Fim de outubro

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No fim de outubro daquele ano, Anne visitou Gilbert na faculdade de medicina pela primeira vez, e ambos concordaram que foi uma época esplêndida a escolhida, já que Toronto tinha sua beleza realçada no outono, entre o delicioso aroma de abetos desfalecendo, levado pelo vento fresco e surpreendente vivaz da época.

Folhas alaranjadas caídas no chão formavam um tapete crocante na estação de trem quando Gilbert foi buscar sua noiva naquele sábado ensolarado, e ter que atravessá-lo para chegar ao sua amado fez Anne lembrar-se de uma noiva atravessando a igreja no dia do casamento.

Lá, ela ficou em uma doce hospedagem, repleta de árvores, bem próxima de onde Gilbert morava há tantos meses. Eles saíam todos os dias e ficavam das oito da manhã até às oito da noite juntos. Tudo correu como planejado; ao fim da visita, Anne estava certa que jamais teria dias mais perfeitos que aqueles.

A velha camaradagem andava sempre junto com o romance novo que havia surgido entre os dois, e entre risos, piadas, pequenas discussões e beijos, eles seguiram aproveitando seu tempo juntos. Anne se encantou por cada lugar, cada pessoa (embora os moradores de Toronto não fossem lá muito amigos), cada perfume, cada vento, cada som, cada insignificante folhinha caída de uma árvore.

Eles conversaram muito, haviam inúmeras novidades, ao menos da parte de Gilbert. Ele estava muitíssimo entusiasmado com a medicina e como poderia ajudar as pessoas quando se formasse.

- Descobrir todas essas coisas Anne, é como... um sonho que está se realizando! - disse ele certa vez.

- E este seria o único sonho que está se realizando para você, meu caro Gilbert? - rebateu Anne provocativamente, com um sorrinho de lado. Ele a olhou com um sorriso.

- Você sabe, ruivinha!

Eles também visitaram a pensão de Gilbert, a enorme faculdade (muito maior que Queen's!), os parques e atrativos da cidade, e a casa dos Ambrose. Todas as noites, era ali que ambos iam jantar: na primorosa companhia de Stella, John, Cristy Ambrose e os pais deles. Gilbert, pela primeira vez, apresentou Anne como "minha noiva", e ficou radiante de orgulho!

Ah, e Anne adorou todos eles, os amigos de Gilbert, especialmente a pequena Cristy! Ela sempre adorou crianças, e aquela em particular tinha tanta graça e sensatez para uma garotinha de 4 anos!

Bom, Anne decerto não chamaria Stella Ambrose de "alma irmã", mas ainda assim, ela era uma jovem educada, inteligente e divertida, uma boa companhia. E John encheu a noiva de Gilbert de elogios, por enfim ter conhecido a mulher que o amigo mencionava a cada segundo!

Além disso, mais uma figura foi convidada para os jantares, uma prima dos Ambrose, que estava na cidade. O nome dela era Enola, o que causou incrivel curiosidade e admiração em Anne. "'Enola' pode ser até mesmo melhor que Cordélia!" chegou a pensar.

Enola era uma moça de 16 anos simplesmente linda. Tinha cabelos castanhos encaracolados e na primeira noite em que se viram, usava um vestido vermelho que contrastava com sua pele clara, deixando-a estonteante. Mas nem de longe sua aparência era a coisa mais surpreendente nela! Era sagaz, inteligente e esperta, levemente misteriosa, sempre atenta aos detalhes, e dona de uma língua ainda mais afiada que Rachel Lynde.

E mais: nas noites seguintes, Enola deixou o vestido de lado e usava calças, sem nenhum espartilho! Tinha um pretendente, e mesmo assim, vivia rindo e debochando das atitudes dos homens. Ela era, nada mais e nada menos, que uma "alma irmã" para Anne, e naqueles três dias tornaram-se amigas tão íntimas que poderia se afirmar que se conheciam há anos!

- Eu acho que vou experimentar seu modelito um dia desses... - riu Anne em uma das conversas delas após o jantar, sozinhas na sala de visitas enquanto os homens fumavam charutos no cômodo ao lado, e Stella e Cristy já tinham ido para cama. - Já usei calças certa vez, mas eu estava me fingindo de garoto. Agora, quero usá-las sendo Anne. Mas... fico um pouco insegura, sabe? Desde sempre aprendemos que vestidos são para mulhares e calças para homens, e apesar de eu achar isso uma imensa bobagem, não é algo tão simples de ignorar.

- Ah Anne... Minha mãe me disse algo certa vez. "Pinte sua própria imagem. Não se deixe distrair por outras pessoas, especialmente homens!". Use calças, garota! - Enola deu de ombros, rindo. - Mas é de fato, muito triste pensar que tantas mulheres gostariam de usar calças mas se sentem oprimidas e constrangidas...

- "Há algo de errado no mundo, que um dia será corrigido." - citou Anne, sonhadora, referência ao poema The Miller's Daughter, de Alfred Tennison.

- Se for assim, será um mundo sem homens. - brincou Enola. Ou talvez não estivesse brincando.

- O que os homens fizeram agora? - perguntou Gilbert ao entrar na sala.

- Idiotices, é claro. O que mais sabem fazer? - respondeu Enola sabiamente.

- Foi Eva quem comeu a maça, senhorita Enola. - rebateu Gil. Anne e Enola riram. A risada de Anne era prateada, e a de Enola dourada, e a combinação das duas era tão satisfatória quanto um acorde musical perfeito.

- Mas foi uma criatura do sexo masculino que a tentou. - retrucou Enola, triunfal, acabando com a discussão.

No dia seguinte, as duas saíram e compraram um par de calças para Anne!

Anne e Enola:

Anne e Enola:

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Continuação de Anne com EWhere stories live. Discover now