Renascimento (Prólogo)

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"Não importa quão necessária ou justificável seja uma guerra, ela será sempre um crime."

Ernest Hemingway

Março, 2002

Algures numa Ilha do Mar Mediterrâneo

Quando o misterioso náufrago acordou, respirou um ar ameno e húmido. A primeira visão que os seus olhos alcançaram foi a magnífica imensidão azul do céu enriquecida pelo som de suaves ondas do mar, uma alquimia perfeita para aliviar as dores da mente e do corpo. No seio deste universo idílico, surgiu uma voz feminina de uma forma tão harmoniosa como o canto dos pardais numa bela manhã de Primavera.

Merhaba! Bem-vindo de volta ao mundo dos vivos!

O náufrago nada ripostou nem tão pouco deu sinais de ter escutado qualquer uma destas palavras pronunciadas sob uma melodia e um idioma que desconhecia. No seu íntimo, não devem ter soado muito diferentes do som do mar ao abraçar, em pequenas ondas de espuma, a areia da praia. Alcançava apenas a maravilha do todo, como alguém que ouve uma sinfonia sem distinguir qualquer instrumento específico contido nela. A sua alma estava no estado mais puro e leve que é concedido aos homens experimentar. Pura e leve como se lhe fosse concedido o dom de sentir com uma mente adulta como é nascer para o mundo. Naquele momento, no seu mundo, não havia passado nem futuro. Não havia noção de tempo, nem medo, nem culpa ou ambição. Ignorava por completo, por exemplo, que nesse preciso momento era avidamente procurado. Tudo isso se encontrava tão dissolvido na sua memória como açúcar na mais agitada das águas. Se naquele momento estivesse capaz de assimilar através da razão a mera noção do nascimento, teria certamente pensado que era isso mesmo que era: um recém-nascido. 

À medida que os seus olhos se adaptavam à luz e afinavam os vários contornos em redor, o náufrago fitava cada objecto com crescente curiosidade como se tudo estivesse a ser observado pela primeira vez. Uma outra forma de classificar o seu estado seria dizer que se encontrava no estado clínico de um perfeito idiota. Na verdade, comportava-se perfeitamente como tal. A sua aparente idiotia, porém, provinha tanto de uma enorme curiosidade em relação a tudo o que o rodeava como, na mesma proporção, de um intenso prazer em simplesmente ser e sentir, com a tranquilidade plena dos mais felizes. Sentia este prazer ao olhar o céu, ao ver-se misturar com as nuvens no meio da imensidão azul e voar junto com elas, como se a sua alma estivesse ligada a algo maior do que ele. Simultaneamente, também a rapariga que estava ao seu lado – o primeiro ser humano em quem pôs os olhos depois deste renascimento – lhe ficou tatuada para sempre na alma como uma criatura divina. A recordação deste poderoso estado de espírito nunca mais o haveria de largar e mudaria para sempre a sua vida. Ali, naquele momento, nascia uma nova vida.

O Milagre de YousefDonde viven las historias. Descúbrelo ahora