Uma carta de Bash

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Propriedade Blithe
Avonlea, Ilha do Príncipe Eduardo
Segunda-feira, 12 de Maio

Excelentíssimo Doutor Blithe,

Boas notícias, amigo! Você acertou: haverá mesmo um casamento logo. Que sorte a minha! Um dia depois que você voltar para Toronto, tentei ir novamente à casa da senhorita Stacey, com o intuito de fazer o pedido. Consegui chegar até lá desta vez, mas, bom, eu não disse nada além de "Bom dia. Bom te ver, Murial. Então até logo", e fui embora muito apressado. Mas não ria ainda, Blithe! Você sabe que não sou um homem de derrotas.

Quando recebi sua carta na semana passada, informando-me que você (um garoto ainda, que nem consegue levantar o lápis) estava noivo, ouvi um estalo na minha cabeça: eu precisava agir. Aliás, preciso dizer mais uma vez: Eu sabia que Anne era a sua garota o tempo. Eu estava certo, admita!

Então, naquele instante, eu deixei Delphine com minha mãe e saí correndo (literalmente correndo) da casa. Você sabe Blithe, sempre tive certa confiança com as mulheres. Mas com Murial... bom, eu nunca me senti mais perdido. Porém, quando me dei conta, eu já estava na porta dela, sendo observado por aqueles olhos castanhos inquisitivos e divertidos, me convidando a entrar.

Envergonhado, assumo que eu suava como porco indo para o abate, e que quis fugir pela terceira vez. Mas não o fiz, e esta foi a melhor escolha que pude tomar. Pois no instante seguinte... você não vai acreditar! Nem eu acredito ainda! É melhor respirar fundo antes que eu lhe conte, sim?

Bem, antes que eu sequer pudesse dizer (ou melhor: gaguejar) alguma coisa, a senhorita Stacey me interrompeu: "Sei porque está aqui. Sei porque parou de ir pescar, e porque está agindo tão estranho comigo". Ela sabia mesmo, e monologou sobre isso como um papagaio durante meia hora.

Ela andava de um lado para o outro, gesticulando e falando bem rápido e sem coerência alguma... parecia a sua Anne. Eu nem conseguia acompanhar seus pensamentos! Murial falou sobre seu antigo amor, sobre quando chegou a Avonlea, sobre Mary, sobre quando me conheceu, sobre Delphine, sobre quando começamos a pescar juntos, sobre minha mãe e Elijah, sobre a senhora Lynde, sobre ela mesma, sobre mim, e posso jurar que até disse a palavra "pirata" em algum momento.

Eu não parei de engolir em seco durante todo esse tempo, estava nervoso.

E quando acabou, realmente parecia que ela tinha me dado uma longa e complexa recusa. Mas me enganei! Foi aí que a maior surpresa da minha vida me pegou desprevinido: no momento em que Murial parou de andar e tagarelar, quando enfim olhou de verdade para mim desde quando eu tinha chegado... ela me beijou!

Nós dois já perdemos um amor, e não esperávamos encontrar outro, sabe? Mas aconteceu, e por conta disso nos entendemos de uma forma que vai além. De repente, me enxerguei imerso em um sentimento forte demais para ser negado.

Não vou contar detalhes Blithe, mas naquele dia findamos nosso noivado. Não pude oferecer um anel, é claro, mas ela não se importou. Também não se importou com o que o povo de Avonlea matraquearia. Ela simplesmente... aceitou! Nunca me senti mais feliz.

Bom, isso não é de todo verdade. Já sim, me senti tão feliz quanto, pois outra mulher que eu amava tão intensamente quanto amo Murial outrora aceitou casar-se comigo também. Mas sei que você me entende, Blithe.

É felicidade, e é amor. Mas não é a mesma felicidade e o mesmo amor. É algo tão novo com Murial quanto foi com Mary. E de repente, eu não me sinto mais culpado. Depois que mandei aquela carta à Mary, senti que ela me concedeu suas bênçãos. Não era ela que me impedia de fazer o pedido, era eu mesmo. E saber que minha filha terá uma figura maternal em sua vida me deixa muito feliz.

Ah, você está achando que as novidades acabaram? Definitivamente não, amigo. E de noivo para noivo, elas seriam até consideradas ruins se eu não estivesse tão contente com a senhorita Stacey ao meu lado: não poderemos nos casar em Avonlea.

Recusaram-se a juntar "um homem de cor" e "uma professorinha petulante". Eu mal pude acreditar, na hora quis bater naquele reverendo de meia tigela! Murial também ficou muitíssimo indignada, mas manteu a calma, o que fez com que eu me acalmasse também. Vê como esta mulher faz com que eu seja um homem melhor?

Elijah também não ficou nada feliz com nossa união. Mas a forma como ele mudou desde que o aceitamos me surpreende mais a cada dia, me dá esperanças. Acredito que tudo pode dar certo nesta casa afinal.

Iremos nos casar então em Charlottown. Já assumimos oficialmente o compromisso, e ninguém o aceitou maravilhosamente bem, exceto as pessoas que realmente importam: minha mãe, os Cuthberts, os Barry, os Lynde. E isso faz com que eu me sinta realizado. Chamaremos eles apenas, nossos amigos, e será uma cerimônia simples, mas charmosa.

Murial ainda está decidindo tudo. Assim que tivermos mais notícias, eu aviso, padrinho. Aliás, minha noiva (como eu adoro chamá-la de minha noiva!) está pensando em chamar sua Anne para ser a madrinha do casamento, o que acha?

Foi uma pergunta retórica, Blithe. Eu sei que você adorou!

Até logo,
Bash

Continuação de Anne com EOnde as histórias ganham vida. Descobre agora