Todos em Avonlea

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Foram bastante agradáveis os quatro dias que Anne passou em Avonlea, como descreveu Marilla quando a jovem partiu.

Porém, se a própria Anne fosse descrevê-los, provavelmente diria coisas como: "ah Marilla, foram os dias mais maravilhosamente sublimes com os quais eu já me deparei em toda a minha inestimável vida! Foi como se, após um longo período de seca, eu houvesse alcançado o oásis dos meus mais fantasiosos sonhos!" ou "Ah Matthew, jamais voltarei a usufruir de mais etéreos e doces tempos do que o fiz aqui em Green Gables, no meu verdadeiro e pitoresco lar, onde aspirei estar por tanto tempo. Irei sempre guardá-los na memória, para que me lembre deles aos 80 anos, e sorria".

Bom, fora isso que Marilla quisera dizer. Foram mesmo momentos demasiadamente proveitosos para todos. E quando digo todos, são realmente todos. A velha turma inteirinha estava lá! Não apenas Anne, Diana, Ruby, Jane, Josie e Tillie, como também Gilbert, Moody, Charlie, Billy e Cole (sim! Embora um dia depois, o querido Cole também estava presente). Até mesmo Prissy!

Impressionantemente, todos foram simpáticos. Até mesmo Billy, que dissera cordialmente a Anne: "bem, orfã... você está quase bonita neste vestido."

E, é claro, ela viu todos os adultos de quem sentira falta e todos os lugares cujo causaram-na quase insuportável saudade.

Marilla queria a companhia dela a todo momento, não gostava que ela saísse para ver outras pessoas, mas já havia aprendido com o tempo a conceder a filha mais liberdade, afinal a rebenta já era uma... mulher?

Ela também fez seus famosos bolinhos de ameixa para Anne todos os dias, de tão feliz! Matthew brincava: "quem a está mimando agora, hum?". Ele, acanhado como sempre por fora, mas extasiante por dentro, e a ruivinha, conversaram muito amavelmente no celeiro por horas, onde Anne viu Belle e seu bebê! Ah, bebê uma ova. O potrinho já estava enorme!

E a senhora Rachel a convidou para um chá certa tarde, deixando-a a par de todas as fofocas da cidade. Secretamente, mas bem secretramente mesmo, Anne adorou.

Jerry, seu irmão adotado e já praticamente um homem, alegou enquanto ela o ajudava com os afazeres da fazenda (fez questão de ajudar agora que estava em casa!), que estava aprendendo de graça um pouquinho todos os dias com a senhorita Stacey, e que havia conhecido uma garota francesa, de nome Milly, por quem se interessava. O coração do pobre rapaz estava contente outra vez.

E a senhorita Stacey, embora parecesse levemente misteriosa e esquiva, porém extremamente sorridente, quando foi visitar Anne, havia ficado feliz com seu progresso em Queen's e com a vida nova que a moça estava aprendendo a levar. Murial não era mais a jovem professora que chegara há tantos anos em Avonlea com o desejo irrefreável de ficar, calças, e um romance trágico nas costas, mas ainda cativava com seus conselhos e ensinamentos a frente de seu tempo.

As duas tiveram uma longa conversa sobre o futuro na cozinha de Green Gables, e se emocionaram juntas. Tudo acabou, é claro, com um abraço que refletia aquela linda amizade.

Meu Deus, Delphine Lacroix estava enorme! A linda e bochechuda Delphi havia crescido um bocado desde que Anne a vira pela última vez, e ficava cada vez mais fofa, e cada vez mais parecida com Mary...

Sebastian, a mãe dele, e Elijah, por outro lado, tinham diversas rusgas e desentendimentos na casa Blithe. Apesar disso, Sebastian parecia estranhamente mais feliz, como reparou Anne, curiosa. Mas, pouco a pouco, tudo se encaixava. Ainda restava esperança naquela família maluca, pois apesar das rusgas, um amor genuíno e quase tangível, começava a crescer com força e determinação entre eles.

