Continuação de Anne com E

Charlottown

- Ah, meninas! Eu mal posso acreditar que já estamos na metade do ano... - sussurrou Anne em uma das tardes imprevisíveis em que todas as estudantes se reuniam em um chá com a Sra. Blackmore e Lily na sala de estar, ao redor da pequena mesa redonda de mogno.

- Eu sei! - disse Jane na poltrona vermelha ao lado da de Anne, em um tom enfadonho e nada animado, tomando um gole de sua bebida. - Daqui há seis meses já estaremos em nosso último ano, e em breve, estaremos formadas! Espero que meus pais não me obriguem a voltar para aquela cidadezinha de Avonlea. - e todas assentiram afirmativamente, exceto Anne, é claro:

- Eu adoraria voltar à Green Gables! Sinto muita falta da pequena Avonlea... É claro, gosto de estudar em Queen's, conhecer novas pessoas e ir à eventos sociais, mas... Me sinto verdadeiramente em casa, somente naquele lugar. Porém, não acho que o destino me levará tão cedo de volta para junto de Matthew, Marilla e os encantos daquele mundinho isolado. Creio que haverá uma curva na estrada da minha vida depois do ano que vem, e que acabarei me deparando com uma outra aventura, ainda maior que essa que estou vivenciando nesse momento! O futuro me aguarda sorrindo, meninas. Não é um pensamento encantador?

- Aventura! - desdenhou impiedosamente Josie Pye, erguendo as sobrancelhas e franzindo os lábios enquanto apoiava o pires em seu colo, sobre o vestido pomposo e rosado. - Você quer dizer "casamento", certo Anne?

Anne corou. Em prol da amiga, Diana tentou mudar, em vão, o rumo da conversa:

- A comemoração dos Wright na semana passada não foi admirável?

- Ah, deve ter sido mesmo... Pra você! - riu Josie, que assim como todos os outros estudantes de Charlottown, já sabia do romance que havia surgido entre a garota e Fred Wright no último semestre. Era um pretendente que conquistara Diana, certamente. Tillie, Ruby e Jane, não conseguiram evitar e riram também.

- A vida não se trata apenas de garotos, Josie! - censurou Diana impacientemente, corando também.

- Sei que não. - anuiu Josie. - Inclusive, acho-os repulsivos.

- Pois eu os acho adoráveis! - discordou Ruby em tom sonhador e apaixonado, perdida em pensamentos e nem notando o sorrisinho que surgira em seu semblante. Estava bem distraida naquele dia, pois Moody havia entregado-lhe um cartão antes da aula, que continha, ou ela achava que continha, palavras extremamente românticas.

- De fato, adoráveis! Principalmente em dobro. - riu Tillie, que continuava a mesma desde que havia saído de Avonlea. Josie revirou os olhos e tomou mais um gole de chá.

- Então... pretende ser uma solteirona, Josie? - perguntou Jane erguendo apenas uma das sobrancelhas, que assim como a Sra. Blackmore, e obviamente Lily, havia se mantido calada até então. Todas ficaram em silêncio e arregalaram os olhos com a pergunta fingidamente inocente. Jane, definitivamente, encontrava certo prazer em colocar o dedo na ferida dos outros. Josie abriu a boca para responder, mas pensou melhor, e a fechou novamente. Eis aqui um momento desconfortável!

- Pois eu não vejo o menor problema em ser uma solteirona! - anunciou Anne em alto e bom tom alguns segundos depois, chamando a atenção para si. Lily, tomando seu chá no canto da sala, sorriu de leve ao ler os lábios da ruiva e compreender suas corajosas e amigáveis palavras.

- Bom, você tem diversos pretendentes. - alfinetou Jane. A Sra. Blackmore, que bordava silenciosamente uma colcha ali próxima delas, ergueu a cabeça, e parecia prestes a dizer "meninas, meninas... sem discussões tolas como esta, por favor!", mas segurou a língua no último instante, como se curiosa para saber o que Anne responderia.

