareceu em filmes e livros, e eu sentia todas aquelas intensidades, mas não achava o amor da minha vida. O que será que acontecia? Era tudo o que eu pensava, então nem via o que já estava acontecendo.

          Não tinha mais a ilusão do cavalo branco, ou da torre mais alta, ou qualquer uma dessas coisas fantasiosas, que eu achava que eram fantasiosas. Nem sabia direito, só achava que saberia te reconhecer no momento em que você aparecesse. Mas você não apareceu. Você sempre esteve por aqui, por aí, por ali. Não era o que eu esperava.

          Achei que você seria vaidoso, pomposo, mas descobri que você só é bem tempestuoso. Você vive calado e tímido na maior parte do tempo, então acabou deixando que te confundissem com outras emoções. Queria que você soubesse que tem uma beleza única. Às vezes acho que é muito bonito, mas confesso que não é sempre assim.

          Achei que você seria mais certeza, como quem tem todas as escolhas feitas, mas você acabou sendo mais simples. Acho que você é exigente e humilde, e tem momentos em que isso é bem conflituoso. Acho que gastei muito tempo querendo te entender, mas só é possível saber da sua existência sentindo. Às vezes sinto muito por ter demorado a te reconhecer, mas às vezes penso que era para ser exatamente assim.

          Quis escrever, e acho que você é daqueles que gosta de receber uma surpresa carinhosa, como uma correspondência. Gosto de você, porque acho que nós dois somos demais, não sabemos fazer só um pouco, medir a intensidade, calcular a comorbidade. Somos muito, e muitos. Talvez seja essa fala silenciosa, essa confiança sorrateira que nos faz sermos demais sem sermos percebidos.

          Isso já aconteceu com você? Quando percebem todo o seu tamanho, muitas pessoas se assustam. Afastei muita gente assim. Ou, talvez, mantive o que foi necessário delas. Mas acho que isso é outra carta para se escrever, para o tempo.

          Só quero dizer que te reconheço, às vezes melhor e às vezes pior. Acho que nisso nunca vou conseguir dar um jeito. Mas, de qualquer maneira, não acho possível viver sem você. Achei que era meu dever te encontrar em rostos apenas, mas percebo agora que isso é uma imagem bem supérflua de todas as suas facetas. Acho que estou aprendendo toda a sua dimensão. E talvez seja assim para todo o sempre desta existência.

          Sempre me disseram insuficiente, com pouca idade, pouca vivência, pouca experiência, pouca maturidade, pouca coisa que não existe e é tudo coisa que a gente que inventa. Mas consigo ver que você é singular nas suas relações. Você cresce junto com a gente. Percebo que é extremamente frágil e resiliente. Talvez só você consiga juntar algumas palavras num mesmo contexto. Isso me emociona e me diverte.

          Acho que, por enquanto, só tenho isso para te falar. Não quero tomar mais do seu tempo. Espero que sempre possamos nos reencontrar.

                                                                                                                       Com um pouco de confusão e carinho,

                                                                                                                                                       Eu.

CorrespondênciasWhere stories live. Discover now