Ah, e ainda no segundo dia da chegada dos estudantes, Gilbert (que precisava do primeiro dia para preparar-se psicologicamente) compareceu a Green Gables, e comunicou a Matthew e Marilla seu interesse em Anne. Ele chegou bem cedo e os quatro reuniram-se na sala de estar, suando como porcos indo para o abate. Os mais velhos ficaram levemente encabulados inicialmente, mas para a surpresa de todos, disse Marilla com um sorrisinho travesso no rosto:

- Bem... todos já sabíamos.

E depois disso o clima não pôde ser melhor.

Bem, além das casas de alguns vizinhos, Anne Shirley também visitou tipos diferentes de amigos: todas as tardes, durante o ocaso, saia sozinha para passear pelo Caminho Branco do Encantamento, o Lago das Águas Brilhantes, a Floresta Mal-assombrada, a Travessa dos Amantes, a Estrada Branca do Deleite, o antigo clube de contos, a praia... Estavam todos como sempre foram, ao contrário das pessoas, como se tivessem simplesmente parado no tempo e esperado pela volta da menina que os batizara.

Enquanto espairecia com aquelas paisagens naturais típicas de sua infância, a estudante pensava na vida.

Em Charlottown, Anne vivia ocupada com seus estudos e vida social, com a necessidade de ser o tempo todo adulta e respeitável. Mas voltando a Avonlea, ela sentia que podia ser quem quisesse. Melhor ainda: podia ser a garotinha que sempre fora. Podia falar com árvores e animais sem ter medo de ser escutada por pessoas sem imaginação e taxada de louca, podia soltar a língua e seus mais infantis, tolos e vaidosos pensamentos, e podia vestir simples vestidos de campo, usar suas icônicas tranças, e galochas confortáveis! Podia cavalgar com uma perna de cada lado!

Sim, senhoras e senhores, Anne sentiu falta de seus vestidos simples.

Porém, ela tinha consciência que as pessoas cresciam; mudavam; evoluiam. E por mais que sentisse saudade de seus 11 anos, os 17 lhe aguardavam, e isso causava uma sensação muito agradável nela, como se houvesse uma curva logo ali na estrada da vida, que a levaria para um futuramente compreendido e esperançoso caminho. Embora um pouco de apreensão também, mas que supôs ser normal, tendo em vista ainda mais mudanças pela frente. De qualquer maneira, seria uma nova etapa de sua vida, e ela poderia torná-la tão frutífera quanto a anterior.

***

O dia que Anne mais se afeiçoou fora o último. Um piquenique para ela e os demais, que teriam de voltar para a escola, foi feito no pomar de Green Gables durante uma ensolarada e fresca manhã. Inicialmente, estavam todas as pessoas queridas ali, e até as menos queridas se fossem parentes, apenas festejando, conversando, gracejando, flertando, se divertindo... se despedindo.

Nunca o povo de Avonela esteve mais em harmonia, e mais em paz, na presença dos demais.

A cada hora, eles iam partindo, até que apenas restaram Anne, Diana, Ruby, Gilbert e Moody, observando ociosamente o pôr do sol, de quando em quando trocando algumas palavras amistosas.

A noite caiu, e uma fogueira foi acesa no meio deles, sentados em roda com álcool passando de mão em mão, esquentando-os e iluminando-os frente a escuridão e o frio daquela noite estrelada.

Não demorou muito, Ruby foi acompanhada para a casa por Moody, quando foi concedido à ela seu tão aguardado, incrível, primoroso e... sim, um pouco estranho... primeiro beijo. Diana tampouco quisera permanecer por mais tempo, sabendo que ficaria de vela, então despediu-se de Anne da forma mais poética que pôde com o novo lema delas e se foi, caminhando por entre os abetos murmurantes que só existiam naquele bosque.

- Lembra-se do que aconteceu da última vez que estivemos juntos próximos a uma fogueira? - perguntou Gilbert sorrindo provocativamente, que ainda sentia o gosto amargo daquela fatídica noite, porém amansado pelo açucar desta outra.

- Fique tranquilo. - sussurrou Anne ao seu lado com uma piscadela marota e devolvendo o sorriso. - Não cometerei o mesmo erro desta vez.

Então, antes que Gilbert sequer pudesse processar estas últimas palavras, Anne o puxou pela gola da camisa e o beijou, intensa e apaixonadamente.

Continuação de Anne com EOnde as histórias ganham vida. Descobre agora