- Perdão? - a ruiva se engasgou com o chá, tamanha sua surpresa. E completou, indignada: - Diversos? Eu estou noiva, Jane!

- Sim, temos este: Gilbert Blithe... que lhe deu o anel da própria mãe! - enfatizou Jane, com aparente ciúmes e inveja mesquinha. - E como se não bastasse... Ah Anne, não vá me dizer que você não estava flertando deliberadamente com Caleb Maud, naquela tarde em que vocês ficaram minutos à fio conversando no portão da casa porque a Sra. Blackmore não permitiu que ele entrasse para uma visita formal! Anne, não fique com raiva. Com o rosto corado desse jeito, coitadinha... você fica toda vermelha.

O silêncio reinou novamente. Um silêncio tenso e assustador. E se estendeu por tanto tempo, que até Jane sentiu-se desconfortável com ele. Na maioria dos dias, o clima era de amizade na casa. Porém devemos admitir que, ocasionalmente, ocorriam alguns atritos entre as meninas, geralmente causados por uma Josie invocada ou uma Jane realmente de mal humor, como neste dia em particular.

Anne, ficara tão furiosa com aquelas acusadoras e ofensivas palavras, quanto naquela tarde em que Rachel Lynde a havia chamado de "feia" aos seus 11 anos. Mas ela havia aprendido a controlar melhor seus impulsos, então apenas fitou Jane, e abriu a boca para dar uma resposta mordaz, quando...

- Oh, Jane! Não seja tão cruel! Você se lembra muito bem que Anne sempre nos disse que se casaria com a aventura!

Quem a defendeu, não fora Diana ou Ruby, e nem mesmo Tillie! Fora ninguém mais e ninguém menos que Josie Pye. Ela mesma: a mesquinha, frívola e maldosa Josie Pye! E como em um ímpeto de repentina empatia, continuou, agora olhando com suavidade de quando em quando para a vítima que defendia:

- Gilbert Blithe, embora sempre estivesse óbvio para nós, fora uma surpresa para a pobre Anne... Independente dela estar noiva agora ou não, o fato é que ela sempre teve a mesma opinião sobre as solteironas! E nós a conhecemos suficientemente bem para saber que ela jamais trairia Gilbert. Céus, vemos escrito na testa dela o quanto está apaixonada! E ainda digo mais: sobre seu cabelo, tornara-se um belo tom de acaju, Anne. Um castanho... levemente avermelhado, apenas isso. E está muito, muito bonito.

Jane, assombrada com a repreenda que tomara de quem considerava sua "aliada", calara-se. Diana, Ruby e Tillie, mal podiam acreditar no que tinham ouvido. Ou melhor: de quem tinham ouvido.

Já Anne... ah, ela acreditava! E estava simplesmente admirada. Sua raiva evaporara, e dera lugar a um imenso carinho pela garota de cachos loiros que outrora odiara. Ela sorriu, e sussurou: "obrigada, Josie". Josie, levemente acanhada, sorriu de volta e assentiu em resposta.

Quanto a Sra. Blackmore? Primeiro, ela olhou cada uma das jovens pensionistas com ar de sabedoria e aprovação. Depois, trocou olhares cúmplices com Lily. E depois, caiu na gargalhada! Ela dizia entre suas crises de riso: "Ah, a juventude! A juventude!", e ria mais um pouco. Fora a primeira vez que as meninas viram-na rir. Isso era tão impossível até então!

E como tornava-se mais jovem e bonita quando sorria! Seus olhos brilhavam como duas estrelinhas escuras, sua pose matronal tornava-se descontraída e feliz, e suas bochechas tomavam uma nova cor de escarlate.

Logo, todas riam com ela. E durante o restante do chá, os assuntos foram apenas sobre amenidades triviais, e todas pareciam alegres.

Mas Anne tinha certeza de uma coisa: ela estava determinada a fazer com que nos próximos meses, a Sra. Blackmore gargalhasse muitas mais vezes, e que Josie Pye, mostrasse seu lado bondoso, muitas mais vezes!